A agricultura é a maior indústria do mundo. Fotografia: Jeff McIntosh/AP
https://www.theguardian.com/environment/2022/nov/03/big-agriculture-climate-crisis-cop27
03 de novembro de 2022
Relatório patrocinado por algumas das maiores empresas de alimentos e agricultura considera o ritmo de mudança para práticas sustentáveis muito lento.
Empresas de alimentos e governos devem se unir imediatamente para mudar as práticas agrícolas do mundo ou arrisca “destruir o planeta”, segundo os patrocinadores de um relatório de algumas das maiores empresas de alimentos e agricultura divulgado na quinta-feira.
O relatório, de uma força-tarefa da Sustainable Markets Initiative (SMI), uma rede de CEOs globais focada em questões climáticas estabelecida pelo rei Charles III, está sendo divulgado dias antes do início da cúpula climática Cop27 das Nações Unidas no Egito.
Muitas das maiores empresas agrícolas e alimentícias do mundo defenderam práticas agrícolas sustentáveis nos últimos anos. As práticas agrícolas regenerativas, que priorizam a redução das emissões de gases de efeito estufa, a saúde do solo e a conservação da água, agora cobrem 15% das terras cultivadas.
Mas o ritmo da mudança tem sido “muito lento”, conclui o relatório, e deve triplicar até 2030 para que o mundo tenha alguma chance de manter o aumento da temperatura abaixo de 1,5°C, um nível que, se violado, argumentam os cientistas, desencadeará ainda mais mudanças climáticas devastadoras no planeta.
O relatório é assinado pela Bayer, Mars, McCain Foods, McDonald’s, Mondēlez, Olam, PepsiCo, Waitrose e outros. Eles representam uma poderosa força política e corporativa, afetando a cadeia de fornecimento de alimentos em todo o mundo. Eles também são, de acordo com os críticos, alguns dos mais responsáveis pela má gestão climática, com um chamando o relatório de “fumaça e espelhos” e improváveis de abordar a crise real (nt.: infelizmente como vem sendo feito desde a Estocolmo 72, as corporações vão se mimetizando e dizendo as palavras da ‘moda’ para, na verdade, não mudarem absolutamente nada! Ver o link para se entender o que está acontecendo, desde antes da Rio 92. Mas para compreender quem são as corporações ‘alimentícias’, acessar esse link para se saber sobre o cinismo que cada uma e todas elas têm ao lidarem com a vida e a saúde dos consumidores).
A produção de alimentos é responsável por um terço de todos os gases de aquecimento do planeta emitidos pela atividade humana e vários dos signatários foram acusados de crimes ambientais e “greenwashing”. A ativista Greta Thunberg está boicotando Cop este ano, tendo chamado a cúpula global de um golpe de relações públicas “para líderes e pessoas no poder para chamarem a atenção”.
Cop27: a carnificina climática que enfrentamos este ano-vídeo
“Estamos em um ponto crítico em que algo deve ser feito”, disse o presidente da força-tarefa e CEO da Mars, Grant Reid. “A interconexão entre a saúde humana e a saúde planetária é mais evidente do que nunca.” As grandes empresas de alimentos e a agricultura devem desempenhar um papel importante na mudança disso, disse Reid. “Não será fácil, mas temos que fazer funcionar”, disse ele.
A agricultura é a maior indústria do mundo. As pastagens e as terras agrícolas ocupam cerca de 50% das terras habitáveis do planeta e utilizam cerca de 70% das reservas de água doce. A crise climática está desafiando a indústria em todo o mundo, mas o apelo do grupo por mudanças ocorre quando a indústria – que emprega 1 bilhão de pessoas – está enfrentando problemas na cadeia de suprimentos após a pandemia de coronavírus e a inflação crescente. Também ocorre em meio ao crescente ceticismo sobre as promessas de mudança de empresas que contribuíram para a mudança climática.
Essas questões atuais não devem diminuir a necessidade de mudança, argumenta o relatório. “Com o ambiente inflacionário e a interrupção generalizada da cadeia de suprimentos, seria fácil reduzir nosso foco no desafio de longo prazo de escalar a agricultura regenerativa. Mas acreditamos que é vital mantermos um senso de urgência. Devemos agir agora para evitar crises mais agudas no futuro”, escrevem seus autores.
Sunny George Verghese, executivo-chefe da Olam, um dos maiores fornecedores mundiais de grãos de cacau, café, algodão e arroz, disse: “Não podemos continuar a produzir e consumir alimentos, rações e fibras da maneira que estamos fazendo hoje, a menos que não me importo de destruir o planeta”.
“A única saída para nós é como fazemos a transição para um sistema alimentar mais resiliente que nos permitirá atender às necessidades de uma população crescente sem a intensidade de recursos que temos hoje”.
O relatório estudou três culturas alimentares, batatas, arroz e trigo, e fez recomendações de políticas que apresentará na Cop27.
Os membros da força-tarefa estão trabalhando para tornar o argumento econômico de curto prazo para a mudança mais atraente para os agricultores. “Não é atraente o suficiente para o agricultor médio”, disse Reid. Mais amplamente, o relatório argumenta que a indústria e o governo também devem trabalhar mais para resolver a lacuna de conhecimento e garantir que os agricultores estejam seguindo as melhores práticas. Em terceiro lugar, todas as partes envolvidas na indústria agrícola, de agricultores a produtores de alimentos, governos, bancos e seguradoras, precisam se alinhar para incentivar uma mudança para práticas mais sustentáveis.
“Isso envolve mudança para todos os atores, incluindo governo, empresas privadas, públicas e outros. Nenhum jogador pode fazer isso sozinho, isso tem que ser uma colaboração da vontade. O que precisa acontecer agora é ação e entrega”, disse Reid.
Nos próximos seis meses, o grupo avaliará como eles podem divulgar o trabalho da força-tarefa com o objetivo de estabelecer um conjunto comum de métricas para medir os resultados ambientais, estabelecer um sistema confiável de pagamentos aos agricultores por resultados ambientais, aliviar o custo da transição dos agricultores a práticas sustentáveis, garantindo que a política do governo recompense os agricultores por tornarem seus negócios mais verdes e incentivando o abastecimento de culturas de áreas específicas que se convertem em agricultura regenerativa.
Devlin Kuyek, pesquisador da Grain, uma organização sem fins lucrativos que trabalha para apoiar pequenos agricultores, disse que é cada vez mais difícil para as grandes empresas agrícolas e alimentícias ignorar as mudanças climáticas. “Mas não acho que nenhuma dessas empresas – digamos um McDonald’s – tenha qualquer compromisso de reduzir as vendas de produtos altamente poluentes. Não acho que a PepsiCo vá dizer que o mundo não precisa da Pepsi.”
Kuyek destacou que a Yara (nt.: mais uma corporação norueguesa que vale a pena conhecer pelo livro ‘A luta pela floresta’ do geógrafo norueguês Torkjell Leira), outra signatária do relatório, é a maior fornecedora mundial de fertilizantes à base de nitrogênio (nt.: ver a matéria seguinte que será publicada em nosso website), “responsáveis por uma em cada 40 toneladas de gases de efeito estufa emitidas anualmente”.
“É muito falso”, disse Kuyek. “Os pequenos sistemas alimentares locais ainda alimentam a maioria das pessoas do planeta (nt.: incrível como é assim em todo o mundo. No Brasil a agricultura familiar produz mais de 70% do se consome diariamente nas famílias brasileiras. Não é do agronegócio!) e a ameaça real é que o sistema industrial está se expandindo às custas do sistema verdadeiramente sustentável. As corporações estão criando um pouco de fumaça e espelhos aqui, sugerindo que são parte da solução quando inevitavelmente são parte do problema.”
Considerando as histórias controversas de algumas das empresas envolvidas no relatório, Verghese disse esperar críticas e escrutínio. “Todas as empresas precisam enfrentar o escrutínio de serem atacadas se houver uma verdadeira lavagem verde. Não há lugar para se esconder”, disse ele. “No que diz respeito à Olam, somos muito claros sobre nossas metas, tivemos a confiança de tornar essas metas públicas. Todos nós progredimos ao longo da jornada sustentável. Não é que não tenhamos cometido erros no passado, mas à medida que nos tornamos melhores nisso, estamos dispostos a estar sujeitos a escrutínio”.
Tanto Reid quanto Verghese disseram que a escala dos problemas que o suprimento mundial de alimentos está enfrentando não pode ser subestimada, mas que mais governos e empresas estão se convencendo da necessidade de mudanças urgentes. “Acredito que mudanças podem ser feitas”, disse Verghese. “Eu sou otimista. O fato de que esses tipos de coalizões estejam surgindo é muito positivo. Somos todos rivais e concorrentes muito fortes entre si. Nós nos rejeitamos mutuamente, não nos juntamos em nada a não ser que haja uma grande crise que envolva a todos. E estamos reconhecendo a existência de uma grande crise. Precisamos nos unir”.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2022.