Após Agente Laranja, Monsanto reencontra Vietnã com transgênicos. Esta corporação é uma das responsáveis pelo utilizo deste herbicida como arma de guerra no Sudeste Asiático.
Por Brian Leung*
The Diplomat
O ministério da Agricultura vietnamita aprovou a importação de quatro variedades de milho desenvolvidas para o consumo humano e de animais de corte: MON 89034 e NK 603, produtos da DeKalb Vietnam (subsidiária da multinacional norte-americana Monsanto), e GA 21 e MIR 162, da empresa suíça Syngenta. O Ministério do Meio-Ambiente já emitiu certificados de segurança ambiental para as variedades de milho da Monsanto e para a variedade GA 21 da Syngenta, o que significa que agricultores já podem começar a cultivar comercialmente o produto.
Em 2006, o governo vietnamita formulou um plano para o desenvolvimento de produtos agrícolas geneticamente modificados como parte de um “grande programa para o desenvolvimento e a aplicação da biotecnologia na agricultura e no desenvolvimento rural”. De acordo com o projeto, o Vietnã busca iniciar o cultivo de produtos geneticamente modificados até 2015 e ter de 30% a 50% de seu território agrícola ocupado por organismos geneticamente modificados (OGMs) até 2020.
Ambientalistas comentam que, enquanto norte-americanos e cidadãos de vários países se revoltam contra os OGMs, o Vietnã desperdiça sua grande vantagem como produtor orgânico. “Cada vez mais, países do mundo todo rejeitam os OGMs, com a oposição pública crescendo diariamente. Na Europa e em boa parte da Ásia, América Latina e África, as pessoas e, frequentemente, os governos rejeitam sementes geneticamente modificadas como uma tecnologia ultrapassada que não conseguiu cumprir suas promessas”, diz Marcia Ishii-Eiteman, cientista-sênior da Pesticide Action Network North America, organização sediada nos Estados Unidos que promove alternativas aos agrotóxicos.
De acordo com The New York Times, houve um aumento considerável na rejeição de OGMs nos EUA por parte dos consumidores, com empresas do setor lutando para garantir a oferta de produtos não modificados. A Europa obrigou toda a sua indústria alimentícia a descartar definitivamente os OGMs. Em uma ocasião, autoridades europeias barraram 99% da importação de milho dos EUA de uma só vez, ainda que apenas 25% do montante total de exportação fossem geneticamente modificados. No ano passado, a China rejeitou 887 mil toneladas de milho norte-americano por conta da presença de MIR 162, uma das variedades que acabam de ser aprovadas no Vietnã.
Um relatório da Avaliação Internacional de Conhecimento, Ciência e Tecnologias Agrícolas para o Desenvolvimento, iniciativa de análise sobre agricultura e sustentabilidade, concluiu que os altos custos das sementes e dos produtos químicos, o retorno incerto e o potencial risco fazem da biotecnologia uma escolha ruim para países em desenvolvimento. Os OGMs, em seu estado atual, não têm nada a oferecer na luta contra a fome e a pobreza ou na criação de uma agricultura sustentável, de acordo com o relatório.
Seis multinacionais – Monsanto, Syngenta, Du Pont, Bayer, Dow e BASF – controlam hoje quase dois terços do mercado global de sementes, três quartos das vendas de produtos químicos para a agricultura e todo o setor de sementes geneticamente modificadas, de acordo com um relatório da Amigos da Terra Internacional, uma rede de organizações ambientalistas presentes em 74 países.
A Monsanto era a principal fabricante do Agente Laranja durante a Guerra do Vietnã, que terminou em 1975. O Vietnã alega que o desfolhante tóxico faz vítimas até hoje. Durante a guerra, entre 2,1 e 4,8 milhões de vietnamitas foram expostos ao Agente Laranja e a outros produtos químicos ligados ao desenvolvimento de cânceres, má-formação fetal e outras doenças crônicas, de acordo com a Cruz Vermelha no Vietnã.
Ativistas acreditam que a introdução do milho geneticamente modificado ou do herbicida Roundup da Monsanto nos cultivos locais poderia levar a uma repetição da tragédia do Agente Laranja.
“É uma grande ironia, porque o Vietnã ainda sofre os danos causados pelo Agente Laranja, herbicida produzido pela Monsanto e usado como arma durante a guerra. O Roundup, também produzido pela Monsanto e empregado no cultivo da maior parte dos OGMs, foi igualmente relacionado a má-formação fetal”, diz Jeffrey Smith, autor do livro “Seeds of Deception” [Sementes do Engano, em tradução livre] e fundador e diretor-executivo da ONG Instituto pela Tecnologia Responsável, sediada na Califórnia. “Esta evidência pode ser encontrada nas pesquisas da própria Monsanto, e os danos são vistos hoje na Argentina e em outros países onde tem sido observado um aumento drástico nas estatísticas de má-formação fetal derivada da exposição ao herbicida.
Estudos em laboratório demonstraram que a exposição de embriões ao Roundup causa o mesmo tipo de má-formação experimentado por camponeses que vivem próximos aos locais onde o produto foi aplicado. De modo similar, animais que consomem produtos cultivados com Roundup apresentam alta incidência do mesmo tipo de má-formação”, sustenta Smith.
Ativistas dizem que as variedades de milho geneticamente modificadas aprovadas pelo governo vietnamita são apenas a ponta do iceberg. As multinacionais do ramo estariam pavimentando seu caminho legal rumo ao Vietnã, estabelecendo precedentes para logo tentar colocar herbicidas e produtos geneticamente modificados ainda mais perigosos no mercado local, acreditam. Em vez de reduzir a necessidade de agrotóxicos, organismos geneticamente modificados levam a um aumento de seu uso. Sementes resistentes a herbicidas precisam de um aumento no uso do produto ligado a riscos ambientais e à saúde pública.
“O segredo da indústria de agrotóxicos é que sementes geneticamente modificadas e resistentes a herbicidas são o que alavanca as vendas e constituem a própria estratégia de marketing do setor”, diz Ishii-Eiteman, da Pesticide Action North America. “Estas sementes são parte de um pacote tecnológico elaborado para a facilitação do uso indiscriminado de herbicidas, elevando as vendas destes produtos químicos”.
De acordo com ativistas, cultivadores de milho nos EUA estão praticamente impossibilitados de encontrar sementes não-modificadas atualmente, já que a Monsanto obteve o monopólio do mercado no país. Eles afirmam que agricultores não querem se ver presos a um mercado de sementes controlado por Monsanto e Syngenta (a Monsanto já controla mais de um quarto do mercado global de sementes, e as outras quatro principais empresas da área de biotecnologia e agrotóxicos controlam metade deste mercado).
Apesar da ferrenha oposição em grande parte do mundo, a Monsanto tem sido bem recebida no Vietnã. Em janeiro deste ano, ela foi honrada pelo governo do país em evento oficial como uma “empresa de agricultura sustentável”. Em outubro, a Monsanto anunciou uma bolsa de 1,5 bilhão de dongs vietnamitas (cerca de 70 mil dólares) para o estudo de biotecnologia na Universidade Agrícola do Vietnã. Citado no blog da empresa, Tran Duc Vien, reitor da universidade, declarou: “O governo do Vietnã está determinado a trazer esta tecnologia para o país, e está se focando no desenvolvimento de potenciais físicos e humanos no setor de biotecnologia. Estamos felizes por ver a participação do setor privado no processo e agradecemos a Monsanto por seu comprometimento com o desenvolvimento de talentos na biotecnologia agrícola”.
A posição está alinhada com alguns membros do governo vietnamita, que parecem acreditar que a introdução de cultivos geneticamente modificados pode incrementar as colheitas e ajudar a alimentar uma população de cerca de 90 milhões de pessoas – e que segue em crescimento – a um custo razoável. A Monsanto promoveu os OGMs como uma solução altamente promissora para a questão da carência de alimentos no Vietnã.
Muitos opositores discordam. O Vietnã sinalizou seu interesse em assinar a Parceria Trans-Pacífico, liderada pelos EUA, e ativistas se preocupam com o fato de que os EUA estejam usando o tratado para impor regulamentos restritivos de propriedade intelectual sobre os demais países do acordo, o que causaria grandes danos às nações em desenvolvimento. Eles dizem que o tratado abriria caminho para que empresas como a Monsanto regularizassem suas patentes em países como o Vietnã.
“Segundo as regras da Parceria Trans-Pacífico, empresas do setor farmacêutico teriam poderes irrestritos sobre suas patentes, o que permitiria que seu monopólio fosse ampliado, evitando a comercialização de genéricos e elevando os preços dos medicamentos por um grande período de tempo. O mesmo se aplicaria às sementes”, afirma Genna Reed, pesquisadora da Food & Water Watch, organização não-governamental dedicada à administração governamental de água e alimentos sediada em Washington, nos EUA. “O acordo também tornaria mais difícil abrir um processo contra patentes injustificadas, e dificultaria a chegada de medicamentos genéricos à região do Pacífico. Este acordo comercial e a aplicação de regulamentos sobre propriedade intelectual tornariam remédios e sementes essenciais mais caras e mais difíceis de serem obtidas”. Smith, autor de “Seeds of Deception”, finaliza: “Este é um passo arriscado, para o Vietnã como um todo e para seus agricultores em especial, no sentindo inverso da marcha rumo à soberania nacional. A Parceria Trans-Pacífico foi desenvolvida principalmente pelo setor empresarial americano, em defesa de seus próprios interesses”.
*Tradução: Henrique Mendes