Cientista independente se demite de setor regulador de agrotóxicos por questões de transparência

https://www.cbc.ca/news/politics/pesticide-regulator-resignation-1.6912382

David Thurton

20 de julho de 2023

Regulador de agrotóxicos pode estar expondo os canadenses a produtos químicos nocivos, dizem cientistas.

Cientistas que aconselharam o regulador de agrotóxicos de Ottawa dizem que isso pode estar expondo os canadenses a produtos químicos em níveis inseguros – e um deles se demitiu da agência, citando preocupações com a transparência.

Ambos os pesquisadores disseram à CBC News que estão pedindo mudanças na Agência Reguladora de Controle de Pragas da Health Canada (PMRA/Pest Manegement Regulatory Agency). Eles dizem que a agência depende de um sistema “obsoleto” que pode permitir que agrotóxicos com impactos preocupantes na natureza e na saúde humana continuem em uso.

“Não estou 100% confiante de que todos os agrotóxicos (que foram aprovados) sejam seguros”, disse Valerie Langlois, pesquisadora e professora do Instituto Nacional de Pesquisa Científica da Universidade de Quebec.

Langlois estuda os impactos de agrotóxicos e plásticos na saúde de peixes, sapos e pássaros. Ela também co-preside o comitê consultivo de ciência do PMRA.

O governo federal criou o comitê em 2022 em resposta às pressões para reformar o PMRA. Grupos ambientalistas argumentaram que a agência estava contando com ciência ultrapassada e estava sendo indevidamente influenciada pela indústria de agrotóxicos e produtores de alimentos.

A Health Canada defendeu a reputação de seu regulador de pesticidas. 

“(A) PMRA tem um sistema regulador de agrotóxicos robusto, que é reconhecido globalmente. Ele leva a sério seu papel como regulador e o processo de revisão de agrotóxicos usado pela PMRA permanece totalmente enraizado na ciência”, disse o porta-voz Mark Johnson.

Assessor científico do regulador renuncia

Bruce Lanphear compartilha as opiniões de Langlois. Até junho, Lanphear e Langlois co-presidiram o corpo consultivo científico da PMRA

Bruce Lanphear renunciou ao cargo de co-presidente do comitê consultivo científico do regulador nacional de agrotóxicos do Canadá. (Universidade Simon Fraser)

Lanphear, um médico de saúde pública que estuda a exposição fetal e na primeira infância a toxinas ambientais na Simon Fraser University, disse que ficou frustrado com a forma como o regulador ocultou informações dos cientistas do comitê. Ele renunciou ao painel consultivo em junho e sua carta de demissão foi amplamente compartilhada pelo Center for Health Science and Law, sem fins lucrativos. 

“Tenho pouca ou nenhuma confiança de que o comitê consultivo científico possa ajudar a PMRA a se tornar mais transparente ou garantir que os canadenses sejam protegidos de agrotóxicos tóxicos”, escreveu Lanpher naquela carta.

Falando à CBC News, Lanphear disse que a metodologia do regulador para avaliar agrotóxicos é “obsoleta” porque se baseia em suposições antigas que não são mais válidas.

Entre outras coisas, disse ele, assume que existiriam níveis ou limites seguros para produtos químicos que aumentam o risco de câncer (nt.: IMPORTANTE declaração do médico que já denuncia de que a relação toxicológica dose-resposta não está mais de acordo com a percepção dos disruptores endócrinos como vem lentamente chegando à ciência convencional).

“O que sabemos agora sobre alguns dos produtos químicos mais amplamente estudados e disseminados, como o chumbo… como o amianto, é que não há níveis seguros”, disse Lanphear. “E, no entanto, continuamos a regular os produtos químicos como se existissem.”

“Não tenho confiança porque a PMRA está contando com métodos obsoletos. Eles não estão sendo transparentes sobre como estão regulamentando os produtos químicos”.

“Coisas que deveriam ter sido banidas há dez anos e só foram marcadas para uma proibição total este ano indicam que não estamos acompanhando a ciência.”

Herbicida florestal contribuindo para incêndios florestais

Muitas florestas canadenses são manejadas com o uso do herbicida glifosato – que já foi associado a incêndios florestais. O herbicida molda a forma como as florestas crescem, o que pode maximizar os lucros – mas não sem custos imprevistos (nt.: o irônico é que nunca ocorreram tantos ‘wildfires’ -fogos selvagens- como nesse ano de 2023, no Canadá. Algo tem a ver com isso? Inclusive é dito acima).

Lanphear disse que os estudos mostram que a exposição crônica de baixo nível a substâncias químicas nocivas aumenta o risco de crianças nascerem prematuras e desenvolverem leucemia e de comportamento relacionado ao autismo e TDAH (nt.: aqui fica mais clara a observação de que há lesões que ocorrem nas fase embrionário e fetal dos seres. Como mostra o documentário nesse nosso website: ‘Amanhã, seremos todos cretinos?’).

“O que está em jogo aqui é o aumento do risco de várias condições crônicas”, disse ele.

Langlois diz que continua no comitê e está trabalhando com o regulador para ajudá-lo a reformá-lo.

A indústria está controlando o regulador?

Lanphear e outros temem que a indústria de agrotóxicos esteja exercendo influência indevida sobre o regulador de pesticidas do Canadá. 

Um grupo que representa os produtores de alimentos, fabricantes de agrotóxicos e empresas de biotecnologia vegetal do Canadá nega essa sugestão.

“É decepcionante ver o ex-copresidente do Comitê Consultivo Científico da Agência Reguladora de Controle de Pragas fazendo alegações infundadas sobre a influência da indústria na regulamentação de agrotóxicos no Canadá”, disse o CEO da Crop Life, Pierre Petelle, em comunicado enviado à CBC News.

“Como indústria, mantemos os mais altos padrões quando se trata da integridade dos dados científicos que fornecemos aos reguladores em todo o mundo.” (nt.: o cinismo é dramático com se vê na outra notícia, do Canadá, publicada no dia de hoje. Ver).

Frascos do herbicida Roundup, um produto da Monsanto, na prateleira de uma loja em 28 de junho de 2011. (Jeff Roberson/Associated Press)

A Radio Canada informou em 2021 que a Health Canada propôs aumentar a quantidade permitida de glifosato que pode ser detectada nos alimentos depois que os fabricantes Bayer e Syngenta o solicitaram. O clamor que se seguiu levou o governo a trazer cientistas independentes para a agência.

“O que estamos enfrentando agora é um regulador fortemente dominado por atores da indústria, especialmente empresas químicas e grupos de usuários de pesticidas”, disse Laura Bowman, advogada do grupo de direito ambiental Ecojustice

Na quarta-feira, a Health Canada anunciou que nomeou um novo copresidente para seu comitê consultivo científico para substituir Lanphear.

Eric Liberda, professor da Escola de Saúde Ocupacional e Pública da Toronto Metropolitan University, se juntará a Langlois na liderança do comitê consultivo independente.

Apesar de concordar com a posição de Lanphear, Langlois disse que não está deixando o comitê porque acredita que a mudança ainda é possível no órgão regulador. 

“Eu diria que a PMRA está mudando para melhor e nós, como membros do comitê, garantiremos isso”, disse Langlois. “E se eu também estou renunciando, é porque não há nenhuma ação que esteja sendo tomada.”

Ela disse que espera ver mudanças no órgão regulador ainda este ano.

David Thurton é um repórter sênior do Bureau Parlamentar da CBC. Ele cobre o dia a dia da política na capital do país e é especialista em meio ambiente e política energética. Nascido no Canadá, mas criado em Trinidad e Tobago, ele se mudou mais vezes do que pode contar. Ele trabalhou para a CBC em várias províncias e territórios, incluindo Alberta e os Territórios do Noroeste. Ele pode ser contatado em [email protected]

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2023.