Barragens e violação de direitos: a história se repete com Garabi e Panambi.

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“O MAB, por meio de uma reunião realizada com o governo do estado, conseguiu o compromisso verbal de, junto com a Eletrobrás e o próprio governo, planejar e organizar as reuniões nas comunidades e nos municípios”, escreveEduardo Luís Ruppenthal, professor de Biologia, biólogo e mestre em Desenvolvimento Rural (PGDR/UFRGS), membro do Movimento Gaúcho em Defesa do Meio Ambiente (MoGdema)InGá (Instituto Gaúcho de Estudos Ambientais) e Movimento Rio Uruguai Vivo.

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/528985-barragens-e-violacao-de-direitos-a-historia-se-repete-com-garabi-e-panambi

 

Eis o artigo.

A construção de mega-barragens é geradora de muitos conflitos pelos seus enormes impactos ambientais, sociais, culturais e econômicos. Isso já foi constatado e pesquisado por vários cientistas e grupos das universidades brasileiras, mas também está presente no noticiário cotidiano, principalmente nos últimos grandes empreendimentos hidroelétricos como Jirau e Santo Antônio, no rio Madeira, e Belo Monte, no rio Xingu.

Na bacia do Rio Uruguai, além de conflitos emblemáticos nas de Itá e Machadinho, há um pouco mais de uma década, a construção de Barra Grande, em 2004, foi notória pelo reconhecimento da fraude do EIA-RIMAlevado a cabo pela empresa Engevix. Fatos semelhantes ocorreram nas barragens de Foz do Chapecó e Campos Novos, que foram palcos de guerra do Setor Elétrico (empresas e governos) contra as comunidades, principalmente via criminalização da resistência através da perseguição e prisões arbitrárias de atingidos e suas lideranças organizadas no Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

Em Campos Novos, hidrelétrica que quase se rompeu por apresentar rachaduras, a situação atingiu notoriedade nacional e internacional, com denúncias de violação dos dos atingidos encaminhadas a órgãos como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) e àOrganização das Nações Unidas (). A repercussão internacional gerou resultado, fazendo com que ocorresse uma visita de uma representante da ONUHina Jilan, que por dois dias, 16 e 17 de dezembro de 2005, acompanhou de perto a situação dos atingidos acampados próximos do local da construção da barragem. Constatou a violação de direitos por parte das empresas, o não reconhecimento dos atingidos, onde inúmeras famílias haviam perdido suas terras, sua cultura e sua vida com a construção da obra e ainda sofriam com a prática da e uso de força policial.

Em novembro de 2010, o Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CDDPH) aprovou o relatório daComissão Especial que analisou, durante 4 anos, denúncias de violações de direitos humanos no processo de implantação de barragens no . As denúncias dos casos acolhidos pela Comissão foram das UHE Canabrava(GO), UHE Tucuruí (PA), UHE Aimorés (MG e ES), UHE Foz do Chapecó (RS e SC), PCH Fumaça (ES e MG), PCH Emboque (MG) e Barragem de Acauã (PB).

A comissão identificou um conjunto de 16 direitos humanos sistematicamente violados, dentre os quais merecem destaque o direito à informação e à participação; o direito à liberdade de reunião, associação e expressão; o direito de ir e vir; o direito ao trabalho e a um padrão digno de vida; direito à moradia adequada; direito à melhoria contínua das condições de vida e direito à plena reparação das perdas[1].

Garabi e Panambi: a história se repete

As notícias relacionadas à construção de duas novas megabarragens, Garabi e Panambi, previstas para o já “fragilizado e castigado” rio Uruguai e a falta de informação pública fez com que no final de janeiro e início de fevereiro de 2014 um grupo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) visitasse a região Noroeste do estado, especificamente os municípios de Alecrim e Porto Mauá, dois dos 19 municípios que poderiam ser atingidos. Durante quatro dias, o grupo visitou comunidades e áreas próximas ao rio Uruguai, participou de reuniões, de entrevistas a rádio local e, principalmente, recebeu muitos pedidos de informações acerca dos impactos desses dois barramentos.

O que se percebeu foi uma enorme situação de insegurança e incerteza das famílias e das comunidades devido à falta de informações, situação que se repete de forma deliberada por parte dos responsáveis pelos projetos já que quando há alguma informação esta é dada de forma incompleta ou desvirtuada, pelos próprios interessados nas obras. Neste aspecto, entenda-se, o Setor Elétrico, formado por EletrobrásMinistério de Minas e , governos federal e estadual e empresas contratadas para efetivarem os estudos iniciais, entre as quais destaca-se a Engevix, a mesma empresa que fraudou o EIA-RIMA de Barra Grande. Essa informação “oficial” possui alguns elementos: incerta, quando se refere aos questionamentos sobre os reais impactos, empregando-se os mais variados subterfúgios; e tendenciosa, pró-empreendimento usando-se do “fato consumado”, sem sequer ponderar a sua viabilidade, pois não possui nenhum estudo ambiental e por conseqüência nenhum licenciamento, atropelando a situação por meio do repasse de dados não condizentes com a realidade, principalmente ocultando a história de conflitos socioambientais na construção de outras barragens na região. E para isso alguns lobbies formados por políticos interessados nos dividendos econômico-eleitorais auxiliam o círculo vicioso da desinformação.

O conflito já está instalado na região. Em agosto de 2013, após dois dias de mobilização, os atingidos conseguiram paralisar os trabalhos e estudos sobre as obras realizados por empresas que invadiram os terrenos de pequenos agricultores sem autorização e conhecimento dos proprietários. Além da retirada das máquinas de sondagem, outro compromisso cobrado dos responsáveis foi a necessidade de apresentar as informações, até então sonegadas, e a garantia de audiências locais, a fim de que saibam da opinião da população ameaçada pelos empreendimentos. Nas reuniões que ocorreram, uma delas na distante cidade de Santa Rosa, e não em Porto Mauá que seria atingida em 75% de seu perímetro urbano, prevaleceram as “informações” da Eletrobrás, como de praxe tendenciosas, vazias e desencontradas, quanto aos principais questionamentos socioambientais.

MAB, por meio de uma reunião realizada com o governo do estado, conseguiu o compromisso verbal de, junto com a Eletrobrás e o próprio governo, planejar e organizar as reuniões nas comunidades e nos municípios. Mas, como era de se esperar, infelizmente, esse acordo não foi cumprido e o Setor Elétrico e governos estão realizando essas reuniões, que são muito mais propagandas enganosas, nos municípios sem a participação do MAB.

Assim como na década de 1980, quando a resistência da região não permitiu a realização do Complexo Garabi, várias pessoas e setores da sociedade estão mobilizados e fazendo o contraponto, principalmente informacional, entre os quais se destacam o MAB, a colônia de pescadores, a rádio Navegantes AM, a Igreja Evangélica de Confissão Luterana do Brasil, a pastoral social e a Igreja Católica da Diocese de Santo Ângelo, entre outros grupos organizados.

Após quatro anos do lançamento do relatório e com os novos conflitos gerados na construção de hidrelétricas no país, com destaque negativo para as desastrosas hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, agora na região Noroeste do estado, verifica-se que a situação não evoluiu, e até retrocedeu, pelo não cumprimento por parte do Setor Elétrico das recomendações feitas nos relatórios oficiais nacionais e internacionais. Um setor que, atrelado a gigantescas empreiteiras e a políticos do grupo do Senador Sarney, resgata e recauchuta projetos da década de 1970, gerando outras tantas violações dos direitos humanos sobre os atingidos, agora ameaçando também o que resta do rio Uruguai, nos megaempreendimentos de Garabi e Panambi (75 mil hectares de áreas alagadas), podendo afetar dezenas de milhares de pessoas.

Por isso, quando dizemos “Não à Garabi e Panambi”, além de estarmos defendendo o belo e majestoso Rio Uruguai, seus afluentes, com suas corredeiras, e áreas rurais de altíssima fertilidade, estamos nesta luta juntos com os habitantes da região, que resistem a esta insanidade. Para isso, nos aliamos aos agricultores, pescadores, comunidades ribeirinhas, veranistas de seus balneários, moradores das cidades potencialmente atingidas. Vamos cobrar a defesa da Constituição Federal que, em seu Art. 225, veda ações que promovam a extinção de espécies da flora e da fauna, como o caso do dourado, já ameaçado pelas barragens rio acima, assim como impedir que isso tudo continue afetando o Salto do Yucumã e o Parque Estadual do Turvo.

Queremos dizer que é possível e necessário Um Outro Modelo Energético, Público, com e para o povo, e assim estamos defendendo os direitos humanos, o direito de resistência e o direito de viver! Garabi e Panambi não passarão!

Notas:

1- Segue os demais direitos: Direito à educação; Direito a um ambiente saudável e à saúde; Direito à justa negociação e tratamento isonômico, conforme critérios transparentes e coletivamente acordados; Direito À cultura, às práticas e aos modos de vida tradicionais, assim como ao acesso e preservação de bens culturais, materiais e imateriais; Direitos dos povos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais; Direito de grupos vulneráveis a proteção especial; Direito de proteção à família e a laços de solidariedade social ou comunitária; Direito de acesso à e a razoável duração do processo judicial; Direito à Reparação por perdas passadas.

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