Ftalatos: neurotoxicidade e proteção do desenvolvimento do cérebro de crianças

https://ajph.aphapublications.org/doi/full/10.2105/AJPH.2020.306014

Abril de 2021

Stephanie M. Engel PhD, Heather B. Patisaul PhD, Charlotte Brody RN, Russ Hauser MD, ScD, MPH, Ami R. Zota ScD, MS, Deborah H. Bennet PhD, Maureen Swanson, e Robin M. Whyatt DrPH (Doctor of Public Health) 

Stephanie M. Engel trabalha no Departamento de Epidemiologia da Escola Gillings de Saúde Pública Global da Universidade da Carolina do Norte em Chapel Hill. 

Heather B. Patisaul trabalha no Departamento de Ciências Biológicas, Centro de Saúde Humana e Meio Ambiente, Universidade Estadual da Carolina do Norte, Raleigh. 

Charlotte Brody está com Healthy Babies Bright Futures, Charlottesville, VA. 

Russ Hauser trabalha no Departamento de Saúde Ambiental da Escola de Saúde Pública Harvard T. H. Chan, Boston, MA. 

Ami R. Zota trabalha no Departamento de Saúde Ambiental e Ocupacional da Escola de Saúde Pública Milken da Universidade George Washington, Washington, DC. 

Deborah H. Bennet trabalha no Departamento de Ciências da Saúde Pública da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia em Davis. 

Maureen Swanson está com o Arco dos Estados Unidos, Washington, DC. 

Robin M.Whyatt, DrPh, está no Department of Environmental Health Sciences, Mailman School of Public Health, Columbia University, New York, NY.

RESUMO

Dados robustos de estudos longitudinais de coorte de nascimentos e estudos experimentais de animais expostos perinatalmente indicam que a exposição a orto-ftalatos pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro e aumentar os riscos de aprendizagem, atenção e distúrbios comportamentais na infância. Esse crescente corpo de evidências, junto com os efeitos adversos conhecidos no desenvolvimento do trato reprodutivo masculino, exige uma ação imediata.

As exposições são onipresentes; a maioria das pessoas está exposta a vários orto-ftalatos simultaneamente. Portanto, recomendamos que uma abordagem de classe (nt.: considerar a família ‘ftalato’ e não mais cada membro individualmente) seja usada na avaliação dos impactos na saúde, como tem sido feito com outras classes de produtos químicos (nt.: entre esses estão os PCBs, as dioxinas dentre outros). Propomos reformas de políticas extremamente necessárias para eliminar os orto-ftalatos de produtos que levam à exposição de mulheres grávidas, mulheres em idade reprodutiva, bebês e crianças. Atenção específica deve ser focada na redução da exposição entre populações socialmente vulneráveis, como comunidades de cor, que freqüentemente experimentam exposições mais altas.

Os orto-ftalatos são usados ​​em uma vasta gama de produtos e, portanto, a eliminação exigirá uma abordagem regulatória multifacetada nos níveis federal e estadual. O fato de os fabricantes e varejistas já terem removido voluntariamente os orto-ftalatos de uma ampla gama de produtos, indica que esse objetivo é viável.

Como especialistas em produtos químicos tóxicos e neurodesenvolvimento membros do Projeto TENDR (Targeting Environmental Neuro-Development Risks), determinamos que a exposição a orto-ftalatos pode prejudicar o desenvolvimento do cérebro da criança e aumentar os riscos das crianças para distúrbios de aprendizagem, atenção e comportamento. Existem dados robustos de estudos longitudinais de coorte de nascimentos conduzidos na última década que mostraram associações entre exposições pré-natais a orto-ftalatos e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH), outros problemas comportamentais, desenvolvimento cognitivo adverso, incluindo QI mais baixo, pior desenvolvimento psicomotor, e comunicação social prejudicada.

Esse crescente corpo de evidências, junto com os efeitos adversos conhecidos no desenvolvimento de orto-ftalatos no trato reprodutivo masculino, exige uma ação imediata. Dado que a exposição da população em geral é onipresente e a uma mistura de vários orto-ftalatos simultaneamente, recomendamos que a avaliação do perigo use uma abordagem de classe, como foi feito para uma série de outras classes de produtos químicos. Para proteger o desenvolvimento do cérebro da criança, os orto-ftalatos precisam ser removidos dos produtos de consumo que contribuem para a exposição de mulheres grávidas, mulheres em idade reprodutiva, bebês e crianças. Resumimos as evidências epidemiológicas sobre os efeitos adversos do neurodesenvolvimento após a exposição pré-natal a orto-ftalatos, discutimos as fontes de exposição e o que se sabe sobre os mecanismos potenciais.

O QUE SÃO FTALATOS?

Orto-ftalatos são diésteres de ácido ftálico e são o tipo predominante de ftalato usado no comércio. (Para simplificar, vamos chamá-los de ftalatos.) Eles são produtos químicos de alto volume de produção, usados ​​com mais frequência como plastificante em cloreto de polivinila/PVC/Vinil/Vinyl {(nt.: -destaque dado pela tradução-) (nt.: importante JAMAIS esquecer que tendo cloro, tem contaminação, não intencional, de dioxina, componente dos ‘agentes laranja e roxo’ da guerra do Vietnã/Laos que até hoje gera crianças deformadas e com retardo mental)} e outros plásticos. Os ftalatos são usados ​​em vários produtos de consumo, incluindo materiais de produção de alimentos e embalagens; suprimentos médicos e revestimentos de medicamentos; pisos, revestimentos de parede (nt.: wallpaper=papel de parede; muitos feitos de pvc) e outros materiais domésticos; e cosméticos e outros produtos de higiene pessoal. 1 Aproximadamente 4,9 milhões de toneladas métricas são produzidas anualmente em todo o mundo (revisado em Ejaredar et al. 2). Os ftalatos de maior produção são di-2-etilhexil ftalato (DEHP), diisononil ftalato (DiNP), butilbenzil ftalato (BBzP), dibutil ftalatos (DBPs) e dietil ftalato (DEP). 3

A dieta é uma via de exposição particularmente importante para alguns ftalatos, incluindo DEHP e DiNP. 4 Foi demonstrado que os ftalatos contaminam os alimentos a partir de equipamentos plásticos, como tubos usados ​​em operações comerciais de laticínios (nt.: imagina-se toda a tubulação de pvc que existe em, praticamente, todas as residências no nosso país! Imagina-se a contaminação das cercanias das fábricas de tubos e utensílios de pvc no nosso país!), juntas de vedação, luvas de preparação de alimentos, correias transportadoras e materiais de embalagem de alimentos (nt.: aqui está se falando dos malfadados ‘filmes plásticos’, todos de pvc, usados até em produtos orgânicos, certificados (sic), em supermercados). 5 Assim, o consumo de fast food e outras fontes de refeições fora de casa, 5 bem como alimentos lipofílicos, como laticínios, 4 podem ser fontes dietéticas importantes de exposições a ftalatos.

Os produtos de construção que contêm ftalatos, como pisos de vinil/vinílicos (nt.: observem como os hospitais e outras dependências de alta circulação como hotéis, lojas e outros, como os pivos são de pvc! Dramático!) e revestimentos de parede, têm uma grande área de superfície a partir da qual os ftalatos podem migrar para o ar interno e a poeira doméstica, resultando também na exposição humana. 6 Historicamente, os ftalatos foram adicionados aos brinquedos das crianças, embora o uso de vários ftalatos em brinquedos tenha sido proibido pela Consumer Product Safety Commission (CPSC; consulte o quadro na página 689). 1,7

Os ftalatos, incluindo DEP e DBPs, são comumente usados ​​em cosméticos e outros produtos de cuidados pessoais e, às vezes, são usados ​​como excipientes em medicamentos (nt.: muitas cápsulas com todo o tipo de conteúdo, também tem em sua composição, os ftalatos) e suplementos (veja o quadro na página 689). 2 Por exemplo, DEP e DBPs são usados ​​em uma ampla variedade de produtos de cuidados pessoais, incluindo esmaltes, loções, fragrâncias e produtos para penteados. 41 Numerosos estudos encontraram correlações entre o uso de produtos de higiene pessoal e as concentrações de metabólitos de ftalato na urina. 41 No geral, as mulheres têm maior exposição aos ftalatos encontrados em produtos de cuidados pessoais do que os homens, e as mulheres negras e latinas têm maior exposição a certos ftalatos em comparação com as mulheres brancas, independentemente do nível socioeconômico. 42 Os ftalatos são facilmente transferidos da mãe para o feto durante a gravidez (nt.: esse é um dos maiores dramas da química sintética como essa, não ocorre o tanto se propalava, a barreira placentária). 2

A exposição da população dos EUA aos ftalatos mudou na última década. 7  As exposições a ftalato de di- n- butila (DnBP), BBzP e DEHP diminuíram, enquanto as exposições a ftalatos de substituição, como DiNP e ftalato de diisobutil (DiBP) aumentaram. As tendências temporais observadas são provavelmente um reflexo da atividade legislativa e esforços de defesa de organizações não governamentais, bem como mudanças por fabricantes e varejistas em resposta à preferência do consumidor (veja o quadro na página 689). 7

EVIDÊNCIA EPIDEMIOLÓGICA DE NEUROTOXICIDADE

Historicamente, a maioria das preocupações e regulamentações de saúde relativas aos ftalatos foram motivadas por fortes evidências toxicológicas mostrando efeitos antiandrogênicos adversos no desenvolvimento do trato reprodutivo masculino (nt.: esse fato é conhecido pela humanidade desde o final dos anos 80. Existem documentários como ‘Agressão ao homem‘ e centenas e mais centenas de artigos e pesquisas, todas em português, que mostram tanto a feminização de todos os machos, incluindo o homem, como a diminuição progressiva na contagem de espermatozoides, como na progressão do aparecimento de micropênis. Ninguém pode, por isso, alegar desconhecimento!1 Mais recentemente, um número crescente de estudos epidemiológicos prospectivos encontrou associações entre a exposição pré-natal a ftalatos e o neurodesenvolvimento adverso na prole (nt.: esse é o fato novíssimo! Antes se imaginava que esses disruptores endócrinos só afetavam, para sempre, o sistema reprodutivo, de preferência, dos machos, agora eles afetam a todos, machos e fêmeas, no desenvolvimento de seus cérebros no processo de gestação). 43 Uma recente revisão sistemática dos dados humanos concluiu que a exposição pré-natal a DEHP, DBPs, DEP e BBzP tem um impacto adverso no desenvolvimento cognitivo e psicomotor, internalizando e externalizando comportamentos, atenção, brincadeiras relacionadas ao gênero, capacidade de resposta social e visual habilidades espaciais de crianças. 43 Em 2019, havia mais de 30 estudos publicados que mediram a exposição pré-natal a ftalatos usando biomarcadores de exposição validados 43-49 ou estimativas ambientais de exposição pré-natal 50,51 em coortes longitudinais reunidas em 11 países ou territórios diferentes ao redor do mundo. As crianças foram acompanhadas quanto a comportamento neonatal alterado ou memória de reconhecimento visual infantil, desenvolvimento cognitivo, comportamento, função executiva, comportamento social recíproco, comportamentos lúdicos relacionados ao gênero e quanto a sintomas ou diagnóstico clínico de deficiências de desenvolvimento, incluindo autismo e TDAH. Exemplos das principais descobertas desta extensa base de literatura são discutidos nos parágrafos seguintes.

O padrão mais consistente em vários estudos é a associação com comportamentos comumente associados ao TDAH (incluindo hiperatividade, agressão / desafio e reatividade emocional), 43 déficits na função executiva 52,53 ou diagnóstico clínico de TDAH. 54 Por exemplo, um estudo de 2018 aninhado na coorte de mães e filhos norueguesa alavancou uma ligação entre esta coorte e o Registro Nacional de Pacientes da Noruega, que coleta todos os diagnósticos ambulatoriais de clínicas especializadas. Engel et al. mediram ftalatos urinários no segundo trimestre e descobriram que filhos de mães que caíram no quintil mais alto de exposição pré-natal aos metabólitos de DEHP tinham quase 3 vezes mais chances de serem diagnosticados com TDAH do que aqueles com mães no quintil mais baixo (razão de chances [OR] = 2,99; intervalo de confiança de 95% [IC] = 1,47, 5,49). 54

Ftalatos, particularmente metabólitos de DBP e DEHP, também foram associados a mais comportamentos problemáticos, conforme estimado por escalas de avaliação comportamental baseadas em inventário validado nessas populações em grande parte subclínicas. Por exemplo, Lien et al. relataram que as concentrações urinárias de DnBP e metabólitos de DEHP no terceiro trimestre foram associadas a mais problemas de externalização, comportamentos mais delinquentes e comportamentos mais agressivos, conforme medido pelo Child Behavior Checklist, em uma população de crianças de 8 anos de idade em Taiwan. 55 Também usando o Child Behavior Checklist e aproveitando uma coorte multicêntrica de gravidez com base nos EUA matriculada na Califórnia, Minnesota, Missouri e Iowa, Kobrosly et al. relataram que os metabólitos DiBP urinários do terceiro trimestre foram associados a mais desatenção, comportamento de quebra de regras, agressão e problemas de conduta. 56 Os metabólitos DEHP e BBzP também foram associados a comportamento alterado que, em alguns casos, era específico do sexo. Outro estudo recente encontrou uma associação entre a exposição pré-natal à soma de ftalatos de baixo peso molecular (que inclui metabólitos de DBPs e DEP) e hiperatividade, problemas de atenção e ansiedade aos 16 anos. 49

Além disso, os ftalatos têm sido associados a funções executivas infantis alteradas usando avaliações baseadas em avaliadores e baseadas no desempenho. As funções executivas são processos cognitivos de ordem superior que suportam comportamentos direcionados a objetivos e são tipicamente prejudicados em crianças com TDAH. Factor-Litvak et al. relataram que os metabólitos da DBP pré-natal foram associados a uma memória de trabalho mais fraca em uma coorte de nascimentos matriculada na cidade de Nova York e administraram a Escala de Inteligência Wechsler para Crianças IV aos 7 anos de idade. 53 Engel et al. relataram que os metabólitos pré-natais de DBP foram associados a uma memória de trabalho mais fraca no Inventário de Avaliação de Comportamento de Funções Executivas. 52 Factor-Litvak et al. também descobriram que os metabólitos pré-natais de DBPs foram associados a uma redução linear significativa no QI da criança. No geral, o QI da criança foi 7 pontos menor no quartil mais alto versus o quartil mais baixo de exposição ao ftalato DBP. Os metabólitos desse ftalato também foram associados a decréscimos específicos do índice na velocidade de processamento, raciocínio perceptivo e compreensão verbal. 53 As concentrações urinárias maternas de metabólitos do BBzP também foram associadas a reduções no raciocínio perceptivo da criança. 53

É importante notar que a literatura não é totalmente consistente, principalmente entre os estudos que enfocam o desenvolvimento cognitivo durante a primeira infância. Entre esses estudos, muitas vezes há uma falta de sobreposição nos metabólitos específicos implicados, o gênero mais afetado ou a direção da relação. Mesmo entre os estudos de neurocomportamento, nem todos encontraram associações 48,49,57,58 e alguns encontraram associações principalmente com domínios internalizantes. 59,60 Algumas dessas diferenças podem ser atribuídas em parte às diferenças aos planos de execução do estudo, incluindo a idade da criança no teste, a idade gestacional na coleta da amostra de urina e os instrumentos usados ​​para avaliarem as medidas de resultados do neurodesenvolvimento. Além disso, os primeiros estudos de ftalatos e neurocomportamento somaram os metabólitos do ftalato em agrupamentos de baixo e alto peso molecular, o que torna difícil comparar os resultados com aqueles que relatam descobertas sobre ftalatos individuais, particularmente à luz das mudanças temporais da contribuição de ftalatos específicos à mistura de exposição geral.

Apesar dessas diferenças, o peso da evidência apóia fortemente uma relação entre certos ftalatos e o desenvolvimento neurocomportamental alterado. Esta interpretação é adicionalmente apoiada pelo Painel Consultivo de Risco Crônico para o CPSC, que concluiu que os piores resultados dos testes de neurodesenvolvimento estão geralmente associados a maiores concentrações urinárias maternas pré-natais de metabólitos de DEHP, DBPs e DEP, e que a exposição humana a esses ftalatos deve ser reduzido. 1 Consistente com a revisão sistemática de Zhang et al., 43 uma revisão de 2015 também concluiu que as exposições pré-natais a DEP, BBzP, DEHP e DBPs foram associadas a resultados cognitivos e comportamentais adversos em crianças, incluindo QI mais baixo e problemas de atenção, hiperatividade e comunicação social mais pobre. 2

EVIDÊNCIA EXPERIMENTAL DE NEUROTOXICIDADE

Os estudos de exposição gestacional e precoce em modelos animais, que se concentraram principalmente no DEHP, são geralmente consistentes com as observações de estudos epidemiológicos. Os efeitos observados de forma mais consistente incluem hiperatividade, ansiedade e comportamentos depressivos e deficiências cognitivas, incluindo impactos na aprendizagem e na memória. 61 A interrupção da organização e função do eixo hipotálamo-hipófise-gonadal por ftalatos que inibem a produção de testosterona fetal também é freqüentemente relatada. 61 Um estudo particularmente atraente mostrou que ratos perinatais (antes e depois do nascimento) expostos a uma mistura de ftalato relevante para humanos exibiram menor flexibilidade cognitiva em uma tarefa de mudança de cenário, um resultado que se correlacionou com menos sinapses no córtex pré-frontal.62 As janelas sensíveis de exposição abrangem a vida pré e pós-natal até a adolescência 63 incluindo a puberdade 64-66 e possivelmente a idade adulta, 67-70 , oque não é surpreendente, dado que estruturas complexas, incluindo o córtex pré-frontal, hipocampo e cerebelo sofrem um desenvolvimento significativo até o início da idade adulta.

Consistente com os achados epidemiológicos, os resultados dos animais são freqüentemente específicos do sexo. Sabe-se que muitos ftalatos são antiandrogênicos 1, embora efeitos antiestrogênicos também tenham sido relatados in vitro. 71 Foi levantada a hipótese de que o efeito diferencial dos ftalatos no resultado neurocomportamental por sexo visto em muitos estudos pode resultar da interrupção da produção de testosterona fetal (nt.: informação chave no conhecimento histórico, desde final dos anos 80, sobre a feminização dos machos que nasceriam com vestígios de estruturas fetais do sexo feminino). De maneira crítica, ao contrário dos roedores nos quais a testosterona é aromatizada em estrogênio no cérebro em desenvolvimento e então age por meio de receptores de estrogênio para masculinizar o cérebro masculino, em humanos geneticamente masculinos a testosterona atua principalmente por meio do receptor de androgênio. 70 Assim, embora o fenômeno dos efeitos específicos do sexo possa ser conservado entre as espécies, os efeitos específicos dentro do sexo podem variar com base nas diferenças taxonômicas na função do hormônio esteróide. Os ftalatos também podem modular a atividade da aromatase no cérebro em desenvolvimento, o que pode interferir na síntese de estrogênio. 72,73 Isso é preocupante porque o estrogênio desempenha um papel crítico na plasticidade cerebral e em outros refinamentos do desenvolvimento, 74 e também há evidências crescentes de que a síntese de estrogênio pode ser extragonadal, inclusive no cérebro. 75

O hipocampo e, conseqüentemente, aspectos de plasticidade neural, flexibilidade cognitiva, comportamento semelhante à ansiedade, aprendizagem e memória são considerados particularmente vulneráveis ​​aos ftalatos. Por exemplo, camundongos machos expostos pré-natal ao DEHP apresentaram evidências de estresse oxidativo, perda neuronal e neuroinflamação no hipocampo quando adultos, juntamente com comportamento de ansiedade elevada e memória de reconhecimento prejudicada. 76,77 Da mesma forma, ratos machos expostos perinatalmente ao DEHP tinham complexidade dendrítica prejudicada no hipocampo, particularmente em neurônios piramidais CA1. 78

Uma revisão recente da literatura sobre ftalatos discutiu vários mecanismos potenciais adicionais para explicar a literatura epidemiológica e de toxicidade animal. 3 A interrupção das vias do hormônio da tireoide é um mecanismo potencial de interesse, visto que esse hormônio, tiroxina, é essencial para o desenvolvimento do cérebro. Também há evidências de homeostase iônica alterada, incluindo sinalização de cálcio, ativação de receptores ativados por proliferadores de peroxissoma e metabolismo lipídico, particularmente no hipocampo.

Em resumo, vários estudos longitudinais de exposição humana ao ftalato pré-natal encontraram evidências de alterações no desenvolvimento neurocomportamental. Esses achados são preocupantes, especialmente à luz das evidências de apoio de estudos experimentais e uma compreensão crescente dos mecanismos pelos quais os ftalatos podem afetar adversamente o desenvolvimento do cérebro fetal. Dada a ampla exposição a ftalatos, inclusive entre mulheres e crianças, e as limitadas regulamentações existentes nos EUA, nenhuma das quais se concentra em mulheres grávidas, são necessárias ações regulatórias de proteção à saúde para eliminar essas exposições potencialmente prejudiciais.

RECOMENDAÇÕES PARA REFORMAS DE POLÍTICAS SENSÍVEIS

Evidências crescentes sobre os impactos dos ftalatos no desenvolvimento do cérebro das crianças obriga a ações significativas para eliminar a exposição de mulheres em idade reprodutiva, mulheres grávidas, bebês e crianças. Conforme discutido, a exposição humana aos ftalatos varia de alimentos a materiais de construção até produtos médicos, farmacêuticos, cosméticos e outros produtos de cuidados pessoais. Portanto, a redução da exposição humana requer uma abordagem multifacetada por meio de regulamentações nos níveis federal e estadual, bem como por meio de ações voluntárias por parte de varejistas e fabricantes.

Até o momento, a regulamentação federal de ftalatos nos Estados Unidos tem sido mínima, com várias exceções, incluindo restrições a 8 ftalatos em brinquedos e artigos de puericultura (veja o quadro na página 689). Instamos fortemente as agências federais e estaduais a agirem rapidamente para eliminarem o uso de ftalato. Atenção específica deve ser focada na redução da exposição entre as populações socialmente vulneráveis, como comunidades de cor, que freqüentemente experimentam exposições mais altas. 42  Os estados não devem esperar a ação do governo federal, pois a ação estadual pode galvanizar a regulamentação federal. É encorajador que a ação voluntária por parte de fabricantes, varejistas e organizações de saúde tenha removido ftalatos de uma ampla gama de produtos (veja o quadro na página 689). A pressão do consumidor é crítica para motivar outros fabricantes e varejistas a agirem, bem como para estimular a regulamentação federal e estadual.

Recomendamos que a avaliação dos perigos dos ftalatos use uma abordagem de classe (nt.: também podemos utilizar a expressão família para englobar vários compostos que tenham estruturas químicas de mesma origem), como foi feito para outras classes de produtos químicos (por exemplo, agrotóxicos organofosforados, compostos semelhantes à dioxina) e como foi recentemente recomendado por um relatório da Academia Nacional de Ciências sobre retardadores de chama de organohalogênio (nt.: importante informação porque ao se mencionar a questão da tiroxina, hormônio da tireoide que atua no desenvolvimento cerebral dos embriões/fetos, esses elementos da mesma família da tabela piródica, os halogênios -cloro, bromo e flúor- que constituem entre os outros os retadadores de chama, mostram ter a capacidade de deslocar o iodo, também halogênio, e assim não há a formação da tiroxina, levando ao retardo mental dos não-nascidos). 79,80 Esta abordagem é apropriada, dado que a exposição da população em geral é a misturas de ftalatos, juntamente com o fato de que os ftalatos têm semelhanças nas estruturas químicas, metabolismo e atividade biológica, incluindo a interrupção de múltiplos sistemas endócrinos, e têm resultados de saúde comuns, incluindo efeitos adversos no neurodesenvolvimento infantil e no desenvolvimento do trato reprodutivo masculino, bem como outros efeitos adversos.

A seguir estão 5 recomendações críticas:

  • para reduzir a exposição à dieta;
  • para reduzir a exposição a suprimentos médicos e medicamentos;
  • para reduzir a exposição a produtos de higiene pessoal e outros produtos domésticos;
  • para reduzir a exposição a uma ampla gama de outros produtos, incluindo materiais de construção; e
  • para reduzir a exposição a substituições lamentáveis.

Dietético

A Food and Drug Administration (FDA) dos EUA deve remover de seus regulamentos existentes as aprovações de todos os 28 ftalatos para uso em embalagens de alimentos e outros materiais que entram em contato com os alimentos. Não há mais base para a agência concluir que há “certeza razoável de nenhum dano” desses usos, que é o padrão legal para a segurança de materiais em contato com alimentos sob a Lei Federal de Alimentos, Medicamentos e Cosméticos (ver 21 CFR [atualizado em 19 de setembro de 2019]), que rege as ações da FDA. Todos os ftalatos que foram associados ao neurodesenvolvimento infantil adverso, discutidos anteriormente, são atualmente aprovados pela agência para uso em contato com alimentos.

Até que a agência tome medidas para proteger o suprimento de alimentos dos ftalatos, a indústria de alimentos, incluindo produtores, processadores, varejistas e cadeias de restaurantes, deve investigar, identificar e remover fontes de ftalatos de seus produtos alimentícios.

Suprimentos médicos e medicamentos

O uso de ftalatos em medicamentos e dispositivos médicos também está sob a jurisdição da FDA. Embora ela tenha publicado diretrizes para abordar muitas dessas fontes (consulte o quadro na página 689), a agência deve promulgar regulamentações para eliminar seus usos.

Cuidados pessoais e outros produtos domésticos

A autoridade para regular os ftalatos em cosméticos (que são amplamente definidos para incluir muitos produtos de cuidados pessoais) também está sob a jurisdição da mesma FDA. No entanto, a autoridade da agência é muito menos abrangente e protetora da saúde do que sua autoridade para garantir a segurança de alimentos ou medicamentos. Isso precisa ser corrigido por ação do Congresso.

A CPSC/Consumer Product Safety Commission tem autoridade para garantir a segurança dos produtos de consumo e deve ser elogiada por eliminar uma série de ftalatos dos brinquedos das crianças. No entanto, a agência também deve tomar medidas para proibir a venda de outros produtos que contenham ftalato que estejam sob sua jurisdição.

Além da ação federal, a eliminação de ftalatos de produtos de higiene pessoal e domésticos exige ação por parte dos estados, fabricantes e varejistas.

Produtos de higiene pessoal e domésticos devem ser rotulados se contiverem ftalatos, para que os consumidores possam tomar decisões informadas para evitar essas substâncias, se desejado.

Materiais de construção e outros produtos

A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA/Environmental Protection Agency) deve usar sua autoridade de acordo com a Lei de Controle de Substâncias Tóxicas (TSCA; 15 USC Ch 53 [2016]) para regular os ftalatos. A EPA embarcou recentemente em um processo plurianual para avaliar o risco de vários ftalatos sob o TSCA. A agência deve ampliar esse esforço usando uma abordagem de classe na avaliação dos impactos na saúde. Além disso, ela deve exercer agressivamente sua autoridade para regulamentar a fabricação, importação, processamento, distribuição no comércio, descarte e usos conhecidos e razoavelmente previsíveis de ftalatos.

Substituição Lamentável

A avaliação para identificar alternativas mais seguras aos ftalatos deve considerar os efeitos adversos à saúde humana e ao meio ambiente, bem como os impactos sociais junto com o desempenho e os custos. 80 Isso é crítico (nt.: nunca esquecer a indústria substituiu, depois de ampla ação da sociedade e dos congressos, o BPA/Bisfenol A por outro mais perigoso, o BPS/Bisfenol S. Infelizmente as indústrias não têm demonstrado a devida ética que se sobreponha aos lucors na defesa da vida de todos os seres vivos) dado o potencial de substituição lamentável e a disponibilidade de alternativas de menor risco (veja o quadro na página 689 para recursos sobre abordagens para selecionar alternativas mais seguras). Nenhum ftalato deve ser usado como substituto de outro ftalato, como já foi feito com DiNP para DEHP. Além disso, os plásticos de PVC devem ser substituídos por materiais mais seguros que não requerem (nt.: destaque dado pela tradução por estar, há mais de 30 anos, sempre alertando a sociedade para o perigo dessa ressina. Além dos plastificantes, seu monômero – MVC- também é considerado possivelmente carcinogênico para seres humanos). A substituição de ftalatos por alternativas mais seguras é crítica, dado o risco que esses produtos químicos representam para o desenvolvimento do cérebro da criança.

CONCLUSÃO

Evidências substanciais relacionam a exposição a ftalatos com maiores riscos para problemas de aprendizagem, atenção e comportamento da criança. Portanto, recomendamos que os ftalatos sejam eliminados dos produtos que podem levar à exposição de mulheres em idade reprodutiva, mulheres grávidas, bebês e crianças. Conforme discutido, isso exigirá uma abordagem multifacetada por meio de regulamentações nos níveis federal e estadual, bem como por meio de ações voluntárias por parte de varejistas e fabricantes. No entanto, dado que os fabricantes já removeram com sucesso os ftalatos de uma ampla gama de produtos, incluindo alimentos, medicamentos e suprimentos médicos, produtos de higiene pessoal e outros materiais domésticos e de construção (veja o quadro na página 689), acreditamos que o objetivo da eliminação do ftalato, é algo alcançável.

AGRADECIMENTOS

Reconhecemos que os autores deste artigo receberam financiamento das seguintes entidades: Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental: P30ES010126 (S. M. E.), R01ES021777 (S. M. E.), P30ES023513 (D. H. B.), P30ES025128 (H. P.) e R01ES009718 (R. H.); o Fundo John Merck (C. B., M. S.); a Passport Foundation, Ceres Trust e Pediatric Epilepsy Research Foundation (M. S.); a Fundação de Caridade Clarence E. Heller (C. B.); a Fundação Marisla; e a Fundação Forsythia (A. Z.).

CONFLITOS DE INTERESSE

Os autores informam que não há conflitos de interesse.

PROTEÇÃO DO PARTICIPANTE HUMANO

Este é um artigo de revisão e, portanto, não foi necessária a revisão do conselho institucional.

REFERÊNCIAS

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Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, março de 2021.