Os ‘Bebês de Immokalee’ (nt.: Immokalee é uma cidade no sul da Flórida e a palavra significa ‘meu lar’ na língua dos Seminole, povo autóctone que vive neste estado dos EUA) nasceram com severas deformidades depois que suas mães foram cada uma expostas aos agrotóxicos enquanto colhiam tomates. Barry Estabrook reportou este fato que chocou os EUA.
http://www.theecologist.org/News/news_analysis/1033178/chemical_warfare_
the_horrific_birth_defects_linked_to_tomato_pesticides.html
Barry Estabrook
1º de setembro de 2011.
‘Tower Cabins’ é um campo de trabalho, constituído por cerca de trinta barracas de madeira seca e alguns reboques deteriorados, todos amontoados, atrás de uma cerca de madeira sem pintura, ao sul de Immokalee, uma cidade no coração do sudoeste da região de plantios de tomates da Florida.
A comunidade de trabalhadores migrantes pobres é deprimente, mas no melhor dos tempos, pouco antes do Natal, há poucos anos atrás, houve razões para grandes alegrias. Três mulheres, todas vizinhas, ficaram grávidas com uma diferença de sete semanas entre elas. Mas na vida dos trabalhadores de tomate, há uma tênue linha entre a esperança e a tragédia.
O primeiro bebê, filho do jovem de 20 anos, Abraham Candelario, e de sua jovem mulher de 19 anos, Francisca Herrera, chegou em 17 de dezembro. Chamaram a criança de Carlos. Carlitos, como eles o chamam, nasceu com uma condição extremamente rara chamada de síndrome tetra-amelia, que o deixou tanto sem braços como sem pernas.
Em torno de seis semanas depois, poucas cabanas além, Jesus Navarrete nasce de Sostenes Maceda. Jesus tinha a Síndrome ou Sequência ‘Pierre Robin’, deformidade da mandíbula retraída (nt.: ou microretrognatia, pode ter retração da língua e obstrução das vias aéreas superiores, fechamento incompleto do palato (fenda palatina). Foi a síndrome de Noel Rosa). Como resultado, sua língua tinha o constante perigo de ser ‘engolida’, colocando-o em risco do engasgo e morrer. Tinha que ser alimentado através de um tubo plástico.
Dois dias após o nascimento de Jesus, Maria Meza deu à luz a Jorge. Tinha só uma orelha, sem nariz, palato fendido, um rim, não tinha ânus e seus órgãos sexuais não eram visíveis. Depois de algumas horas, após detalhado exame, os médicos determinaram de que Jorge era de fato uma menina. Seus pais refizeram seu nome para Violeta. Seus defeitos congênitos eram tão severos que ela sobreviveu somente por três dias.
Além de viverem muito próximas uma da outra, Herrera, Maceda e Meza tinham uma outra coisa em comum. Todas elas trabalhavam para a mesma empresa agrícola ‘Ag-Mart Produce, Inc.’ , e na mesma vasta monocultura de tomate. Os consumidores conhecem a Ag-Mart principalmente através de suas marcas registradas de tomate, ‘UglyRipe’ e ‘Santa Sweets’, vendidos numa embalagem plástica fechada (nt.: provavelmente de PET) adornada com três tomatinhos sorridentes e dançarinos chamados Tom, Matt e Otto. ‘As crianças amam lanchar com este nutritivo petisco’, diz a propaganda da empresa.
Das fileiras de tomates onde as mulheres grávidas estão trabalhando durante o período em que estão esperando seus bebês, o que se vê não é nada prazeroso. Um sinal na entrada adverte de que a plantação foi aspergida com nada menos do que trinta e uma diferentes substâncias químicas durante a safra. Muitos deles estão classificados toxicologicamente como ‘altamente tóxicos’ e pelo menos três deles, o herbicida metribuzin, o fungicida mancozeb e o inseticida avermectina (nt.: no Brasil foram proibidos medicamentos bovinos com este princípio ativo que age também como vermicida, em razão de resíduos em carnes de exportação para os EUA — no mínimo um paradoxo! e nós não temos o mesmo direito dos norte americanos?), são conhecidos por serem ‘tóxicos tanto para o processo do desenvolvimento como do aparelho reprodutivo’, de acordo com a ONG ‘Pesticide Action Network/PAN’. Eles são teratogênicos, significando que podem causar defeitos congênitos.
Violações de segurança.
Se eles forem ser usados, a agência ambiental dos EUA (nt.: em inglês – U.S. Environmental Protection Agency/EPA) determina ‘intervalos de acesso restrito’ (nt.: em inglês – restricted-entry intervals/REIs) – de acordo com o jargão da agricultura química – o tempo que precisa transcorrer entre a aplicação dos agrotóxicos e a entrada, nas áreas de cultivo, pelos trabalhadores para realizarem suas atividades. Em todos os três casos, as mulheres afirmam que foram ordenadas a colher os tomates, violando as regulamentações REI.
‘Quando nós trabalhamos com as plantas, sente-se o fedor dos venenos’, disse Herrera, a mãe de Carlitos, o bebezinho sem braços e pernas. Investigações subsequentes mostraram que Herrera havia trabalhado nos campos de tomate que foram recém aspergido com o fungicida mancozeb 34 a 36 dias depois da fecundação, quando ocorrem os estágios em que o bebê começa o seu desenvolvimento neurológico e físico.
Meza recorda-se: ‘Aconteceu comigo muitas vezes de tu estares trabalhando e o veneno que havia secado, torna-se um pó que tu respiravas’. Embora as normas exijam que os aplicadores devam usar (nt.: os EPIs – equipamentos de proteção individual – no Brasil) óculos protetores, luvas resistentes aos químicos, aventais de borracha e respiradores de vapor, as três mulheres grávidas diziam que elas não foram advertidas de possíveis perigos ao serem expostas a estes venenos. Elas não usavam equipamentos de proteção e inutilmente contavam com alternativas fúteis como evitar sua inalação cobrindo suas bocas com bandanas.
Herrera disse que se sentia doente o tempo inteiro em que trabalhou nestes cultivos. Descreveu ser coberta pelos agrotóxicos e que sofria de náuseas, vômitos, tonturas e muito mal estar. Seus olhos e nariz os sentia como se estivessem queimando. Desenvolveu erupções cutâneas e feridas que não cicatrizavam.
Abandonar o trabalho não era uma opção. Herrera diz que seu chefe, um sub-contratado da empresa Ag-Mart, disse-lhe que se ela não fosse trabalhar, poderia ser posta para fora da peça que ele havia providenciado para ela viver. Ironicamente, a iminente chegada de seu primeiro filho torna-se a coisa mais importante tanto para ela como para o marido, mesmo mais do que ter um lugar para morar. Ela trabalhou nos campos desde o tempo da preconcepção até os estágios intermediários da gestação, indo até o sétimo mês de gravidez, apenas algumas semanas antes da chegada um pouco prematura do Carlitos. Mesmo depois de abandonar os cultivos, ela continuou a lavar à mão a roupa encharcada de química de seu marido e seu irmão, Epifânio.
A deformidade da mandíbula de Jesus não provou para ser tão perigosa como primeiro se pensou e os médicos disseram à mãe que esta condição do bebê provavelmente iria melhorar quando ele crescesse. Enquanto isso, os pais da Violeta choravam a morte da filha. Mas após o nascimento do Carlitos, os problemas do casal Herrera e Candelario se intensificaram. O fim da temporada de colheita de inverno estava se aproximando nesta região da Flórida, assim a família teria de migrar para o norte a fim de encontrar trabalho. Mas Carlitos precisava de cuidados médicos constantes, que estava recebendo, através de uma agência de serviços médicos infantis da localidade de Lee. Mesmo sendo ele um cidadão norte americano por nascimento, seus pais eram mexicanos e não tinham nenhuma documentação. A deportação era uma possibilidade bem real.
As coisas tomaram um rumo para o pior quando aos três meses de idade o bebê desenvolveu problemas respiratórios que tornava difícil a respiração. Ele teve que ser levado de um hospital perto da comunidade de Immokalee para o hospital infantil de Miami. Na falta de um carro, Herrera e Candelario tinham que confiar nas visitas periódicas que os assistentes sociais faziam ao viajarem por todo o estado, viagens que levavam duas horas e meia e que podiam ser realizadas somente nos dias nos quais Candelario não era necessário no campo, quando fazia para cobrir os custos do aluguel. ‘Não havia nada que pudéssemos fazer por nosso menino,’ disse ele.
Ajuda Legal.
Um dos assistentes sociais auxiliou os pais de Carlitos a enfrentarem o que haviam se deparado como um peso financeiro insuperável e precisaram um auxílio legal. Ele contatou um advogado local que confessou não ter condições de levar este caso tão complexo. Disse ter, no entanto, um colega que havia se especializado em lesões pessoais catastróficas, responsabilidade pelo produto e contencioso por negligência médica.
Telefonou para Andrew Yaffa ……..
Assim que o encontrei, entendi porque ele é um advogado de sucesso. …..
Ainda quando tinha quarenta anos, no momento do nascimento do Carlitos, em 2004, Yaffa é amplamente reconhecido como um dos melhores advogados do estado. Ele ganhou muitos processos de milhões de dólares ……
……..
A princípio, Yaffa mal podia acreditar o que o seu amigo havia lhe relatado. ……
Quando Yaffa bateu na porta, Herrera respondeu. Ele ficou abalado pelo fato de a mulher miúda e de rosto redondo ser pouco mais do que uma criança. Estava só já que os homens que viviam no trailer estavam nos campos. Herrera coloca Carlitos numa cadeirinha de bebê. Mantas de carne seca estavam penduradas em um varal de roupas estendido na sala de estar. O ar úmido era malcheiroso e acre. Moscas zumbiam por todos os lugares. Quando Carlitos começou a se agitar, Herrera tirou o bebê de seis meses de idade da cadeirinha para deitá-lo no chão. ….
‘Sem braços, sem pernas’
Um filhote de cachorro latia, saltitava, passando a mordiscar o pequeno que começou a chorar. Herrera correu para pegá-lo. Yaffa está profundamente afetado pela situação. A criança que não tinha a habilidade para espantar uma mosca ou se safar do ataque do cachorrinho,confrontando-se com uma vida plena de necessidades. ‘Os agrotóxicos se imiscuíram em todos os seus sistemas corpóreos da mãe e acabou afetando esta criança que estava se formando em seu útero e eis que no final ela nasce sem os braços e sem as pernas’, contou-me ele.
Falando em espanhol, ele tenta se comunicar com Herrera. Só que ela fala muito pouco de espanhol já que, como é o caso de muitos trabalhadores rurais migrantes, sua primeira língua e o que ela estava mais confortável de se comunicar é em seu dialeto indígena nativo. Yaffa explicou que uma assistente social tinha contato com ele, e ele estava lá por uma razão — para ajudá-la. Herrera disse que não houve pressão para ela trabalhar com ele. Como é norma entre os advogados neste campo de ação, ele deveria suportar todos os custos legais e ser pago apenas tomando uma percentagem de tudo o que os clientes ganhassem.
Quando Herrera finalmente acenou com a cabeça, Yaffa prometeu que ele faria tudo que estava ao seu alcance para ajudar o seu novo cliente. Mas até mesmo um advogado com seu histórico e perspicácia no fórum teria um bom trabalho para avançar. Por causa de todas estas variáveis, quase infinitas — hereditariedade, exposição a produtos químicos em outros locais de trabalho, possíveis abusos de fumo ou drogas, fatores ambientais, etc. — casos vinculando exposição de agrotóxicos a defeitos de nascimento são bastante difíceis de provar.
Em vez de perseguir uma abordagem convencional, tentando determinar qual o produto químico que havia causado o dano e processar a empresa que fez isso, Yaffa decidiu fazer algo que ele nunca tinha feito: tentaria obter uma indenização da fazenda onde Herrera havia trabalhado. Em essência, ele tentaria acionar de forma a atingir toda a indústria agrícola moderna e sua filosofia baseada na química sintética, sobre a qual está toda sua fundamentação.
Extraído exclusivamente do livro ‘Chemical Warfare’ (Guerra química) de seu capítulo Tomatoland: How Modern Industrial Agriculture Destroyed Our Most Alluring Fruit (Terra do Tomate: como a moderna agricultura industrial destruiu nosso fruto mais sedutor) de Barry Estabrook, publicado pelaAndrews McMeel Publishing.
Links úteis.
http://politicsoftheplate.com
Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2014.
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