Gorduras alimentares e saúde: Recomendações dietéticas no contexto da evidencia científica.

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Esses artigos se encaixam precisamente na perspectiva da lipidofobia que é o nosso tema central.  É muito curioso perceber que esse tipo de artigo científico não ganha qualquer manchete, seja nos órgãos de comunicação habituais, e nem mesmo naqueles veículos que pretensamente se acham de vanguarda, seja na internet ou em material impresso (alguns até parecem mais tendenciosos do que o desejável).

 

http://www.lipidofobia.blogspot.com.br/2014/02/gorduras-alimentares-e-saude-parte-i.html

 

Gorduras Alimentares e Saúde – Parte I

 

Glen D Lawrence, do departamento de Química e Bioquímica da Long Island University, NY, publicou uma interessante revisão sobre as gorduras na alimentação para a revista Advances in Nutrition, da Sociedade Americana para Nutrição, em maio de 2013.
Bem, o autor faz uma ampla revisão baseada nos mais novos conhecimentos de fisiologia dos lipídios e do conhecimento atual sobre os mecanismos envolvidos com a formação da aterosclerose, com ênfase na doença cardiovascular. O artigo tem mais de 130 referências, e está repleto de termos técnicos, com nomes de personagens que provavelmente a maioria das pessoas, mesmo na área médico-nutricional, desconhecem.
Começa lembrando que o tema do colesterol como aspecto central das preocupações com a doença cardíaca se alicerça basicamente a partir da Pesquisa de Framingham (meados da década de 1950). Mas foi somente nos anos 90 que o mecanismo de regulação do colesterol e das lipoproteínas foi elucidado, quando veio à público, por exemplo, a questão do tamanho das partículas de colesterol, como um aspecto que estava associado a doença cardiovascular. O autor cita que as partículas LDL (habitualmente chamada, de forma simplística, de  colesterol ruim), pequenas e densas estão geralmente associadas a um aumento de triglicerídeos, abdominal, resistência à insulina e outros distúrbios metabólicos (chamamos de Síndrome Metabólica) que levam a disfunções na camada interna das artérias (endotélio) e suscetibilidade à trombose. Essa pequenas partículas LDL estão mais susceptíveis ao processo que chamamos de peroxidação lipídica, um fator para a doença arterial.
O autor cita vários aspectos da questão inflamatória associados a doença cardiovascular. Por exemplo: existe uma enzima chamada PON1, cuja inibição está relacionada à doença cardíaca, mas enquanto as gorduras saturadas não têm ação sobre essa enzima, os ácidos graxos mono e poliinsaturados parecem INIBIR sua ação enzimática.
O ácido linoleico (conhecido como ômega-6) faz as partículas LDL ficarem mais susceptíveis à peroxidação. Com isso ocorre subsequente depósito de LDL oxidado nas células chamadas de macrófagos que ficam na camada íntima das artérias. Um processo severo de peroxidação de gorduras ativa a transformação de um tipo de glóbulo branco circulante – os monócitos – para a forma de macrófagos que se transformariam nas Foam Cells (ou Células Espumosas, células que armazenam lipídeos) O processo de peroxidação também sinaliza para que a camada íntima das artérias encapsular essas células, envolvendo-as com matriz proteica extracelular, e eventualmente promovendo a calcificação. Uma grande abundância de ácido graxos poliinsaturados, em relação com monoinsaturados e saturados poderia provocar a aterogênese.
Agora o mais interessante: como os ácidos graxos saturados (gordura saturada) NÃO são suscetíveis à peroxidação lipídica eles NÃO estão envolvidos com todos os mecanismos ligados a formação da placa característica da aterosclerose. Isso traz à tona como a questão de como os ácidos graxos poliinstaurados pareceriam reduzir o risco de doença cardíaca, uma vez que muitos estudos NÃO têm demonstrado esse efeito.
(A peroxidação é uma reação química onde radicais livres – moléculas de oxigênio reativas – são incorporados na estrutura de uma gordura que compõe a membrana celular, levando a perda de sua estrutura).
O estresse oxidativo e peroxidação de lipídios são aspectos reconhecidos na promoção de doença cardíaca, e outras doenças crônicas. O cozimento em alta temperaturas também pode oxidar carboidratos o que produz uma gama de produtos tóxicos de oxidação que promovem stress oxidativo, portanto diabete tipo II e doença cardiovascular. Os ácidos graxos poliinsaturados também sofrem de peroxidação pelo calor do cozimento.  Dessa forma, os métodos de  preparação e cozimento usados para alimentos que tradicionalmente são classificados com alimentos com gordura saturada podem produzir substâncias que promovem doenças a partir dos carboidratos e dos poliinsaturados presentes nesses alimentos.
A alimentação humana tende a favor de alimentos com gordura e açúcar. De acordo com Lawrence, isso complica a correlação entre gordura saturada e doença. Os carboidratos mais simples facilmente sofrem oxidação, sendo que a frutose se oxida muito mais rápido que a glicose. Os produtos resultantes da oxidação incluem glioxal, metilglioxal (*), e formaldeído. O metilglioxal promove disfunção na camada interna das artérias, e está associado a hipertensão e aterosclerose em humanos. O formaldeído e o metilglioxal estão implicados na lesão no endotélio, estresse oxidativo e doença vascular (angiopatia).
O metilglioxal, (a forma aldeído do ácido pirúvico) é uma produto envolvido com a formação dos mal falados AGEs – produtos finais da glicação avançada. Quase sempre que falamos em glicação falamos da ação de carboidratos simples. A formação de AGEs é marcante em doenças como a diabetes, onde as taxas continuadamente altas de glicose no sangue estão implicadas nas complicações típicas da diabetes tardia com dano vascular: doença renal, problemas na retina, neuropatias etc.. 
Bem essa é primeira parte da súmula desse artigo. Está indexado no PubMed/Medline: basta procurar por Dietary fats and health: dietary recommendations in the context of scientific evidence

Gorduras Alimentares e Saúde – Parte II

Essa postagem, é a continuação da súmula do artigo publicado no Jornal Advances in Nutrition sobre gorduras na alimentação. Infelizmente existe uma terminologia relativamente difícil, mas espero que seja possível sua compreensão

Inflamação e gorduras
Como já citado, o processo chamado de peroxidação dos lipídios é considerado um mecanismo de numerosos efeitos negativos sobre a saúde humana, tais como câncer, aterosclerose e envelhecimento. Os ácidos graxos ômega-6 tem importante papel (negativo) nesse processo.
Estudos do processo inflamatório em ratos demonstram que o ômega 6 tem profundos efeitos no grau de inflamação. A gordura saturada (ácidos graxos saturados) na alimentação resulta em grau muito menor de inflamação do que alimentações com ácidos graxos ômega-3 e ômega-6. Foi verificado que quantidades pequenas de ômega-3 em relação a amplas quantias de ômega-6 tem pouca chance de mudar a resposta inflamatória. Parece que é mais prudente reduzir o consumo de ômega-6 e aumentar o consumo de gordura saturada para reduzir os vários tipos de processos inflamatórios. O autor lembra que muitas fontes de gordura monoinsaturada estão associadas com gordura saturada, mesmo oriundas de fontes vegetais como a gordura de coco, por exemplo.
Alguns estudos com asma e gorduras trazem informações interessantes. As revisões mostram que dietas com relação 10:1 de ômega 6 para ômega-3 pioram a resposta respiratória em pacientes asmáticos, enquanto a relação 2:1 traz significativa melhora em pelo menos 40% dos participantes de um estudo. O óleo de peixe também produz melhora em alguns pacientes asmáticos. Um estudo no Japão mostrou que o ômega-3 melhora pacientes esse problema respiratório. O autor salienta que carboidratos, especialmente o açúcar aumentam a incidência de asma. (Lembrando que as fontes de ômega-6 são basicamente todos os óleos vegetais industrializados, e gordura vegetal. O azeite – de oliva – não está nesse grupo).
Seriam as dietas low fat, (com pouca gordura, ou pouca gordura saturada) mais saudáveis?
Estudos em animais de laboratório tem mostrado que dietas ricas em gordura promovem câncer quimicamente induzido. Em alguns desses estudos ficou demonstrado que os ácidos graxos ômega-6 promovem proliferação tumoral em ratos , enquanto gorduras saturadas e ômega-3 não promovem tumor, e até mesmo os suprimem. Existem múltiplos processo pelo qual o ômega-6 pode promover a carcinogênese – a produção de eucosanoides bioativos a partir do ácido aracdônico é um desses mecanismos. A peroxidação lipídica é reconhecida como promotora de câncer, e os ácidos graxos poli-insaturados são altamente suscetíveis à peroxidação. Prostaglandinas derivadas do ômega-6, são especialmente inibidas por anti-inflamatórios com poder de supressão tumoral.
Estudos mais apurados sobre gordura saturada e carne, mostram que não seria a gordura saturada per si o problema, mas sim os elementos que podem estar associados às carnes processadas, ou quem sabe naquilo que é consumido junto com ela, que tornariam esse produto associado a maior risco de doença cardíaca.
Análises de estudos de alimentos vegetais ricos em gordura saturada como a gordura de coco e de palma mostram melhoram no perfil de colesterol. Imputações negativa sobre a relação de doença cardiovascular com esses óleos carecem de evidências científicas, além do que povos de nações com alto consumo dessas gorduras têm boa saúde cardíaca.
Muitos dos ácidos graxos saturados mais curtos do leite e do coco têm efeitos benéficos sobre a saúde. O ácido graxo saturado de cadeia mais curta no leite, não é apenas rapidamente transformada em nas crianças, como também tem ação antiviral, antibacteriana, antitumoral e melhor resposta imunológica. O ácido láurico do leite e do coco é eficiente contra a queda de dentes e formação da placa (ateroma). Alguns ácidos graxos saturados de tamanho médio, mesmo que aumentem o colesterol total tem efeitos positivos sobre o colesterol HDL. Muitos dos constituintes do leite parecem ter efeitos positivos contra a síndrome metabólica.
Menos gordura geralmente significa mais carboidratos
Sem surpresa quando se reduz as gorduras se come mais carboidratos e isso não melhora o perfil dos lipídios no sangue. Excessos de carboidratos se convertem em gordura de reserva no organismo. A partir de carboidratos é formado gordura saturada e monoinsaturada. Dessa forma não faz sentido imaginar que trocar gordura por carboidrato possa trazer vantagem para as taxas de gorduras no sangue.
Na verdade uma dieta com pouca gordura e rica em carboidratos causa aumento das taxas de triglicerídeos e partículas pequenas e densas de colesterol LDL. Isso certamente está FORTEMENTE associada a doença cardiovascular.
Crianças pequenas que consomem mais suco de frutas são mais baixas com maior índice de massa corporal do que as consomem menos suco. Crianças que tomam mais suco tomam menos leite. As taxas de obesidade infantil ficaram exageradamente altas após a introdução de leite desnatado, ao mesmo tempo que os alimentos com frutose (forma de HFCS, xarope de milho de alto teor de frutose) ficaram onipresentes na alimentação infanto-juvenil. Os ácidos graxos saturados do leite não apenas provém ação antiviral e antimicrobiana, como sinalizam agentes do sistema imune. Infecções em crianças estão relacionadas com altas taxas do aterogênico colesterol LDL oxidado, e baixas taxas de HDL. É possível que tanto as infecções como o perfil lipídico negativo tenham relação com o alto consumo de carboidratos e pouco consumo de gorduras.
Alimentos processados com pouca gordura geralmente tem altas taxas de frutose para melhorar a palatabilidade. A frutose na alimentação está consistentemente associada à problemas de saúde como: elevação de ácido úrico, gota, aumento de triglicerídeos, aumento da peroxidação lipídica e na oxidação do colesterol LDL, aumento no risco de síndrome metabólica: obesidade, resistência à insulina, gordura no fígado (esteatose), inflamação crônica e doença renal entre outros pontos.
Conclusões
Ao final desse extenso artigo, o autor sugere que, a luz do melhor conhecimento de fisiopatologia, as diretrizes de consumo de gordura satura precisam ser reavaliadas, uma vez que muitos dos efeitos negativos a elas imputada foram mal compreendidos. Porém a oxidação dos ácidos graxos poli-insaturados está fortemente associada ao processo inflamatório e a uma cascata de eventos metabólicos negativos, tanto como os carboidratos especialmente a frutose.

Resumidamente podemos dizer que, de acordo com essa revisão, já há significativo corpo de investigações que pode colocar em cheque o atual senso comum a respeito do consumo de gordura saturada! Comer gorduras com a liberdade de nossos avós parece ser a retomada do caminho para a saúde!

Artigo original:
Dietary Fats and Health: Dietary Recommendations in the Context of Scientific Evidences – Glen D. Lawrence – Departament of Chemistry and Biochemistry, Long Island University, NY.
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