Entrevista com Dominique Loreau: “A ecologia é um falso problema”.

A ecologia interior marca a obra de Dominique Loreau. E o seu livro-chave, A Arte da Simplicidade, considerado pela mídia francesa como “um guia Zen”, dá o tom: o bom senso ao cotidiano. Segundo a autora, um antídoto à crise ecológica…

 

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20/12/2011

 

por Sandrine Lage*, especial para Envolverde

 

e19 Entrevista com Dominique Loreau: A ecologia é um falso problema

 

Trocou a França pelo Japão nos anos 1970. Mas viver no seio da confusão, entre citadinos japoneses, estressados e cansados, constantemente à procura dos seus pertences, a viver em divisões completamente atoladas, sempre deixou Dominique Loreau perplexa. “Esvaziar o guarda-roupa e a casa foi o que fiz há vinte anos. Para mim está completamente ultrapassado. O meu livro (A Arte da Simplicidade) é, aliás, uma síntese das notas que tirei nessa época. Hoje em dia, o que esvazio esencialmente é o meu horário. Empenho-me para ter o máximo de tempo e disponibilidade possíveis. E, confesso, passo muito tempo em casa, em silêncio.”

Defensora de que a abundância de tentações, de desejos e de bens materiais corresponde à antítese da graça e da elegância, a autora sublinha práticas bem concretas no seu livro: como dizer não a uma casa cheia; o que eliminar, o que guardar; como apostar num guarda-roupa com estilo e simplicidade… Longe de se limitar a apontar os excessos do materialismo, destaca essencialmente as vantagens do minimalismo: como aproveitar melhor o tempo, por exemplo, ou como colocar o dinheiro a desempenhar um papel de servidor na nossa vida e não de dono.

Recorrendo à fonte do budismo zen, a sua obra propõe ao leitor simplificar a sua vida para a enriquecer. “Quando possuímos pouco, que nos contentamos com pouco, estamos mais disponíveis para captar as necessidades reais e regressar ao essencial.” Não apenas Loreau coloca em causa a sociedade de consumo em geral, como os comportamentos, a forma de apreender a existência do mundo ocidental. E revela-nos, passo a passo, como caminhar para uma ecologia interior.

GPS de bom senso

“Se nos dias que correm, o conceito da simplicidade está presente na mídia, na época em que o livro foi publicado ainda não era um tema recorrente na Europa”, explica Dominique. O sucesso da sua obra, atribui o timing certo e ao fator “sorte”. Na verdade, a ótima reação de editores e leitores “impôs” que outras lhe sucedessem. A Arte do Essencial (2008), A Arte das Listas (2007), Meu Kakebo 2012 – Agenda de Contas para Cuidar Cuidadosamente do seu Orçamento (2011), entre outros, são hinos à vivência com bom senso.

Ao longo das páginas escritas por esta francesa, rendida ao Japão, está onipresente a partilha de práticas que promovem um impacto significativamente menos negativo em nível ambiental e que agrega uma franca melhoria de qualidade de vida (a quem as interiorizar). “A simplicidade é apenas o primeiro passo em direção a uma maior autonomia, uma maior liberdade face aos outros, mas, sobretudo face a nós mesmos.” Adepta de viver com o essencial, considera tratar-se de uma escolha evidente. E acredita ser este o passaporte para a liberdade.

A arte das listas

A ecologia, declara, “é um falso problema”. Como defende, a questão não se colocaria se todos interiorizássemos alguns hábitos ao nosso cotidiano. Uma posição que traduz um conceito indissociável da sua obra. A Arte da Simplicidade, por exemplo, “surge em sequência da confissão de um elevado número de leitores”, diz: o desejo de simplificar a vida versus o confronto com a enorme dificuldade em jogar fora (as coisas). “Cada livro é uma espécie de resposta desenvolvida para os leitores”, relembra. É neste contexto que a francesa decide aprofundar o tema, assim como aperfeiçoar a elaboração de listas: “Para levar uma vida com simplicidade, é fundamental refletir primeiro, fazer escolhas – e quem fala em fazer escolhas, fala em abandonar algo após ter comparado. E por acaso existe algo de mais prático e eficaz do que as listas para comparar?”. Segundo Dominique, “viver de forma simples e possuir muito pouco representa um ideal. Como ser muito rico, muito famoso ou muito bonito”. Paradoxalmente, confessa: “não existe um ideal (outro que viver com o essencial) mais fácil e, em simultâneo, mais difícil de atingir”.

Ricas e divorciados

“Mulheres extremamente ricas e infelizes” e “homens maduros em fase de divórcio”: eis os leitores que mais tocaram Dominique. “Essas mulheres acreditavam que libertar-se das suas possessões as ajudaria. Quanto aos homens que viveram uma separação, muitos disseram expressar um sentimento de alívio ao ler A Arte da Simplicidade.” Independentemente das características de cada um, ser solteiro, casado ou pai/mãe, “trata-se tão simplesmente de aprender a viver com bom senso. Haveria certamente um desperdício significativamente menor no nosso modo de consumo se, por exemplo, consumíssemos menos produtos industrializados e comprássemos os nossos produtos no mercado em vez de no ‘super/hipermercado’, se recorrêssemos de forma menos intensiva à tecnologia, às máquinas, aos aparelhos eléctricos – como uma máquina de lavar louças, um micro-ondas ou um abridor de latas elétrico”, diz. Parece óbvio, mas aplicá-lo à rotina do nosso cotidiano é outra história.

Entre o budismo e o cristianismo

A história que conta Dominique é a sua. Antes de tornar-se autora, não se cansou de viajar. Na época, vivia um dia de cada vez. Sempre recusou pertencer a uma coletividade em particular, quer se tratasse de uma empresa, de uma religião ou de um grupo político. Residiu em países tão distintos quanto a França e o Japão (entre outros) e sublinha o que mais os separa: a distância religiosa. “Uma é judaico-cristã, a outra budista. Uma é fundada sobre a ideia de pecado e o julgamento dos seus erros num mundo imaginário (o paraíso ou o inferno), com um Deus empírico. A outra sobre a esperança de encontrar a perfeita serenidade neste mundo, ao viver tão honestamente quanto possível.” Um pouco como a próxima história que nos reserva Dominique: “está ligada à aceitação do mundo, com a sua parte de magia, de mistério e tudo que nos sujeita”. Neste caso, por intermédio da chuva (Amar a Chuva, Amar a Vida, Edições J’ai lu, 2011, França). “Não procuro explicá-la. Contento-me em encará-la como metáfora da vida, a sua beleza, os seus dissabores.”

* Sandrine Lage é MSc Design for Sustainability (Cranfield University, Reino Unido), autora do livro na Mídia: O Poder de (In)formar, 2009, Envolverde, e estudante-pesquisadora na École des Hautes Études de Sciences de l’Information et de la Communication – Sorbonne (Paris IV).