Estudo pioneiro realizado em cinco países – Canadá, Brasil, Espanha, Estados Unidos e Tailândia – analisa o impacto da pecuária industrial intensiva na resistência antimicrobiana.
Nossa primeira investigação realizada em três continentes, ‘Bactérias multirresistentes: em um rio próximo de você’, encontrou poderosos genes de resistência a antibióticos (GRAs) em rios próximo a fazendas industriais intensivas.
A investigação, que foi realizada por meio da coleta de amostras de água e solos de locais próximos a regiões produtoras de proteína animal, sugere que a pecuária industrial intensiva possa estar liberando genes de resistência a antibióticos e bactérias multirresistentes no meio ambiente por meio do dejeto de suínos e da contaminação da água.
Fazendas industriais intensivas não seguem as recomendações da OMS
A OMS recomenda que os antibióticos não sejam usados rotineiramente para prevenir doenças em animais de fazenda. Apesar disso, a prática continua generalizada em sistemas industriais intensivos, com até 75% dos antibióticos do mundo sendo usados em animais de fazenda.
Segundo a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS), da OMS, a resistência aos antimicrobianos (RAM) representa uma ameaça sanitária global crescente, que deve ser abordada com urgência na Saúde Única (que engloba a saúde pública, animal e o meio ambiente).
Isso porque a resistência antimicrobiana coloca em risco o tratamento eficaz de infecções causadas por bactérias, vírus, parasitas e fungos, resultando em enfermidades mais prolongadas e com maior mortalidade. Ao mesmo tempo, essa resistência põe em risco a sustentabilidade dos sistemas agroalimentares e, com ela, a segurança alimentar.
Mesmo assim, para atender a crescente demanda global e produzir proteína animal com baixo custo e em larga escala, a indústria pecuária segue submetendo os animais a práticas de confinamento insustentáveis, além de utilizar antibióticos de forma preventiva para mascarar os efeitos negativos inerentes desses sistemas.
Para se ter uma ideia, cerca de 131 mil toneladas de antibióticos são usadas na pecuária todos os anos, em todas as cadeias de criação – sendo que a cadeia de suínos é a que mais utiliza esses medicamentos.
Frangos criados em um sistema industrial intensivo
Em criações intensivas, extremamente estressantes e superpovoadas, os animais são mantidos em espaços minúsculos, sofrem mutilações e os filhotes são separados precocemente de suas mães, causando um sofrimento inimaginável. Tudo isso faz com que os animais tenham uma redução na imunidade, criando o ambiente perfeito para contaminações.
Como solução para evitar que os animais adoeçam, eles recebem doses diárias de antibióticos. Esse uso excessivo de antibióticos, além de contaminar o meio ambiente e a cadeia alimentar, é a porta de entrada para o surgimento de bactérias multirresistentes.
“Muito além de tratar enfermidades, os antibióticos são comumente utilizados para evitar doenças causadas por problemas no manejo e altos níveis de estresse sofridos por animais em confinamento extremo”, afirma Daniel Cruz, Gerente de Bem-Estar Animal da Proteção Animal Mundial.
“Isso é preocupante, pois, nesse caso, os antibióticos são utilizados não só para tratamento de infecções reais e presentes (uso terapêutico), mas também para tentar prevenir doenças de forma massiva (uso preventivo ou profilático) e até mesmo para promover o crescimento dos animais. Essa administração exagerada e irresponsável contribui para aumentar o processo natural de seleção dos microrganismos e causa o aparecimento de gerações de bactérias multirresistentes”, complementa Daniel Cruz.
O cenário brasileiro
No Brasil, as coletas foram realizadas no Paraná, o segundo maior estado produtor de suinocultura do país. Entre as regiões escolhidas para análise está a cidade de Toledo, que detém o maior rebanho nacional de porcos, além de Castro, Carambeí, Piraí do Sul e Palotina.
As descobertas apontam para a alarmante presença de Genes de Resistência a Antibiótico (GRAs) nas proximidades de granjas suinícolas industriais intensivas. Como o país está em quarto lugar em relação ao número de suínos no mundo e na produção de carne suína, já desconfiávamos que este seria um cenário relevante para o estudo.
Apesar de esforços terem sido iniciados pelo MAPA com a implementação do Programa de Vigilância e Monitoramento da Resistência aos Antimicrobianos no Âmbito da Agropecuária, avanços e mudanças precisam acontecer em vários setores, como a indústria farmacêutica, os órgãos competentes das classes médicas (Conselhos de Medicina Veterinária e Humana), setor privado e principalmente na conscientização da população sobre o problema e as possíveis soluções.
Pior que a covid-19?
A crise das bactérias multirresistentes representa uma ameaça que pode ser pior que a de covid-19.
Atualmente, mais 700 mil pessoas morrem a cada ano por infecções que não respondem ao tratamento com antibióticos. Se essa tendência continuar, as projeções indicam que esse número possa aumentar para 10 milhões de mortes por ano até 2050.
Pesquisa detecta paralelo entre criação de porcos e focos de coronavírus (Estado de Santa Catarina)
Mudança positiva na União Europeia
A partir de janeiro de 2022, será ilegal na União Europeia administrar antibióticos em grupos de animais de fazenda para prevenir doenças. É importante que essas leis sejam aplicadas e outros países sigam o exemplo.
Por isso, estamos pedindo aos governos que proíbam o uso de antibióticos para prevenir doenças em animais de fazenda e garantir que as fazendas industriais restantes atendam aos padrões de bem-estar animal da FARMS, no mínimo.