Glifosato, aprofundando.

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Jose Luiz M. Garcia, agrônomo, Diretor na Instituto de Agricultura Biológica.

19 de janeiro de 2017

Tudo o que você sempre quis saber, mas tinha receio de perguntar.

O glifosato (N-fosfonometil glicina) é um composto geralmente descrito como organofosforado (7), embora, de acordo com a Monsanto, não seja capaz de inibir a colinesterase (3).

Mais especificamente ele é um fosfonato. Essa molécula foi patenteada pela Stauffer Chemical Co., em 1964, como um quelatizante mineral. A patente concedida foi para um produto de limpeza de encanamentos de metal (desencrustante) nos moldes do produto “Drano“.

Esse fato é ardilosamente ocultado do grande publico porque, em todas as versões sobre a história do Glifosato, escritas pela Monsanto Company, ele nunca é mencionado. Ou seja, não querem que o grande público conheça a capacidade fortemente quelatizante do glifosato e, com isso, todas as suas implicações para a saúde das plantas, animais e seres humanos.

Então, essa é a primeira coisa que todos devem saber quando forem avaliar os riscos e efeitos do uso desse herbicida. Ele é um poderoso quelatizante mineral tornando indisponíveis co-fatores enzimáticos essenciais ao metabolismo das plantas como Manganês, Ferro, Zinco, Cobre, Cobalto e Molibdênio entre outros (4). E isso ele faz nas plantas, no solo e dentro do intestino animal e até mesmo dentro do seu intestino, nesse exato momento, vez que hoje em dia está amplamente disseminado no meio ambiente por ser o agrotóxico mais usado em toda a história da humanidade (3). Todos os anos, milhões de toneladas desse produto são despejados no meio ambiente. Mais precisamente 450 milhões de toneladas/ano.

Logo após a aplicação da dose recomendada de Glifosato, por hectare, ele é rapidamente absorvido de forma sistêmica e a planta passa a conter uma dosagem quelatizante dessa substância capaz de imobilizar até 70 vezes todos os minerais co-valentes positivos presentes na planta tornando-os indisponíveis (5).

Fig. 1 – Efeito da aplicação de Glifosato em soja transgênica RR. Mesmo as plantas transgênicas resistentes apresentam sintomas de bloqueio de Ferro, Manganês e outros minerais.

A Monsanto adquiriu a patente original e em 1969 requereu a US Patent 3,455,675 que alegava o bloqueio da rota do Shikimato mediante a interferência da enzima EPSP Sintase. Esse fato é oficialmente reconhecido pela Monsanto como sendo uma descoberta do pesquisador John E. Franz.

Franz, que era um químico orgânico, aparentemente teve que estudar muita fisiologia vegetal para vir com a proposta de um mecanismo de ação baseado no bloqueio específico da enzima 5-enolpiruvato-shikimato-3-fosfato sintase (EPSP Sintase) que é o fator limitante para a síntese de três amino ácidos aromáticos tirosina, triptofano e fenilalanina, na via do Shikimato em bactérias, arqueobactérias e plantas.

Pouco antes do genoma humano ser desvendado, as apostas da maioria dos cientistas envolvidos no projeto Genoma Humano, do qual o Brasil foi participante, variavam de 50 mil a 150 mil genes, por que, afinal de contas, genes produzem proteínas e proteínas constroem a vida.

Dado o número de funções do corpo humano imaginava-se um número bem maior de genes no genoma humano. A genética acreditava que cada gene era responsável por uma determinada função. Portanto, foi uma surpresa geral, quase uma decepção, quando ao final do projeto descobriu-se que o genoma humano tinha apenas 25.000 genes ou um pouco mais que uma simples minhoca que dispõe de 20.500 genes (1).

A importância dessa informação fica evidente quando se compara o numero de células do corpo humano (cerca de 1 trilhão) com o número de células de microrganismos presentes no nosso intestino (9 trilhões) que podem variar de 4.000 a 12.000 espécies diferentes (1), ou seja, nós somos extremamente dependentes desses seres microscópicos para que, com os seus genes, nos ajudem a obter as substancias necessárias a nossa adequada nutrição. Por isso, Collen afirma que nós somos somente 10% humanos (1).

Não somente as plantas são afetadas pela aplicação do glifosato ou pela sua persistência no meio ambiente mas toda uma ampla gama de seres vivos cuja importância transcende até a nossa própria saúde intestinal e vai muito mais além disso, atingindo toda a chamada “soil food web” ou cadeia alimentícia do solo (11).

Nas plantas, os amino ácidos aromáticos coletivamente representam 35% de todo o seu peso seco (4), o que demonstra a sua importância para o metabolismo vegetal. Animais e seres humanos não dispõe dessa rota bioquímica e portanto dependem do alimento ingerido e do microbioma intestinal para o fornecimento desses nutrientes essenciais.

Esses amino ácidos aromáticos são essenciais para a síntese de vários reguladores de crescimento vegetais tais como auxinas, giberelinas e citocininas, nos vegetais.

O mecanismo de ação do glifosato (bloqueio da rota do ácido shikimico) é único entre todos os herbicidas pós emergentes.

Portanto, a  Monsanto não conta toda a verdade quando diz que :

      “O glifosato não se acumula no corpo humano, portanto não oferece riscos às mães e seus bebês. Além disso, o efeito do glifosato funciona sobre uma enzima produzida apenas por plantas, e não por animais, como o homem. Um estudo recente não detectou glifosato no leite materno”(3)

 Mentira número 1

Ele acumula sim, no meio ambiente. A meia vida do glifosato no solo varia de 1.5 a 22 anos (11).

O nível de glifosato nos alimentos está aumentando ano a ano, notadamente na soja e no milho transgênicos, a ponto do nível mínimo permitido ter que ser revisto e aumentado em mais de 10 vezes nos últimos 10 anos (5) O glifosato está presente no solo e na água. O homem é parte desse mesmo meio ambiente.

Nesse ultimo ano o nível residual máximo do Glifosato em soja foi aumentado de 20 ppm para 40 ppm.

Por isso, é que a Monsanto, cinicamente, declara que seus produtos são “seguros”, porque, no dia que deixarem de ser, o FDA estará sempre disposto a aumentar o limite máximo permitido, tornando-os “seguros”.

Mentira número 2

A ONG  “Moms Across America” publicou resultados de testes sobre isso em : http://www.momsacrossamerica.com/glyphosate_testing_results

O herbicida está presente no leite materno, na urina de homens e mulheres e na água.

Os homens tiveram um nível mais elevado de glifosato na urina. Especula-se que seja devido ao maior consumo de cerveja pelo sexo masculino, já que a cerveja também contém glifosato por ser feita com cereais onde esse herbicida é usado.

No Brasil, a situação é ainda pior porque grande parte do milho usado na fabricação da cerveja é transgênico e resistente ao glifosato exibindo teores de resíduos ainda maiores.

Mentira número 3

A enzima EPSPS é produzida por plantas mas ela é parte indispensável de todos organismos vegetais como bactérias, arqueobactérias e leveduras, que vivem no nosso intestino e produzem substancias essenciais a nossa saúde. Os organismos do solo, essenciais a saúde do mesmo, também são igualmente afetados pela a ação desse herbicida, na medida em que ele destrói reconhecidos organismos benéficos como o Trichoderma sp., Pseudomonas fluorescens e outros, enquanto beneficia organismos patogênicos como o Fusarium sp. e a Rizoctonia sp.

A Monsanto consegue mentir três vezes em apenas três linhas de texto. A isso, Steven Druker, chamou de “Ciência Defeituosa” (2)

Mas a mentira continua, “No solo e na água, o glifosato é rapidamente degradado por microrganismos, se decompondo em moléculas comuns na natureza” (3).

Segundo o Prof. de Microbiologia Robert Kraemer, PhD, da Universidade de Purdue, a meia vida do glifosato no solo pode variar em função de inúmeros fatores como textura do solo, microbiologia, etc.,  de 1.5 a 22 anos e que, até hoje, somente foram encontrados 14 genes em todos os microrganismos estudados com condições para degradar a molécula de glifosato devido a forte ligação do grupo fosfonato à glicina. Segundo ele e outros pesquisadores, o glifosato fica adsorvido às argilas do solo e, com a aplicação de fertilizantes fosforados, é “dessorvido” (isto é, volta a solução do solo) e, em alguns casos, chega até a causar fitotoxicidade as lavouras.

É fato que o Glifosato se decompõe em outras substancias ainda mais tóxicas do que o próprio herbicida como é o caso do AMPA (ácido aminometilfosfônico) e da PMIDA (N-metilglifosato) e não importa o quanto os redatores contratados pela Monsanto se esforcem para tentar “dourar a pílula” que a verdade vai gradualmente surgindo, ainda que os recursos financeiros para estudos de toxicicidade a longo prazo e com um número de cobaias que seja maior e mais significativo, sejam bem escassos.

O site http://www.greenmedinfo.com/toxic-ingredient/aminomethylphosphonic-acid-ampa exibe dezenas de publicações científicas onde esses metabólitos estão implicados em inúmeros problemas que variam desde acúmulo em lagos até a simples e direta toxicidade ao ser humano, contrariando toda a verborragia mentirosa da Monsanto e de seus vassalos titulados.

Entretanto, a maior de todas as mentiras da Monsanto talvez seja a apresentação dessa substância como não prejudicial ao organismo humano quando se sabe que em 2010 ela requereu a patente dessa substância como antibiótico alegando o conhecido efeito de inibidor da enzima EPSPS na rota do Shikimato (6).  Como é sabido, antibióticos destroem a flora intestinal.

Além de bloquear a síntese de três aminoácidos aromáticos extremamente importantes para a nossa nutrição, isto é, tirosina, fenil-alanina e o triptofano para a síntese de hormônios vitais como a epinefrina, nor-epinefrina, dopamina, serotonina além dos hormônios tireoidianos, o Glifosato também inibe as enzimas do sistema de desintoxicação mais importante nos mamíferos que é o CYP ou Citocromo P450, além de inibir a síntese de Folato  (7).

Isso significa dizer que os resíduos de glifosato presentes nos alimentos, além de causarem todos os problemas aqui citados, também dificulta o nosso corpo ou o nosso sistema de desintoxicação a se livrar de outros contaminantes ambientais ao inibir as enzimas do sistema CYP ou Citocromo P450 e devido a isso é indiretamente também responsável pela nossa intoxicação.

Uma dupla de cientistas, Samsel & Seneff , um deles membro do prestigioso MIT (Massachussets Institute of Technology), publicaram uma série de cinco trabalhos de revisão de literatura nos quais conseguiram estabelecer relações, em alguns casos altamente significativos, entre o aumento do uso do glifosato a nível mundial e a incidência de nada mais nada menos que 28 tipos de doenças que incluem autismo, depressão, doença celíaca, intolerância ao glúten, destruição das bactérias intestinais, depressão das enzimas CYP em plantas e animais, transporte do sulfato do intestino para o fígado e pâncreas, deficiência de cobalamina (B12), anemia e carência de ferro, deficiência de molibdênio, problemas tireoidianos, doenças renais, deficiências nutricionais, câncer, Alzheimer, obesidade, diabetes, Doenças Hepáticas (esteatose), problemas digestivos, refluxo ácido, infertilidade, distúrbios sexuais, problemas na pele, escleroderma, falta de vitamina D e Folato, imobilização de minerais necessários entre outros (4, 7).

Fig 2 – Incidência de autismo em crianças de 6 anos de idade. A correlação com a quantidade de Glifosato usada em soja e milho é altamente significativa.                 .             Outras correlações como essa foram estabelecidas para um grande numero doenças ( Samsel & Seneff 2016).

Além disso, recentemente descobriu-se que as plantas transgênicas de soja que recebem dosagens amplas de glifosato tendem a acumular formaldeído (formol), um conhecido cancerígeno classe 1, enquanto que tem seus níveis de Glutationa (um dos maiores anti-oxidantes que se tem conhecimento) deprimidos, impossibilitando a planta e quem as ingere, de usufruir dos benefícios desintoxicantes dessa substância (8).

Samsel (nota do website: sugerimos a leitura da entrevista de Samsel sobre sua experiência com o glifosato) declarou, perante o Congresso dos EUA, que o Glifosato destrói a vida no seu nível mais fundamental ao promover a inclusão de um amino acido sintético (glifosato), que não existe na Natureza, em proteínas, enzimas e peptídeos (13). Essa falsa incorporação muda drasticamente a função para a qual aquela proteína ou aquela enzima estava programada e, devido a isso, uma série de eventos bioquímicos indesejáveis passam a acontecer, o que explicaria essa gama tão vasta de doenças causadas pelo glifosato.

Resumindo, o Glifosato é um bloqueador de minerais importantes para a nutrição das plantas, animais e seres humanos. Bloqueia a rota do Shikimato ao interferir na enzima EPSP Sintase, do metabolismo secundário vegetal, mas essa rota está presente em todos os organismos da microbiota animal e humana, o que torna a sua existência bastante difícil com os atuais níveis de resíduos no meio ambiente. Além do mais, também foi patenteado como antibiótico, e hoje sabemos que no solo ele tem uma tendência a destruir os organismos benéficos com Trichoderma, Pseudomonas fluorescens, etc… e favorecer os patógenos como Fusarium e Rizoctonia, além de destruir a flora intestinal de animais e humanos.

Incorporando-se indevidamente em proteínas, peptídeos e enzimas, por ser um amino ácido sintético alienígena, ele altera tanto a configuração quanto a função das mesmas, gerando toda uma série de problemas de saúde humana e animal.

Ao bloquear a rota do Shikimato, causa deficiência de amino ácidos aromáticos como a Tirosina, Fenil-alanina e Triptofano diminuindo a síntese de neurotransmissores importantíssimos como serotonina e outros, mas também reduzindo a síntese de Metionina.

Podemos esperar baixos níveis de hormônios como serotonina, testosterona e hormônios tireoidianos, disbiose intestinal, além de carências de vitamina D, B12 e folato.

É necessário que algo seja feito e muito urgente para reverter esse quadro. O glifosato já não funciona mais como antes no que se refere ao seu poder herbicida. Hoje grande parte das áreas agrícolas americanas e até mesmo no Brasil já contam com super matos resistentes ao glifosato, por isso ele já está sendo formulado com outros herbicidas ainda mais tóxicos que já estavam em desuso com Dicamba e 2,4-D, esse ultimo usado na Guerra do Vietnã como componente do “agente laranja“.

Plantas transgênicas resistentes a essas duas outras substâncias tóxicas também estão sendo criadas. Podemos esperar ainda mais contaminação e redução na qualidade nutricional dos alimentos ainda maior.

George Orwell, disse que “em tempos de desinformação universal dizer a verdade pode ser um ato revolucionário“. É o caso.

Por outro lado, Albert Einstein nos alerta para o fato de que “aqueles que tem o privilégio de saber, tem o dever de agir”. Faço minha as palavras dele e convoco a todos para lutarmos, na medida do possível, para livrar a humanidade desse pesado fardo.

Referências

  1. Collen, Alanna. (2015) 10% Human – How Your Body Microbes Hold the Key to Health and Happiness, Harper Collins Publishers, First Ed., 325 pgs.
  2. Druker, Steven M. (2015) Altered Genes, Twisted Truth: How the Venture to Genetically Engineer Our Food Has Subverted Science, Corrupted Government, and Systematically Deceived the Public, Clear River Press,
  3. Monsanto.com (2015) Mitos e Verdades sobre o Glifosato.  http://www.monsanto.com/global/br/produtos/pages/mitos-verdades-glifosato.aspx
  4. Samsel, A. & S. Seneff. (2013) Glyphosate, pathways to modern diseases II: Celiac Sprue and gluten intolerance, Interdisciplinary Toxicology, Review Article.
  5. Huber, Don.(2016) Failed Promises, Flawed Science , Acres USA Conference 2016, Omaha, Nebraska.
  6. Abraham, William. (2010) Monsanto Technology Llc. Glyphosate formulations and their use for the inhibition of 5-enolpyruvylshikimate-3-phosphate synthase, US Patent 7,771,736 B2.
  7. Samsel, A. & S. Seneff. (2013) Glyphosate’s Suppression of Cytochrome P450 Enzymes and Amino Acid Biosynthesis by the Gut Microbiome: Pathways to Modern Diseases, Entropy 2013, 15(4), 1416-1463.
  8. Ayyadurai,V.A.S & P.Deonikar. (2015Do GMOs Accumulate Formaldehyde and Disrupt Molecular Systems Equilibria? Systems Biology May Provide Answers , Agricultural Sciences, 2015, 6, 630-662 Published Online July 2015 in SciRes. http://www.scirp.org/journal/as http://dx.doi.org/10.4236/as.2015.67062
  9. Garcia, J.L.M. (2015) Alimentos Transgênicos não são iguais aos Alimentos Convencionais, Blog do I.A.B. https://institutodeagriculturabiologica.org/2015/11/17/alimentos-transgenicos-nao-sao-iguais-aos-alimentos-convencionaisos/
  10. Mesnage, R. et al. (2017) Multiomics reveal non-alcoholic fatty liver disease in rats     .           following chronic exposure to an ultra-low dose of Roundup herbicide. Rep. 7, 39328; doi: 10.1038/srep39328 (2017).
  11. Kremer, Robert. (2016) Glyphosate and Transgenic Crops, ACRES USA Conference. 2016, Omaha, Nebraska.
  12. Krüger M, Schledorn P, Schrödl W, Hoppe HW, Lutz W, et al. (2014) Detection of       .             Glyphosate Residues in Animals and Humans. J Environ Anal Toxicol 4: 210
  13. Samsel, A.(2016) Glyphosate herbicide pathway to Modern Diseases- Synthetic Amino Acid analogue of Glycine misincorporated into diverse proteins, U.S. Congressional Hearing on Glyphosate, June 14, 2016.