
Interior de uma fábrica industrial de pão em Saint-Vulbas (Ain), 18 de janeiro de 2024.
OLIVIER CHASSIGNOLE/AFP
19 nov 2025
[Nota do Website: Hoje publicamos dois materiais que tratam de alimentos ultraprocessados. Eles se complementam. Esse, abaixo, é do Le Monde e o seguinte é do The Guardian. Para se compreender o que eles expressam, é importantíssimo que se leia antes o artigo do New York Times de 2013, ‘A Extraordinária Ciência de Viciar em Junk Food‘, publicado por nosso website, quando é relatado o que acontece em 1999. Nesse ano acontece um encontro entre os CEOs da corporações da época que dominavam a produção desses ‘alimentos’, com seus cientistas. Foi demonstrado, cientificamente, o mal que vinham causando à população. Eles recusaram mudar seu modo de fabricação porque não queriam perder os lucros dos acionistas e os seus próprios. A seguir a matéria demonstra como a ‘ciência’ criou esses alimentos. É aterrador! Mostra que essas corporações realmente eram e continuam sendo criminosas e cruéis com a população desinformada e que hoje compra no comércio de ocasião, os supermercados e agora os famigerados ‘Atacadões’. É aí que imperam os ultraprocessados. A população pensando que compra mais barato, simplesmente o que compra troca por sua saúde. Lamentável!].
Obesidade, diabetes, depressão… Pesquisadores, na revista “The Lancet”, estabelecem o estado atual do conhecimento sobre esses produtos e apelam às autoridades públicas para que tomem medidas em prol da saúde pública.
A crescente presença de alimentos ultraprocessados (AUPs) nas dietas representa uma ameaça global, e as evidências de seus efeitos nocivos são suficientemente robustas para justificarem políticas públicas ambiciosas para reverterem essa tendência, de acordo com uma série de artigos publicados na quarta-feira, 19 de novembro, na revista The Lancet. Cerca de 40 pesquisadores internacionais resumem o estado atual do conhecimento sobre esses alimentos e delineiam uma lista de medidas que poderiam interromper sua disseminação e reduzirem o impacto das doenças associadas. Entre 2009 e 2023, o mercado global cresceu de US$ 1,5 trilhão para US$ 1,9 trilhão (de € 1,3 trilhão para € 1,64 trilhão).
Difícil de identificar para os consumidores, os alimentos ultraprocessados são produzidos por meio de processos físico-químicos que alteram a textura, o sabor e o prazo de validade dos alimentos crus. Geralmente contêm aditivos (emulsificantes, adoçantes, realçadores de sabor, conservantes, nitritos, açúcar invertido, etc.) que não são utilizados na culinária tradicional. Produtos muito semelhantes podem ou não pertencer a essa categoria, dependendo do método de preparo. Exemplos incluem cereais matinais, sobremesas lácteas, nuggets e carnes processadas, sopas desidratadas, molhos, biscoitos industrializados, refrigerantes, etc.
Para distinguir entre os alimentos ultraprocessados de outros produtos, os consumidores podem usar aplicativos como o Open Food Facts: na escala de processamento de alimentos mais utilizada – conhecida como “classificação NOVA” – o quarto e último nível é o dos alimentos ultraprocessados.
Essa classificação é usada por pesquisadores para avaliar os efeitos desses alimentos na saúde. O primeiro artigo da série publicada no Lancet realiza, portanto, uma revisão sistemática de estudos observacionais disponíveis. “Identificamos 104 publicações que comparam a ocorrência de doenças em pessoas que consomem mais alimentos ultraprocessados (AUPs) com aquelas que consomem menos“, resume Mathilde Touvier (Inserm), diretora da equipe de pesquisa em epidemiologia nutricional. “Entre esses estudos, 92 indicam uma associação entre o consumo de AUPs e o risco de doenças“, explica a pesquisadora, que co-liderou o primeiro estudo da série.
Os autores compilaram e analisaram esses dados com base nos efeitos observados. A lista é extensa: entre os mais e os menos expostos a alimentos ultraprocessados (AUPs), os riscos de doença de Crohn (uma doença intestinal) aumentam em aproximadamente 90%, obesidade abdominal em 33%, dislipidemia (níveis excessivamente altos de lipídios no sangue) em 26%, depressão em 23%, doença renal crônica em 22% e obesidade em 21%. Entre as consequências mais bem estabelecidas, a mortalidade por todas as causas foi examinada em vinte estudos, que convergiram para um aumento de 18%. Diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e hipertensão aumentam em proporções semelhantes. “Alguns tipos de câncer, como o colorretal, também parecem ser favorecidos pelos AUPs, mas a associação ainda não foi estabelecida com o mesmo nível de evidência“, explica a Sra. Touvier.
Uma diversidade de mecanismos em ação
Os pesquisadores não se limitaram a compilar os estudos observacionais disponíveis. Eles também inventariaram os resultados dos poucos ensaios clínicos disponíveis, que indicam que, mesmo após algumas semanas, o metabolismo, a fertilidade masculina e o ganho de peso são alterados por dietas ultrarrápidas (DURs), às vezes com ingestão calórica constante: as DURs não apenas promovem uma maior ingestão calórica (principalmente devido à interferência nos mecanismos de saciedade), mas também parecem ser prejudiciais por si só, independentemente do seu teor de gordura e açúcar.
Outros estudos, sintetizados pelos pesquisadores, sugerem uma diversidade de mecanismos em ação, que sustentam a relação causal entre o alimento ultraprocessado e doenças crônicas: presença de contaminantes devido a plásticos e materiais de embalagem, ou mesmo aos próprios processos de fabricação, presença de aditivos (adoçantes, emulsificantes, conservantes, etc.) que alteram a microbiota intestinal ou o fator inflamatório, etc.
“A continuidade da pesquisa é importante, mas nossa mensagem é que não é necessário ter provas definitivas, nem elucidar todos os mecanismos envolvidos, para tomar medidas de saúde pública”, afirma o epidemiologista Bernard Srour (Inrae), coautor da análise. “Já sabemos o suficiente para agir.”
Que políticas públicas devem ser implementadas? O segundo artigo da série da Lancet reúne uma ampla gama de medidas avaliadas por pesquisas. Estas incluem soluções de rotulagem, restrições ao marketing e à publicidade, ao espaço nas prateleiras destinado a alimentos ultraprocessados (AUPs) em supermercados e à disponibilidade de AUPs em escolas e serviços de alimentação institucional, etc. Os pesquisadores por trás do Nutri-Score sugerem, por exemplo, que o conhecido logotipo seja aprimorado com um fundo preto para indicar o ultraprocessamento do produto, além de sua composição estrita.
Um setor muito lucrativo
“A ideia, no entanto, não é focar apenas na informação ao consumidor, que não é responsável pela situação”, diz o Sr. Srour. “Trata-se também de mudar o ambiente alimentar em que as pessoas vivem.”
Os autores também sugerem restrições regulatórias à autorização e à quantidade de aditivos. Eles apontam que o comércio de alimentos ultraprocessados (AUPs) é mais lucrativo do que outros canais de produção de alimentos e que medidas corretivas poderiam ser implementadas – por exemplo, por meio de mecanismos de redistribuição para beneficiar os produtores de alimentos mais saudáveis.
No artigo mais recente da série publicada na revista Lancet, pesquisadores exploram as barreiras erguidas pela indústria para desacelerar ou impedir a ação política, influenciar a percepção do público e dos formuladores de políticas e até mesmo impactar a produção de conhecimento.
A gama de meios empregados pela indústria agroalimentar é considerável, explica Mélissa Mialon (Inserm), coautora da terceira síntese: “Financiamento de grupos de fachada, partidos ou figuras políticas, apoio maciço a pesquisas diversionistas, instauração de ações judiciais para se opor a regulamentações, intimidação de pesquisadores ou jornalistas, ou marketing que retrata [essas indústrias] como empresas preocupadas com a saúde pública, por exemplo, através da promoção de valores ligados ao esporte”.
Um dado ajuda a compreender a dimensão desse poder. “Em 2024, a Coca-Cola, a PepsiCo e a Mondelez [Oreo, Milka, Cadbury, LU, etc.] gastaram 13,2 mil milhões de dólares em publicidade“, escrevem Mélissa Mialon e os seus coautores, “quase quatro vezes o orçamento operacional da Organização Mundial da Saúde.”
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2025