https://portugues.medscape.com/verartigo/6508415
Gina Loveless
19 de agosto de 2022
É comum pensarmos que uma boa noite de sono deve ser ininterrupta, mas uma nova e surpreendente pesquisa da Københavns Universitet, na Dinamarca, sugere exatamente o oposto: despertares breves podem, na verdade, ser um sinal de que você dormiu bem.
O estudo, realizado em modelos murinos, descobriu que a noradrenalina, um neurotransmissor excitatório ligado ao estresse, acorda o cérebro muitas vezes por noite. Essas “microexcitações” foram relacionadas à consolidação da memória, ou seja, elas ajudam o indivíduo a se lembrar dos eventos do dia anterior. Na verdade, quanto mais “acordado” você estiver durante uma microexcitação, maior será a consolidação da memória, segundo a pesquisa.
“Agora, toda vez que acordo no meio da noite, penso: ah, legal, provavelmente tive um sono ótimo para consolidar a memória”, disse a autora do estudo, Dra. Celia Kjaerby, Ph.D., professora assistente no Center for Translationel Neuromedicin da Københavns Universitet.
Os achados trazem novos insights sobre o que acontece no cérebro durante o sono e podem ajudar a possibilitar novos tratamentos para indivíduos com distúrbios do sono.
Ondas de noradrenalina
Pesquisas anteriores sugeriram que a noradrenalina (hormônio cujos níveis aumentam em condições de estresse e que ajuda a manter o foco) ficaria inativa durante o sono. Assim, os pesquisadores ficaram surpresos ao verificar altos níveis do neurotransmissor no cérebro dos roedores enquanto os animais dormiam.
“Ainda me lembro de ver os primeiros traços mostrando a atividade cerebral do sistema de estresse mediado pela noradrenalina durante o sono. Não conseguíamos acreditar no que estávamos vendo”, disse a Dra. Celia. “Todos pensávamos que o sistema ficaria ocioso. Entretanto, descobrimos que ele controla completamente a microarquitetura do sono.”
Esses níveis de noradrenalina aumentam e diminuem como ondas, a cada 30 segundos, durante o sono sem movimento rápido dos olhos (NREM, do inglês non-rapid eye movement). Em cada “pico” de onda o cérebro está brevemente acordado e em cada “vale” ele está adormecido. Normalmente, esses despertares são tão breves que o indivíduo adormecido não percebe. Porém, quanto maior a onda, mais longo será o despertar e maior a probabilidade de o indivíduo adormecido perceber que acordou.
Durante os vales, ou quando a noradrenalina diminui, ocorrem os chamados fusos do sono.
“Estes fusos são pequenos surtos oscilatórios de atividade cerebral associados à consolidação da memória”, disse a Dra. Celia. Ocasionalmente ocorre um “vale profundo”, com duração de três a cinco minutos, levando a mais fusos do sono. Os camundongos com os vales mais profundos também apresentaram as melhores memórias, observaram os pesquisadores.
“Demonstramos que é a quantidade de superestímulos de fusos do sono, e não o sono de movimento rápido dos olhos (REM, do inglês rapid eye movement), que define o quão bem você se lembra das experiências que teve antes de dormir”, disse a Dra. Celia.
Após vales profundos ocorreram despertares mais longos, observaram os pesquisadores. Portanto, quanto mais profundo o vale, mais longo será o despertar e melhor será a consolidação da memória. Isso significa que, embora o sono agitado não seja bom, acordar brevemente pode ser uma parte natural das fases do sono relacionadas à memória e até significar que você dormiu bem.
O que acontece em nosso cérebro quando dormimos: juntando as peças do quebra-cabeça
Os achados correspondem a dados clínicos anteriores que mostram que acordamos cerca de 100 vezes ou mais por noite, principalmente durante o estágio 2 do sono NREM (estágio do sono rico em fusos), disse a Dra. Celia.
Ainda assim, são necessárias mais pesquisas sobre esses pequenos despertares, disse a pesquisadora. Ela observou que a médica e professora Dra. Maiken Nedergaard, outra autora do estudo, descobriu que o cérebro elimina os resíduos metabólicos através de um sistema de limpeza em meio líquido.
“O motivo do sistema de limpeza ser tão ativo quando dormimos ainda é um mistério”, disse a Dra. Celia. “Acreditamos que esses breves despertares possam ser a chave para responder essa pergunta”.
Fontes
Dra. Celia Kjaerby, Ph.D., professora assistente do Center for Translationel Neuromedicin, da Københavns Universitet, na Dinamarca.
Nature Neuroscience: “Memory-enhancing properties of sleep depend on the oscillatory amplitude of norepinephrine.”