Bancos alemães injetaram mais de US$ 1 bilhão em mineradoras no Brasil

Mimeração Minas

Barragem da Anglo American em Conceição do Mato Dentro. Foto: Marcelo Cruz/Brasil de Fato

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Maurício Angelo

25 de outubro de 2021

Os bancos alemães Commerzbank, Deutsche Bank e DZ Bank investiram mais de 1 bilhão de dólares – 5,6 bilhões de reais na cotação atual – em multinacionais que atuam no Brasil, considerando apenas as operações brasileiras dessas empresas.

principal beneficiária foi a inglesa Anglo American, uma das 5 maiores mineradoras do mundo. O Commerzbank injetou US$ 627 milhões de dólares na Anglo American, com destaque para empréstimos diretos de US$ 556 milhões e US$ 71 milhões em “subscrição” (underwriting), mecanismo de mercado usado para levantar crédito por uma instituição financeira intermediária.

Já o Deutsche Bank, outro dos principais bancos alemães, investiu de forma mais pulverizada: foram US$ 59 milhões para a suíça Glencore, maior trader de commodities do mundo que tem grande participação na CSN Mineração, US$ 50 milhões para a australiana Rio Tinto e US$ 28 milhões para a sul-africana AngloGold Ashanti, que atua no Brasil há quase 200 anos e é a terceira maior produtora de ouro do planeta.

Em ações, o Deutsche Bank detém US$ 31 milhões na Rio Tinto e US$ 2 milhões na canadense Belo Sun. Um terceiro banco alemão, o DZ Bank, tem US$ 40 milhões em ações da Rio Tinto e US$ 118 milhões na Anglo American.

Os dados exclusivos, referentes ao período de julho de 2016 a julho de 2021, fazem parte de um relatório maior que está em fase final, produzido pelo Observatório da Mineração em parceria com a Amazon Watch. Em 2020, a mesma parceria revelou que 6 grandes investidores americanos injetaram mais de US$ 18 bilhões de dólares em empresas ligadas a violações de direitos indígenas na Amazônia.

O novo relatório completo será divulgado até o fim de 2021.

Maior beneficiária, Anglo American é acusada de prejudicar comunidades quilombolas em Minas Gerais

A Anglo American, maior beneficiária dos investimentos de bancos alemães, é acusada de provocar escassez hídrica e problemas de saúde em comunidades quilombolas de Conceição do Mato Dentro (MG), onde opera uma enorme mina de minério de ferro – entre as 10 maiores do mundo – e um mineroduto que sai de Minas e vai até o Rio de Janeiro.

Relatório recente do IBASE (Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas) em conjunto com a coalizão de transparência global Publish What You Pay afirma que poucos são os benefícios visíveis gerados por impostos e royalties da atividade mineradora da Anglo American em MG.

“A escassez hídrica provocada pela Minas-Rio reduziu a produção local de alimentos. A poeira emitida pelas explosões da mina provoca doenças respiratórias. O medo de uma ruptura da barragem de rejeitos é grande. As comunidades rurais são as mais afetadas. Há poucas evidências do manejo eficaz da mina ou da obtenção de um acordo justo para os cidadãos por parte dos governos federal, estadual e municipal”, diz Athayde Motta, do IBASE, coautor do relatório.

Em resposta ao Observatório da Mineração, a Anglo American afirmou que “pauta suas operações nas melhores práticas disponíveis, incluindo extensos estudos ambientais e aplicação de controles e de medidas de mitigação, evitando ao máximo a cristalização de impactos negativos sobre as comunidades e o meio ambiente local”.

Segundo a mineradora inglesa, “todas as atividades da empresa cumprem rigorosamente a legislação, além de serem licenciadas e acompanhadas pelas autoridades competentes. O diálogo comunitário, os planos de reassentamento e o acompanhamento de parâmetros socioeconômicos e ambientais também são objetos de avaliação das autoridades”.

Há anos, porém, que as comunidades afetadas de Conceição do Mato Dentro denunciam as atividades da Anglo American e temem a expansão do projeto.

Conflitos como esse não acontecem apenas no Brasil. Em Zâmbia, na África, a Anglo American é acusada de operar por décadas uma mina de chumbo que causou a contaminação em massa de milhares de crianças e mulheres.

Além da Anglo American, outras mineradoras que receberam investimentos estão envolvidas em projetos problemáticos no Brasil e fora do país. A Belo Sun tenta aprovar um grande projeto de ouro no Pará que impactará povos indígenas. A Rio Tinto está envolvida em violações na Austrália e nos Estados Unidos. Recentemente, uma barragem da AngloGold Ashanti vazou em Minas Gerais, contaminando um rio. A Glencore, entre outros fatos, carrega uma série de danos causados a indígenas na Austrália.

Política socioambiental dos bancos em xeque

Os investimentos dos bancos alemães citados colocam em xeque o compromisso socioambiental, climático e de direitos humanos que estas instituições alegam ter.

Todos os três bancos – Commerzbank, Deutsche Bank e DZ Bank – são signatários dos “Princípios Para Responsabilidade Bancária” das Nações Unidas. São 6 princípios listados: Alinhamento, Definição de Impacto e Objetivos, Clientes, Partes Interessadas, Governança e Cultura e Transparência e Prestação de Contas.

Essas metas estariam alinhadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e ao Acordo Climático de Paris. “Alinharemos nossa estratégia de negócios para que seja consistente e contribua com as necessidades das pessoas e com os objetivos da sociedade” e “aumentaremos continuamente nossos impactos positivos, reduzindo os impactos negativos e gerenciando os riscos para as pessoas e o ambiente resultantes de nossas atividades, produtos e serviços”, prometem os bancos signatários.

O Commerzbank é um dos fundadores da iniciativa. Recentemente, o Commerzbank anunciou metas ousadas dentro do seu programa de sustentabilidade e confirmou, por exemplo, já ter cortado em 50% os seus investimentos em carvão.

 O Deutsche Bank, que também atua como consultor financeiro do governo equatoriano em projetos de petróleo problemáticos na Amazônia, anuncia diversos compromissos em atenuar a sua contribuição com empresas responsáveis pela crise climática e afirma que “identifica e trata os impactos socioambientais dos seus negócios”.

“Revisamos todas as solicitações de crédito com base em critérios de sustentabilidade. Certos setores são excluídos automaticamente. Também garantimos a conformidade com os padrões internacionais em nossas atividades de investimento e financiamento de projetos”, garante o DZ Bank.

Em resposta, bancos se esquivam da responsabilidade

Eu procurei os três bancos para que comentassem especificamente sobre os seus investimentos nas mineradoras citadas e os seus princípios éticos, de governança e socioambientais.

O Deutsche Bank disse que não iria comentar em relação aos financiamentos nas mineradoras, mas que o papel dos bancos é o de servir como meros “intermediários para clientes e investidores”. Segundo o Deutsche Bank, os bancos envolvidos nessas transações não investem para ganho próprio, mas apenas gerenciam as transações para os lados interessados.

O DZ Bank também não abordou diretamente os projetos das mineradoras citadas, mas disse que “tem consciência da sua responsabilidade para uma economia mais sustentável”, que recebe contribuições para a reestruturação do seu negócio dos stakeholders e de ONGS e que, por exemplo, não financia diretamente termelétricas a carvão e empresas com grande participação na área de carvão e não financiam também projetos de óleo e gás que usam a técnica do “fracking”.

De acordo com o DZ Bank, além dos critérios ambientais, critérios sociais e governamentais também são levados em conta pelo banco. O DZ Bank também   “não financia empresas que violam os direitos humanos em geral e que ofendam o Pacto Global da ONU, os Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Negócios e Direitos Humanos, as normas fundamentais do trabalho da Organização Internacional do Trabalho ou quaisquer outros princípios internacionalmente reconhecidos na área de trabalho e direitos humanos”, afirmaram.

O Commerzbank não respondeu ao pedido de comentário.

Relatório mostrou investimentos bilionários em Vale, BHP e outras 8 mineradoras globais por bancos europeus

Um relatório de 2018 da ONG alemã Facing Finance, de Berlim, intitulado “Dirty Profits”, analisou dez das maiores empresas de commodities globais (Anglo American, BHP Billiton, Barrick Gold, Eni, Gazprom, Glencore, Goldcorp, Grupo México, Grupo Rio Tinto e Vale) e suas relações financeiras com os dois maiores bancos de cada um dos seguintes países: Reino Unido (HSBC e Barclays), Alemanha (DZ Bank e Deutsche Bank), França (BNP Paribas e Credit Agricole), Holanda (ING e Rabobank) e Suíça (UBS e Crédit Suisse).

Entre os achados, a Facing Finance identificou 25,8 bilhões em investimentos, empréstimos e títulos disponibilizados por bancos europeus entre 2010 e 2017 para a Vale e a BHP, responsáveis pelo rompimento da barragem de Mariana.

No geral, os bancos alemães aparecem entre os quatro maiores detentores de participações acionárias nas 10 companhias extrativistas analisadas, com o Deutsche Bank na segunda posição (1,6 bilhão de euros) e o DZ na quarta (700 milhões de euros). Nenhum deles incluiu em sua lista suja qualquer uma das mineradoras analisadas no relatório.

Em março de 2021, a agência holandesa Profundo – também parceira da Amazon Watch e do Observatório no levantamento de dados – analisou o comportamento de voto de seis grandes investidores alemães em nome da Fair Finance International, tentando identificar se eles usaram seus direitos de voto no interesse da proteção climática e da devida diligência dos direitos humanos ou se o voto deles contrariou os objetivos de transformar a economia em direção à sustentabilidade.

“Os principais acionistas precisam mostrar suas verdadeiras intenções”, diz a análise. As promessas de mitigar as mudanças climáticas e respeitar os padrões sociais devem se refletir em seu comportamento nas assembleias de acionistas, defendem.

“A Facing Finance espera que o governo alemão, de acordo com a Recomendação 31 do Comitê de Finanças Sustentáveis, “crie uma base legal confiável para o engajamento ESG colaborativo”, a fim de dar aos investidores na Alemanha melhores oportunidades de responsabilizar as empresas em relação à transformação socioecológica da economia”, concluem.

Autor

Maurício Angelo

Fundador do Observatório da Mineração, centro de jornalismo investigativo focado no setor extrativo criado em 2015. Repórter com centenas de matérias publicadas na mídia brasileira e internacional (Mongabay, Thomson Reuters Foundation, UOL Notícias, Repórter Brasil, Intercept Brasil, Pulitzer Center, OCCRP, Folha de S. Paulo e outros). Eleito um dos três jornalistas mais relevantes do Brasil no setor de Mineração, Metalurgia e Siderurgia pelo Prêmio Especialistas de 2021, em votação espontânea. Vencedor do Prêmio de Excelência Jornalística da Sociedade Interamericana de Imprensa (2019). Especializado em Mineração, Amazônia, Cerrado, Direitos Humanos, Justiça, Lobby e Crise Climática.

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