“Uma aventura de superação”. É assim que Frei Luiz Carlos Susin descreve o 13º Fórum Social Mundial e o Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que foram realizados na Tunísia na última semana de março. Em entrevista concedida à IHU On-Line por e-mail, após retornar do país que originou a Primavera Árabe, ele diz que “Túnis foi uma lição para o Fórum Social Mundial”.
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Confira a entrevista.
Dignidade, a palavra-chave do encontro, inspirada nas manifestações da Primavera Árabe, foi “uma direção para o lema do Fórum – ‘Outro mundo é possível’ –, pois se trata de um mundo onde reine a dignidade: das mulheres, das minorias, no exercício da política, no respeito à diversidade etc. É algo muito inspirador, e que tem uma grande tradição na história do reconhecimento do que seja realmente humano”, assinala. De acordo com Susin, discussões recorrentes do Fórum Social Mundial, como a relação dos movimentos sociais e as políticas de governo, ganharam um novo contexto: “Quando os movimentos conseguem uma mudança de governo em direção a uma maior democracia, devem participar dele para que se mantenha e se consolide? Ou deve ficar em posição livre e crítica para que o governo tenha uma interlocução válida?”, exemplifica.
A 13º edição do Fórum Social Mundial ensinou que o “fórum deve fazer parceria com regiões e países que estejam em ebulição, onde a energia de uma base popular e de movimentos sociais esteja posta na busca de transformação”, acrescenta.
Luiz Carlos Susin (foto abaixo) é frei capuchinho, mestre e doutor em Teologia pela Pontifícia Universidade Gregoriana de Roma. Leciona na PUCRS e na Escola Superior de Teologia e Espiritualidade Franciscana – Estef, em Porto Alegre. É autor de inúmeras obras, dentre as quais citamos Teologia para outro mundo possível (Paulinas, 2006).
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais são suas impressões do Fórum Social Mundial que aconteceu na Tunísia? Qual a importância de o Fórum ter acontecido naquela região africana?
Luiz Carlos Susin – A realização desta edição do Fórum Social Mundial em Túnis, capital do país que deu origem ao movimento de democratização chamado Primavera Árabe, foi uma aventura de superação. Havia, algum mês antes, com as manifestações após o assassinato do principal opositor do atual governo, o temor de que algo imponderável pudesse acontecer. E isso foi amplamente desmentido pelo clima de segurança e tranquilidade. Mas o que realmente possibilitou o Fórum se superar foi o clima favorável de muito debate, muita participação universitária, jovens e mulheres muito presentes e cheios de energia e empatia. Túnis foi uma lição para o Fórum Social Mundial.
IHU On-Line – Qual a diferença entre o 13º Fórum Social Mundial e do Fórum Mundial de Teologia e Libertação realizado na Tunísia em relação à edição que aconteceu em Dakar?
Luiz Carlos Susin – Em Dakar tivemos uma boa recepção do governo da cidade, mas na última hora o governo do país retirou o apoio ao não disponibilizar a universidade como espaço de realização e instalou um caos logístico. E os universitários tiveram que prestar exames justamente na semana do Fórum! Foi uma perda muito grande. Mesmo assim a criatividade dos movimentos locais foi grande e se conseguiu o essencial pretendido. Já em Túnis houve um apoio maciço, uma participação de jovens universitários, de movimentos da região árabe, de mulheres com participação intensa. A marcha inaugural beirou cem mil participantes.
Quanto ao Fórum Mundial de Teologia e Libertação, que veio acontecendo sempre junto do Fórum Social Mundial, ganhou uma estruturação diferente: tornou-se uma delegação. É que as avaliações anteriores mostravam que havia certo paralelismo, e era necessário entrosar de forma mais completa o Fórum de Teologia ao Fórum Social, pois o que sempre se pretendeu foi buscar no ambiente do Fórum um contexto de inspiração teológica assim como colaborar com ele oferecendo a reflexão teológica. Então dessa vez radicalizamos: reunimo-nos um dia antes para uma preparação presencial, depois de um processo de preparação por internet, e nesse dia traçamos nossas estratégias de participação. Dentro do Fórum Social oferecemos oficinas e participamos como membros de mesa em oficinas (workshops) de outros, alguns em parceria. Além disso, conforme os eixos de reflexão que temos, buscamos e aproveitamos outras atividades que foram oferecidas. Cada final de dia fazíamos reunião de avaliação com perspectivas para nosso trabalho. Realizamos uma avaliação global ao encerrar, traçando os passos seguintes, sobretudo de produção teológica.
IHU On-Line – Qual foi a especificidade do 13º Fórum Social Mundial realizado na Tunísia? Entre os temas, discutiu-se a questão da dignidade humana, a soberania dos povos e o futuro dos movimentos sociais. Como esses temas foram relacionados?
Luiz Carlos Susin – A palavra-chave que se incrustou no Fórum, vinda justamente da revolução começada na Tunísia dois anos antes, foi a palavra “dignidade”. Ela estava inscrita por toda parte. De certa forma é uma direção para o lema do Fórum – “Outro mundo é possível” –, pois se trata de um mundo onde reine a dignidade: das mulheres, das minorias, no exercício da política, no respeito à diversidade etc. É algo muito inspirador, e que tem uma grande tradição na história do reconhecimento do que seja realmente humano. Há discussões que são recorrentes, mas que ganharam novo contexto, como, por exemplo, a relação entre movimentos sociais e políticas de governo. Quando os movimentos conseguem uma mudança de governo em direção a uma maior democracia, devem participar dele para que se mantenha e se consolide? Ou deve ficar em posição livre e crítica para que o governo tenha uma interlocução válida? Há boas razões para ambas as tendências.
IHU On-Line – Que avaliação faz da trajetória do Fórum Social Mundial, especialmente em relação aos temas abordados ao longo desses 13 anos? Em que medida os temas que estavam na base do seu surgimento há 13 anos continuam atuais e que novas problemáticas foram assumidas?
Luiz Carlos Susin – Desde a sua origem, o Fórum Social Mundial vem debatendo recorrentemente certos assuntos básicos. Digamos que, de forma negativa, sobre o que não serve e o que deve ser denunciado, é de fácil consenso. A carta final deste Fórum mostra mais uma vez isso. Mas juntar as experiências e propor um caminho alternativo é algo ainda penoso, e quando se tenta é fácil cair no idealismo. Mas se há algo em que o Fórum vem ganhando, este é a socialização para grupos sempre novos, para mais gente em diferentes lugares. Dessa vez, por exemplo, a conexão entre o Fórum e a região árabe fortalece e aumenta a “ideologia” – no melhor sentido – do Fórum, criando um horizonte mais claro para as ações políticas necessárias.
IHU On-Line – O Fórum Social Mundial ainda continua sendo um ator importante para pensar um outro mundo possível?
Luiz Carlos Susin – Creio que não temos outro ator que ajude a pensar tanto e a recolher experiências populares, de movimentos com energia de transformação. Os governos ou a ONU não conseguem ocupar este espaço. O Fórum Social Mundial é o que temos de melhor num mundo pluralista com necessidade de real democracia e internacionalidade.
IHU On-Line – Como o Fórum dialogou com a Primavera Árabe?
Luiz Carlos Susin – Por um lado, os movimentos árabes que se comprometeram com o Fórum quiseram a sua realização na região porque isso ajudaria a levar adiante a consolidação das democracias. E só assuntos que mais polarizaram o Fórum foram os que interessam de forma candente a região árabe, desde o Saara Ocidental até a Palestina e a Síria. Mas o que acredito que teve maior efeito imediato foi o espírito cheio de energia e debate da primavera árabe, que deu novo impulso ao Fórum. De certa forma, quem ganhou mais talvez tenha sido o Fórum mesmo.
IHU On-Line – Qual é a mensagem da carta de encerramento do Fórum Social Mundial deste ano?
Luiz Carlos Susin – A carta, como já mencionei, é muito clara em denunciar o que não pode mais seguir sendo modelo de política, de organização das sociedades, de convivência e de dignidade. Mas tem dificuldade em mencionar um caminho onde se somam as experiências e se deem saltos de qualidade. Talvez isso seja inerente à história: os saltos têm algo de imponderável, embora normalmente aconteçam em ambiente sob muita pressão. O mais importante da carta é a renovação de compromisso em seguir o caminho de criação de consensos pela soma de experiências.
IHU On-Line – Quais são as perspectivas para a continuidade do Fórum?
Luiz Carlos Susin – Esta edição de Túnis ensinou que o FSM deve fazer parceria com regiões e países que estejam em ebulição, onde a energia de uma base popular e de movimentos sociais esteja posta na busca de transformação. O que aconteceu em Túnis foi uma “sinergia”, uma soma de energias, a regional e a do Fórum. Assim, muitos compreenderam que no futuro deve-se buscar este clima. Não falta quem esteja convicto que seria importante consolidar o caminho que a América Latina veio tomando. Mas hoje se pode constatar uma movimentação planetária. Poderia ser até a Europa, na Grécia, por exemplo. É importante que o Fórum continue a atrair debates de alto nível e que tematize numa perspectiva de política viável as experiências que ele vai somando. Para o futuro do próprio Fórum, será necessário buscar alguma estratégia de maior difusão. A mídia geral continua não dando importância ao Fórum, o que é muito sintomático. E sem notícia, sem comunicação, perde-se muito. Será necessário trabalhar mais com mídias de todo tipo.
IHU On-Line – Quais foram os temas teológicos mais candentes que emergiram do Fórum Mundial de Teologia e Libertação? Quais as tendências teológicas apresentadas?
Luiz Carlos Susin – Nós fomos estreitando os eixos de oito para três áreas que interessavam mais no ambiente da primavera árabe: 1) a relação entre religião e política democrática; 2) a relação entre gênero, democracia e religião; e 3) a construção de processos de paz no mundo pluralista contemporâneo.
IHU On-Line – Como o Fórum Mundial de Teologia e Libertação contribui para as questões discutidas no Fórum Social Mundial? Qual a relevância de um debate teológico com o Fórum Social Mundial? Quais foram as grandes questões que o Fórum Social Mundial apresentou para a teologia?
Luiz Carlos Susin – Em Túnis, dadas as circunstâncias da Primavera Árabe e da revolução da dignidade, o próprio Fórum Social Mundial abrigou muitos debates sobre a relação entre religião e política democrática. E quando se fala de democracia, faz-se necessário falar de reconhecimento, respeito, liberdade, inclusive de consciência e de religião. Por outro lado, é impossível pensar uma boa democracia sem amplos consensos, sem somar energias. Portanto, do ponto de vista da religião, tivemos diálogos entre muçulmanos e cristãos em torno de assuntos como a igualdade de gênero, a liberdade de consciência, a relação com a tradição religiosa, o diálogo de religiões. No espaço do Fórum Social Mundial tivemos experiência de rezar, cantar e dançar juntos, gente de diferentes tradições religiosas. Isso é também uma mútua contribuição!