Cada vez menos insetos estão atingindo o para-brisa do seu carro. Entenda por quê

Efemérides, onde estão que as temos mais em nossas noites de verão?

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Autores: Saioa Legarrea Imizcoz – Pesquisadora em Entomologia Agrícola, Universidade de La Rioja; María Ángeles Marcos García – Entomóloga, Catedrática da Universidade de Alicante

09 novembro 2023

[NOTA DO WEBSEITE: Situações como dos insetos que sempre procuramos desconsiderar por não termos toda a dimensão de como na cadeia da vida, inclusive de nossa própria sobrevivência, sua presença e convivência são tão imprescindíveis. Só quando estamos quase eliminando-os definitivamente é que despertamos de sua importância].

Todo verão, quase nos últimos 20 anos, voluntários da Kent Wildlife Trust e da Buglife, ambas no Reino Unido, têm rastreado as placas dos carros. Mas não da maneira que você imagina. O objetivo das inspeções é registrar o número de insetos voadores atingidos por veículos.

Embora isso possa parecer insignificante, a escala desse projeto de ciência cidadã o torna importante. Com quase 700 participantes, a campanha Bugs Matter de 2023 coletou dados de 6.358 viagens, o que pode ajudar a tirar conclusões muito mais amplas.

Os resultados da campanha de 2022 mostraram uma redução, em menos de 20 anos, de 64% no número de insetos atropelados por carros. Esses resultados reforçam uma tese que está preocupando os cientistas: essa perda maciça de vida de insetos demonstra que estamos nos aproximando cada vez mais da sexta extinção em massa.

AGROTÓXICOS

A sexta extinção em massa

Infelizmente, estudos mostram que o Reino Unido não é o único lugar onde as populações de insetos estão diminuindo; foram realizados estudos em toda a Europa que chegaram a conclusões semelhantes. Para obter medições realistas, a pesquisa mais rigorosa utiliza estudos históricos que rastreiam as populações de insetos ao longo de décadas.

Na Alemanha, um estudo de 27 anos foi publicado em 2017, mostrando que 76% da biomassa de insetos voadores foi perdida em uma ampla rede de espaços naturais.

Na Dinamarca, uma redução no número de insetos foi documentada juntamente com a diminuição do número de pássaros, como a andorinha-das-chaminés, que se alimentam deles.

As sociedades científicas de entomologistas da Espanha e de Portugal se reuniram em junho deste ano em Alicante para o XX Congresso Ibérico de Entomologia. Alarmados com o declínio das populações de insetos, eles publicaram um manifesto com o objetivo de aumentar a conscientização social sobre essa situação sem precedentes e pôr um fim a ela.

Entretanto, a situação não está causando alarme apenas na Europa, que é densamente povoada e exposta às pressões da atividade humana. Estudos realizados em florestas tropicais de Porto Rico compararam os números atuais de insetos com os de 36 anos atrás, com resultados igualmente catastróficos: uma redução de mais de 78% na biomassa de insetos que vivem no solo. Esse estudo também mostrou um declínio paralelo em animais que comem insetos, como lagartos, sapos e pássaros.

Por que há menos insetos?

Há muitas causas, todas decorrentes da deterioração contínua e crescente do solo, da vegetação, da água e do ar devido às atividades humanas.

Os insetos têm várias necessidades. Eles precisam do solo que cobrimos com cimento, da água cada vez mais escassa que poluímos ou desviamos e das plantas que tratamos com agrotóxicos. Além disso, interrompemos os meios de comunicação de que os insetos precisam para sobreviver: a poluição luminosa, química e atmosférica faz com que os insetos fiquem desorientados. Entre outras coisas, o número de partículas microscópicas transportadas pelo ar, que bloqueiam seus órgãos sensoriais e suas formas de comunicação, está aumentando.

Tudo isso está ocorrendo juntamente com a mudança climática, que é considerada um fator importante no declínio das populações de insetos por si só.

A perda da biodiversidade de insetos leva à homogeneização. Isso enfraquece as relações biológicas vitais entre todos os seres vivos e, por sua vez, ameaça nossa própria existência como espécie.

Richard Bartz / Wikimedia CommonsCC BY-SA

Por que eles são tão importantes?

Os insetos representam mais de 80% dos animais conhecidos no mundo. Portanto, está claro que eles desempenham muitas funções essenciais na manutenção da vida na Terra, principalmente a de polinizar as plantas.

Estima-se que 35% do suprimento de alimentos do mundo vem de plantas polinizadas por insetos. A United Nations Environment Programme/UNEP (nt.: Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente/PNUMA) adverte que, se eles desaparecerem, a segurança alimentar estará em risco.

Outra função insubstituível que os insetos desempenham na ecologia é a decomposição da matéria orgânica e a reciclagem de nutrientes. Os insetos atuam como coletores de lixo naturais e jardineiros. Dessa forma, eles contribuem para a saúde e a formação do solo, um processo essencial para a manutenção das cadeias alimentares e dos ciclos de vida.

Outra função ecológica dos insetos, que muitas vezes passa despercebida, é sua contribuição para o controle de pragas em ecossistemas naturais, pois eles evitam ou reduzem os danos causados pelas pragas.

O controle de pragas por predadores e insetos parasitas em ambientes naturais pode, na verdade, nos ensinar como melhorar o controle biológico na agricultura.

O que podemos fazer para protegê-los?

Problemas ambientais de grande escala não podem ser resolvidos pelas ações de indivíduos. Entretanto, a experiência nos mostra que muitos pequenos gestos podem se somar para alcançar grandes resultados. Algumas das coisas que podemos fazer são:

  • Apoiar ou trabalhar com projetos que visem à conscientização e à proteção de insetos em áreas rurais e urbanas. O Kent Wildlife Trust e o Buglife, já mencionados, são bons exemplos no Reino Unido. Na Espanha, temos o projeto SPIPOLL, o Observatório Cidadão de Borboletas da uBMS e o Programa de Monitoramento Fenológico da Rede Espanhola de Reservas da Biosfera.
  • Certifique-se de que os espaços verdes urbanos – bem como as margens, rotatórias e outras áreas não urbanizadas – contenham habitats de animais e flora nativa que possam fornecer locais de reprodução e refúgio para espécies de insetos.
  • Evite o uso de agrotóxicos em jardins particulares ou hortas e, sempre que possível, em espaços verdes públicos. Limite a remoção de “ervas daninhas” que crescem ao redor de plantas ornamentais, especialmente durante os períodos de floração.
  • Consuma produtos alimentícios fabricados de acordo com boas práticas agrícolas que valorizem e promovam a agricultura orgânica e o controle biológico ou integrado de pragas.
  • Substitua os tratamentos de controle de pragas do gado por produtos que não sejam prejudiciais aos insetos que ajudam no processo de decomposição.
  • Evitar a introdução de espécies invasoras de plantas ou animais, tanto na agricultura quanto na jardinagem.

Todos nós, em especial os educadores, temos a importante responsabilidade de mostrar às crianças e aos adultos que os insetos são nobres, vitais e belos. Seu número cada vez menor é um problema sem precedentes, e nossa própria sobrevivência como espécie está em risco se não conseguirmos reverter essa tendência.

Vale a pena limpar o para-brisa do carro o quanto for necessário.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2023.