A grama da Amazônia e a poeira do deserto.

Passar os olhos pelos jornais é exercício rico e nem sempre ameno. Ao mesmo tempo que nos dá o privilégio de saber o que acontece em toda parte – notícias surpreendentes e alentadoras -, essa cobertura ampla traz implícito o risco de preocupações, aflições, sofrimentos até. A semana passada não foi diferente.

 

 

http://envolverde.com.br/ambiente/a-grama-da-amazonia-e-a-poeira-do-deserto/

 

por Washington Novaes*

Vista aérea da floresta amazônica no Acre. Foto: © WWF-Brasil/Bruno Taitson

Pode-se começar pela notícia (amazonia.org, 6/3) de que “grama de R$ 2 milhões da Arena da Amazônia não se adaptou e deverá ser substituída”. Nada menos que R$ 2 milhões para cobrir um campo de futebol – o que no interior do país se faz praticamente sem custo. E este, amazônico, ainda implica “custo de manutenção de R$ 60 mil mensais” ! Segundo os responsáveis, porque “o tipo de grama não se adaptou ao clima da região e será substituído”, com um novo custo de R$ 200 mil.

Por aí, vai-se chegar a um tema forte no noticiário durante toda a semana, que é a polêmica sobre o projeto de acesso a recursos genéticos e o pagamento pelo seu uso, na área de conhecimentos de povos indígenas e tradicionais. Se os implantadores da grama na arena conhecessem o tema da saberiam que uma espécie estranha ao bioma poderia não se adaptar. Poderiam ter evitado o prejuízo. Mas biodiversidade em geral – presente em quase tudo no nosso cotidiano – é considerada tema de “ambientalista exagerado”. Esquecendo que a remoção dessa biodiversidade pode implicar mudanças climáticas, acréscimo de custos econômicos, etc.

No dia seguinte os jornais diziam que o aumento do desmatamento e a perda de biodiversidade na Amazônia – mais 288 quilômetros quadrados de florestas só em janeiro deste ano (Agência Estado, 21/2) – vem somar-se aos 763 mil km2 já desmatados e 1,2 milhão de km2 quadrados já degradados, segundo o cientista Antônio Donato Nobre, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Amazônia.org, fevereiro de 2015).

Nos mesmos dias, vinha a notícia (Folha de S.Paulo, 7/3) de que um grupo de jovens cientistas no Japão desenvolvera método para transformar uma microalga em suco e biscoito – e com isso a empresa dona dos direitos do conhecimento abrira seu capital na Bolsa de Tóquio e seu valor imediatamente chegara a US$ 1 bilhão; suas vendas em um ano chegaram a US$ 28,5 bilhões. Agora estudam caminhos para produzir, a partir da mesma microalga, cosméticos, fertilizantes “e até combustível de avião”. A partir de uma única espécie da biodiversidade.

O pensamento vai para o início da década de 1980, quando o autor destas linhas gravou o documentário Amazonas, a pátria da água, com roteiro do poeta Thiago de Mello. Saímos de Manaus pelo Rio Amazonas num barco, entramos pelo Rio Nhamundá e algumas horas depois chegamos a um lugar chamado pelos moradores das redondezas de Lago da Serra do Espelho da Lua – um lago coberto de flores brancas, únicas por ali, o primeiro lugar que a Lua banhava com seus raios em noites de plenilúnio, quando surgia atrás da montanha. E, diziam eles, esse era o lugar em que as amazonas se banhavam. Da janela do barco, noite mais alta, era possível olhar e ver ao redor 360 graus de estrelas e de Lua, no céu e na água.

A parada seguinte foi na aldeia dos índios maués, que haviam sido os descobridores das propriedades alimentares do guaraná nativo, conhecimento que transmitiram aos portugueses no século 17, sem nada receber por isso. Quanto vale hoje na indústria de refrigerantes esse conhecimento sobre a biodiversidade, que, segundo os maués, lhes foi transmitido pelo deus que os criou? (É o que está em discussão hoje no projeto de acesso a recursos genéticos e a seu conhecimento por povos indígenas e tradicionais.) Ali, entre os maués, documentamos o ritual da tucandeira, em que jovens dançam, num ritual de passagem, com a mão enfiada numa luva de palha onde foram colocadas centenas de formigas tucandeiras enfurecidas.

Tudo isso faz parte do modo de vida, que inclui o conhecimento da biodiversidade. E este é fundamental, como lembra o biólogo Rômulo Batista, da Companhia da Amazônia, do Greenpeace Brasil (Ecológico, fevereiro de 2015)): “O desmatamento da Amazônia é uma das possíveis explicações para essa preocupante escassez de águas no Sudeste. Devemos nos mobilizar e exigir dos nossos representantes que o Desmatamento Zero seja transformado em lei. Sem floresta não tem chuva”. E o desmatamento “aumenta as incertezas e os riscos para a produção de alimentos, seja perto ou longe das áreas desmatadas, em função das mudanças de temperatura e da alteração nos regimes de chuva.”

Mas seguimos fazendo de conta que não sabemos disso, nem de outras graves questões da perda da biodiversidade. Não continuamos a derrubar a floresta para abrir pastagens? Não continuamos a avançar, além do desmatamento, com hidrelétricas como a de Belo Monte, que exigirá a abertura de um canal de 100 km e está custando R$ 30 bilhões (Miriam Leitão, 7/3), mas em certos momentos não conseguirá gerar mais que mil megawatts, embora a propaganda diga que serão 11 mil megawatts?

E assim vamos. Este último projeto está ainda envolvido na Operação Lava Jato, em que dirigentes de empreiteira disseram que pagaram R$ 100 milhões a partidos políticos pela aprovação do contrato. Também por lá o Ministério Público Federal pede à Justiça que suspenda a licitação para concessão de manejo nas florestas públicas amazônicas de Itaituba I e II, porque contraria exigências legais – da mesma forma que outros projetos como esse, onde já foram constatadas irregularidades graves.

Quando aceitaremos que tudo está relacionado com tudo – como vemos inclusive agora, na notícia (Geophysical Research Letters, 24/2) de que um satélite da Nasa calculou em 27,7 milhões de toneladas anuais a quantidade de fósforo – essencial para a Floresta Amazônica – que é transportada em poeira do Deserto do Saara que atravessa o Atlântico, trazida pelos ventos?

Sempre será tempo.

* Washington Novaes é jornalista.

 

Bahia sedia encontro mundial sobre certificação de florestas

http://envolverde.com.br/noticias/bahia-sedia-encontro-mundial-sobre-certificacao-de-florestas/ 


por Redação do EcoD

Foto: Agustin Rafael Reyes

 

Em todo o mundo, as florestas têm sido desmatadas em um ritmo alarmante: mais de cinco milhões de hectares por ano. Para agravar a situação, o comércio de madeira ilegal é um importante elo dessa cadeia nefária, pois provê os recursos necessários que financiam esse desmatamento.

Na soma de esforços para minimizar esses impactos, a cúpula mundial que trabalha na construção da Norma Florestal ISO 19.228 se reunirá entre os dias 16 a 20 de março na capital baiana para discutir, minuciosamente, os padrões internacionais e princípios mundiais da certificação florestal.

Para o evento, que é capitaneado pela Associação Brasileira de normas Técnicas (ABNT), foi programada uma agendade reuniões que englobam debates acerca de temas variados, tais como: manejo florestal, legalidade e procedência da madeira comercializada, inclusão de pequenos produtores no contexto da norma, mecanismos de controle, gerenciamento de fornecedores, entre outros.

Nas reuniões, que serão realizadas à portas fechadas, estarão presentes mais de 50 representantes das principais economias mundiais interessadas na produção e no comércio responsável de madeira – norma florestal 19.228, que prenuncia impactar diretamente todos os produtores, distribuidores e revendedores de produtos florestais.

Em regiões como América Latina, Sudeste Asiático e África, por exemplo, estima-se que o impacto seja ainda maior, pois são regiões com baixo percentual de produtos florestais com rastreabilidade.

Impactos da norma

Em última análise realizada pelo comitê mundial, se chegou à conclusão que o consumidor final será o grande beneficiário dessa empreitada, uma vez que ao comprar um produto de uma empresa certificada na norma, ele terá a garantia de que a madeira tem uma origem legal, e que sua compra não está contribuindo para a destruição das florestas.

“Ela beneficia a coletividade. Empresas, governos ou membros da sociedade civil organizada estão ávidos por poderem contribuir com a proteção florestal e o bem-estar social, mas a grande maioria não sabe como, e é exatamente aí que a ISO Florestal se encaixa perfeitamente”, esclarece jorge Cajazeira, chairman mundial da ISO 19.228 e presidente do Sindicato das Indústrias de Papel, Celulose, Papelão, Pasta de Madeira para Papel e Papelão no Estado da Bahia (Sindpacel).

Cajazeira esclarece ainda que o setor privado tem um papel fundamental na conservação das florestas em todo o mundo e que é por meio do uso responsável dos recursos florestais que o setor poderá usar a força econômica como instrumento de proteção ambiental.

Empresas líderes

“As empresas líderes já enxergaram essa tendência e já se articularam 20 anos atrás quando criaram os primeiros sistemas de certificação voluntários. Agora essa tendência chega para todas as empresas, e aquelas que ficarem de fora certamente enfrentarão dificuldades crescentes para comercializar seus produtos, no Brasil e no exterior”.

Trocando em miúdos, a lógica parece bastante simples: aqueles países que possuem a certificação poderão estabelecer relacionamentos comerciais de melhor qualidade. “Afinal, potenciais clientes terão mais segurança ao saber que a ISO certifica a empresa produtora de madeira. Ou seja, comprovando que não é madeira extraída ilegalmente ou traficada”, afirma a advogada especialista em direito ambiental do Rusch Advogados, Erica Rusch.

Este será o terceiro encontro que ocorre para discussões sobre a estruturação da ISO Florestal, que promete ser uma importante ferramenta de apoio para que as empresas possam atender as legislações e facilitar o comércio entre países do Hemisfério Sul, tais como o Brics (Brasil, Rússia, China, Índia e África do Sul). As reuniões anteriores ocorreram no ano de 2014 nas cidades de Berlim e Paris, e as próximas estão previstas para Londres e Estocolmo.

* Publicado originalmente no site EcoD.