Agrotóxico: A Syngenta passou décadas tentando acalmar as preocupações de saúde sobre seu herbicida lucrativo.

Parquat Syngenta

ilustração de Lauren Cross, Investigate Midwest

https://investigatemidwest.org/2024/10/23/herbicide-paraquat-sygenta-legal-troubles-parkinsons-disease-health-claims-lawsuits/

Evy Lewis, Investigate Midwest

23 de outubro de 2024

[NOTA DO WEBSITE: Uma matéria longa porque nos demonstra o que resultou, em caso exemplar, o que foi a criminosa prática meritocrata das corporações petroagroquímicas. E essa história já começa há mais de 50 anos (!!!) lá no Reino Unido, passando pelos EUA, Suíça e se espraia pelo Planeta. E por que criminosa? Porque estas ‘dúvidas’ de que o veneno afetava o sistema nervoso central já vinha sendo sabido desde os tempos idos do Reino Unido, e se havia algum questionamento, pouco importava. O que todos deveriam fazer, era escamotear e esconder possíveis efeitos, que vieram se tornar inquestionáveis no tempo, desde que não colocasse em questão o ‘dinheiro’ a ser ganho com a miséria alheia. Este é o fundamento do supremacismo branco eurocêntrico, além de antropocêntrico, e que vige no seio do capitalismo indigno e cruel que esta visão de mundo gera! E sabem porque sabemos isso tudo hoje? Porque é no coração deste mundo criminoso que estão se desdobrando os efeitos destes venenos. Enquanto eles estavam ‘perdidos’ pelos mundos das ex colônias pouco importava. E o exemplo mais emblemático desta postura pouco ‘cristã’, é a dioxina da guerra fraticida do Vietnã. Só quando apareceu nos veteranos e explode uma fábrica no norte da Itália, que este envenenamento não intencional da dioxina, teria mostrado sua face. Antes não!].

Um ex-fazendeiro da Flórida que luta contra a doença de Parkinson reflete sobre anos de uso de paraquat, enquanto milhares de processos judiciais alegam que o herbicida contribuiu para sua doença e novos documentos lançam luz sobre a luta legal em andamento.

Em 2004, John Platt e sua esposa compraram em torno de 15 hectares de florestas intocadas na região da chamada ‘Panhandle‘ (nt.: zona que tem o formato de um cabo de frigideira à oeste do estado) da Flórida. Ao transformá-los em uma fazenda de cavalos, eles derrubaram árvores e removeram a vegetação rasteira com o herbicida paraquat. Até 2012, Platt pulverizou o poderoso herbicida por vários dias seguidos a cada ano, manualmente.

Quando Platt comprou a terra, ele pesava cerca de 190 libras, ele disse. Agora, enquanto luta contra a doença de Parkinson, ele caiu para menos de 90 quilos. Seus sintomas, ele disse, são incessantes. Ele tem tremores, dificuldade para lembrar palavras e fadiga severa. Ele culpa o paraquat. 

“Agora sabemos que isso teve um impacto significativo na minha vida”, disse Platt. “Não teríamos continuado a usá-lo se soubéssemos o impacto que isso teria.”

Platt é uma das aproximadamente 6.000 pessoas que estão processando a Syngenta, que vende paraquat sob o nome comercial Gramoxone. Eles alegam que o herbicida popular levou à doença de Parkinson, uma condição que destrói as funções motoras. A Syngenta, uma das maiores empresas químicas do mundo, contestou as alegações (nt.: um empresa agroquímica que era primeiramente suíça, mas foi vendida para o capital chinês). Ao longo dos anos, a empresa sustentou que não há conexão entre paraquat e doença de Parkinson.

No entanto, milhares de páginas de registros divulgados em litígios e relatados pela primeira vez pelo The Guardian mostram que os próprios cientistas da empresa determinaram que o paraquat tinha o potencial de danificar o cérebro e o sistema nervoso já na década de 1950 (nt.: destaque em negrito dado pela tradução para demonstrar que mesmo ainda suíça, já era do conhecimento da corporação dos efeitos maléficos que o veneno causa e que ficaram em silêncio por estes mais de 70 anos. Esse veneno foi muito usado no Brasil, mas foi proibido somente em 09.2020, já que a Anvisa reconheceu por ‘evidências científicas que associam o agrotóxico à doença de Parkinson e a danos irreversíveis no genoma). 

Documentos adicionais, também relatados pela primeira vez pelo The Guardian, mostraram que, à medida que aumentavam as evidências de uma conexão entre a exposição ao paraquat e a doença de Parkinson, a Syngenta tentou desacreditar cientistas críticos e limitar a disseminação de informações que poderiam ameaçar as vendas de paraquat (nt.: nunca esquecer que a empresa ainda suíça, sob a denominação de Novartis, comercializava outro herbicida fatídico, a atrazina – ver os link, link, link) .

“Devido possivelmente à boa publicidade de nossa parte, muito poucas pessoas aqui acreditam que o paraquat causa qualquer tipo de problema no campo e temos o apoio do lado oficial”, escreveu um toxicologista da empresa antecessora da Syngenta a um toxicologista da Chevron em 1975, em resposta às primeiras preocupações sobre os impactos de longo prazo do paraquat na saúde.

JR Walking Horse Ranch em Milton, Flórida, abril de 2022. foto fornecida por John Platt

Documentos judiciais mostram que, ao longo de mais de cinco décadas no mercado, a Syngenta optou por não dar seguimento a pesquisas iniciais que sugeriam que o paraquat era neurotóxico, fez lobby para manter um importante pesquisador de paraquat fora de um painel da EPA e manteve silêncio sobre os resultados de seus próprios estudos quando eles pareceram desfavoráveis ​​à empresa.

A Syngenta é uma empresa internacional sediada em Basel, Suíça, e de propriedade da Sinochem, um conglomerado estatal chinês (nt.: destaque em negrito dado pela tradução). É uma das maiores empresas químicas agrícolas do mundo, com uma participação de mercado maior do que seus principais concorrentes: Bayer, Corteva e BASF (nt.: negrito dado pela tradução). A Syngenta tem mais de 30.000 funcionários e relatou US$ 19,1 bilhões em vendas em 2023.

A Syngenta não respondeu a vários pedidos de comentários ao longo de várias semanas. Em seu site, ela disse que a ciência não apoia uma conexão entre a exposição ao paraquat e a doença de Parkinson, e que é vítima de uma “Máquina de Tortura em Massa” de advogados de demandantes tentando “enriquecer a si mesmos” garantindo acordos (nt.: vale destacar o cinismo da corporação em seu vitimismo). 

Em 2021, a EPA concluiu uma revisão de uma década sobre os riscos do paraquat para a saúde humana e o reaprovou para venda. A decisão da EPA concluiu que “o peso da evidência era insuficiente” para vincular o paraquat à doença de Parkinson. Depois de ser contestada no tribunal em maio de 2022 por um grupo de organizações sem fins lucrativos, a EPA concordou em reconsiderar sua decisão, um processo que levará até janeiro de 2025 para ser concluído. 

Legisladores estaduais e federais tentaram proibir o herbicida. A deputada da Califórnia Laura Friedman apresentou um projeto de lei neste ano que, se aprovado, exigiria que o estado reavaliasse o paraquat para determinar se ele deveria ser proibido.

Friedman disse que quer que a EPA tenha um papel mais ativo na regulamentação de agrotóxicos. 

“Vimos nossas agências federais em um modo muito mais reativo, esperando que as pessoas fiquem doentes, esperando por anos e anos de evidências de danos reais sendo causados ​​antes de agirem”, ela disse. “Outros países não operam dessa forma.” 

No nível federal, o senador Cory Booker apresentou um projeto de lei em 2023 que proibiria o uso de paraquat, entre outras disposições que restringem o uso de agrotóxicos. No entanto, ele não fez nenhum movimento no Congresso desde sua introdução.

O paraquat é proibido em mais de 60 países, incluindo o Reino Unido, a União Europeia, a China (nt.: observe-se o cinismo: é proibido na China, país que detém o controle acionário da empresa!!) e o Brasil. No final de 2022, o paraquat foi removido do mercado canadense. 

É difícil avaliar quanto paraquat é usado nos EUA hoje. A decisão da EPA disse que foi um dos herbicidas mais amplamente usados ​​no país de 2014 a 2018, de acordo com os dados mais recentes disponíveis. A quantidade de paraquat pulverizada em todo o país aumentou significativamente durante esse período, de acordo com estimativas do US Geological Survey

O paraquat é usado principalmente nas três principais culturas comerciais dos EUA: milho, soja e algodão. Assim como o dicamba, o paraquat ganhou popularidade quando ervas daninhas resistentes ao glifosato, o princípio ativo do produto comercial ‘Roundup’, se tornaram um problema comum para os agricultores. 

“Vimos nossas agências federais em um modo muito mais reativo, esperando que as pessoas fiquem doentes, esperando anos e anos de evidências de danos reais sendo causados ​​antes de agirem… Outros países não operam dessa forma.” Laura Friedman, membro da Assembleia da Califórnia

Em junho de 2021, os milhares de casos que demandantes como Platt moveram contra a Syngenta foram combinados em um processo federal no Distrito de Southern Illinois, e o caso está em andamento. Os procedimentos do julgamento, originalmente agendados para novembro de 2022, foram repetidamente adiados.

Sarah Doles, advogada de Platt e co-advogada principal dos demandantes, disse que se preocupa com os custos humanos: seus clientes são idosos com problemas de saúde. Muitos demandantes, ela disse, morreram sem ver seus casos resolvidos. 

“Esses clientes realmente querem contar suas histórias e contá-las enquanto podem”, ela disse, “porque estão perdendo a capacidade de fazer isso”.

1955 – 1979 — ‘Um problema crescente’

O potencial do paraquat como herbicida foi descoberto em 1955 na Imperial Chemical Industries, ou ICI, uma empresa química britânica que mais tarde se tornaria a Syngenta (nt.: na verdade, a Syngenta surge da fusão de indústrias suíças que depois é comprada pelo capital chinês. Já a ICI passa por toda uma transformação conforme o link). 

Três anos depois, antes que o paraquat fosse vendido comercialmente, um cientista da divisão médica do ICI escreveu a um toxicologista de alto escalão que um produto químico então chamado de 2,2′dipiridil-paraquat — parecia ter “uma toxicidade moderada, afetando principalmente o sistema nervoso central”, ou o cérebro e a medula espinhal, de acordo com registros judiciais. 

Carta de JC Gage (nt.: para acessar todo o documento, clicar nesse link que aparecerá em PDF)

Em 1965, a ICI firmou um acordo com a Chevron, gigante do petróleo e gás, para vender paraquat nos EUA. A Chevron permaneceu como distribuidora do herbicida nos EUA pelas duas décadas seguintes.

A toxicidade aguda do paraquat foi estabelecida cedo. A exposição direta ao paraquat, como por meio da ingestão, pode causar sérios danos aos órgãos e morte. Suicídios e mortes acidentais foram relatados logo após o lançamento do paraquat. No entanto, acreditava-se que o produto químico era geralmente seguro, desde que a exposição direta fosse evitada.

No ano seguinte ao lançamento do paraquat nos EUA, um estudo científico feito por três cientistas do ICI estudou os efeitos do paraquat em ratos. Os autores escreveram que, a julgar pelos sintomas que viram, o paraquat pareceu afetar o sistema nervoso central dos animais.

A EPA e a Syngenta disseram que os resultados de estudos com animais sobre paraquat não são relevantes para os níveis de exposição diários de trabalhadores que usam o produto químico, em parte porque grandes quantidades de paraquat são injetadas nos animais de teste na maioria dos estudos. 

Em uma atualização da EPA sobre sua decisão sobre paraquat divulgada em janeiro, a agência disse que a injeção não era considerada um “caminho relevante” para exposição em trabalhadores. Eles provavelmente inalariam o produto químico, lamberiam-no dos lábios ou o colocariam na pele, geralmente em quantidades muito pequenas.

Em 1968, uma mulher no Japão morreu após consumir paraquat, e o ICI testou amostras de tecido de seu corpo. Paraquat residual foi encontrado em seus rins, pulmões, fígado e cérebro. Ken Fletcher, um médico do ICI, escreveu que os níveis encontrados eram “um pouco mais altos do que esperávamos, particularmente no cérebro, considerando a quantidade relativamente pequena que foi tomada”. 

FletcherParaCartaKaneda (nt.: para acessar todo o documento, clicar nesse link que aparecerá em PDF)

Com base em um estudo de 1967 sobre pulverizadores de paraquat da Malásia, o ICI sabia que o paraquat poderia entrar no sangue dos trabalhadores durante o trabalho com ele, de acordo com registros judiciais. Outro estudo do ICI com roedores em 1973 reconfirmou que, pelo menos em camundongos, uma vez que o paraquat estava no corpo, ele poderia entrar na espinha e no cérebro. 

Mas por quanto tempo o paraquat poderia permanecer no cérebro e quais danos ele poderia causar permaneceram sem investigação durante anos.

Um dos primeiros casos de autoridades públicas levantando preocupações sobre a segurança a longo prazo do paraquat ocorreu no início da década de 1970. Autoridades estaduais da Califórnia questionaram os potenciais efeitos crônicos à saúde decorrentes da exposição ao paraquat no local de trabalho. 

Em uma carta de agosto de 1974, o toxicologista chefe da Chevron, Richard Cavalli, escreveu que havia falado com um médico que havia identificado o que ele chamou de “síndrome do paraquat” naqueles repetidamente expostos ao herbicida. A síndrome consistia em uma série de sintomas que iam de fortes dores de cabeça a aperto no peito. 

No ano seguinte, Cavalli escreveu ao ICI que várias pessoas que trabalharam com paraquat alegaram danos permanentes ao sistema nervoso central causados ​​pelo paraquat, incluindo um homem que desenvolveu uma lesão espinhal. Tais alegações, ele escreveu, pareciam ser “um problema crescente na área de litígios”. 

1980 – 1999 — ‘Profundamente conscientes da nossa dependência do paraquat’

Na década de 1980, a toxicidade do paraquat estava gerando manchetes. Um artigo de 1983 da Science Digest citou vários médicos que disseram que o paraquat era uma séria ameaça à saúde. O artigo, que listou vários casos de mortes acidentais por paraquat em vários países, disse que muitos alegaram que o paraquat estava “fora de controle”. 

Em um caso, um jardineiro da Flórida acidentalmente se borrifou. Um pouco de paraquat caiu em sua camisa e em sua boca. Ele lavou as mãos e o rosto e voltou ao trabalho, mas foi levado às pressas para o hospital cinco dias depois. No final das contas, ele morreu após dois meses e meio de tentativas de salvar sua vida. Um transplante de pulmão não deu certo.

Então, os cientistas começaram a suspeitar de uma ligação entre a exposição ao paraquat e a doença de Parkinson.

A conexão potencial foi teorizada pela primeira vez devido à similaridade química do paraquat com o MPTP. O MPTP é um subproduto da fabricação de heroína sintética conhecido por produzir sintomas quase instantâneos de Parkinson. 

Em março de 1985, um gerente de pesquisa do ICI, de acordo com os registros do tribunal, escreveu: “O paraquat é nosso principal produto agora e continuará sendo um dos nossos principais produtos por muitos anos. Tenho certeza de que todos nós estamos profundamente cientes de nossa dependência do paraquat. Então, cabe a nós fazer o que for possível para: Ampliar e defender os mercados de paraquat por meio de abordagens inovadoras de pesquisa, desenvolvimento e marketing.”

Carta de Akhavein (nt.: para acessar todo o documento, clicar nesse link que aparecerá em PDF)

No mesmo ano, o neurologista canadense André Barbeau publicou a primeira evidência epidemiológica de uma conexão entre paraquat e Parkinson. Ele encontrou um alto nível de correlação entre o uso de paraquat e o diagnóstico da doença de Parkinson em regiões de Quebec. 

O presidente aposentado da Chevron, R. Gwin Follis, escreveu ao então presidente da Chevron sobre o estudo de Barbeau, alertando-o sobre os perigos potenciais de vender um produto ligado a uma doença crônica:

“Como não queremos correr o risco de enfrentar uma situação de amianto no futuro, tenho certeza de que seu pessoal está acompanhando esse aspecto do assunto mais de perto”, escreveu Follis. “No entanto, pensei em passar isso a você, pois não consigo pensar em nada mais horrível para legarmos aos nossos sucessores do que um problema de amianto.”

No ano seguinte, em 1986, a ICI e a Chevron encerraram sua parceria de distribuição. Quando contatada para comentar, a Chevron, que agora é envolvida em alguns dos processos contra a Syngenta, disse que nunca fabricou paraquat e não deve ser responsabilizada. “Apesar de centenas de estudos conduzidos nos últimos 60 anos, o consenso científico é que o paraquat não demonstrou ser uma causa da doença de Parkinson”, declarou a empresa por e-mail.

Um ano após a separação, um neurologista afiliado à Universidade de Miami relatou um estudo de caso de um homem de 32 anos que trabalhou com paraquat por 15 anos. Ele desenvolveu doença de Parkinson de início muito precoce. 

Ao longo da década de 1990, a ICI passou por uma sucessão de fusões e cisões corporativas, que culminaram na criação da Syngenta como uma corporação sediada na Suíça em 2000. Agora, ela é de propriedade do conglomerado chinês Sinochem.

2000 – 2009 — ‘Estratégia de influência científica’

No novo milênio, a Syngenta começou a defender o paraquat contra o crescente escrutínio científico de sua potencial conexão com o Parkinson. Em 2000, criou um site “Paraquat Information Center”, paraquat.com. Na mesma época, a Syngenta estabeleceu uma meta de vendas ambiciosa. Em 2010, a empresa queria vender US$ 1 bilhão em paraquat, de acordo com as atas de uma reunião de 2001 do Conselho de Ciência e Tecnologia da empresa. 

Uma preocupação para a Syngenta foi a pesquisa de Deborah Cory-Slechta, uma pesquisadora da Universidade de Rochester em Nova York. No início dos anos 2000, os estudos de Cory-Slechta descobriram que administrar paraquat a camundongos causava morte celular em uma parte específica do cérebro chamada substância negra. A perda de células cerebrais nessa parte do cérebro causa os sintomas motores característicos do Parkinson. (Cory-Slechta não retornou solicitações de comentários.)

Em junho de 2003, em uma reunião da equipe de desenvolvimento regulatório da Syngenta para paraquat, os funcionários definiram uma “estratégia de influência científica”, que incluía a publicação de pesquisas internas para aumentar sua própria credibilidade e o objetivo de influenciar o trabalho futuro de pesquisadores externos, de acordo com atas de reunião apresentadas nos registros do tribunal. 

Uma regra que governava a pesquisa interna da Syngenta era evitar medir os níveis de paraquat no cérebro. A detecção de qualquer quantidade de paraquat no cérebro, “não importa quão pequena”, não seria “percebida externamente de forma positiva”, de acordo com um slideshow interno.

Atas de uma reunião de junho de 2003 da equipe de desenvolvimento regulatório da Syngenta para paraquat, na qual a “estratégia de influência científica” da empresa foi apresentada, estavam entre os documentos judiciais não lacrados. Na página 27 do documento, um slide observa que a estratégia de pesquisa interna da Syngenta incluía evitar medir os níveis de paraquat no cérebro (nt.: para acessar todo o documento, clicar nesse link que aparecerá em PDF)

Essa pesquisa interna, na época, era liderada por uma cientista chamada Louise Marks. Marks não retornou solicitações repetidas de comentários por meio de seu novo empregador, Regulatory Science Associates.

De acordo com documentos judiciais, em sua primeira tentativa, Marks não encontrou nenhum efeito do paraquat nos cérebros de camundongos, mas percebeu que a metodologia que havia usado estava desatualizada em comparação aos métodos de outros cientistas. Quando ela refez seu estudo com um método mais novo, descobriu que o paraquat realmente causou uma perda mensurável de células cerebrais. Ela tentou novamente, com os mesmos resultados: o paraquat mata células na parte do cérebro onde os sintomas de Parkinson se desenvolvem. 

Shawn Hayley, professor da Universidade Carleton, no Canadá, que realizou estudos semelhantes com paraquat em camundongos, disse que o paraquat mata até um terço das células cerebrais na substância negra. 

A Syngenta disse em seu site que “rejeita as alegações de uma relação causal entre o paraquat e a doença de Parkinson porque não são apoiadas por evidências científicas”. A doença de Parkinson é anterior à venda do paraquat, e mutações genéticas são a única causa conhecida do Parkinson, disse a Syngenta. 

No entanto, Hayley disse que apenas cerca de um décimo de todos os casos de Parkinson podem ser atribuídos apenas a fatores genéticos. A vasta maioria é provavelmente causada por uma combinação mais difícil de rastrear de idade, vulnerabilidade genética e exposição a fatores ambientais, como toxinas, disse ele.

John Platt e sua esposa, Roxie Platt, em seu 21º aniversário de casamento. foto fornecida por John Platt

Embora uma relação causal direta não tenha sido e provavelmente não possa ser definitivamente provada em humanos, já que expor humanos intencionalmente ao paraquat para ver se eles desenvolvem Parkinson seria antiético, Hayley disse que os estudos em roedores mostram uma relação. 

“Vamos colocar desta forma, se camundongos e ratos não fossem relevantes para a condição humana, então toda a nossa ciência biomédica seria besteira”, disse Hayley. “Isso seria catastrófico. Literalmente bilhões e bilhões de dólares (de pesquisa) ao redor do mundo são feitos em camundongos e ratos todo ano. Você tem que dar esse salto.”

A Syngenta não publicou nem relatou à EPA os estudos de Marks mostrando uma perda de células cerebrais. Em outubro de 2004, em uma conferência da Society for Neuroscience, Marks apresentou os resultados de seu estudo inicial, que não encontrou nenhuma mudança no número de células cerebrais. 

Quando contatado por e-mail, um porta-voz da EPA escreveu que, de acordo com a Lei Federal de Inseticidas, Fungicidas e Raticidas, as empresas têm “uma obrigação geral de enviar informações adicionais sobre os riscos ou benefícios de um produto e informações que a EPA pode acreditar que levantam preocupações sobre o registro contínuo de um produto”. 

O porta-voz disse que as empresas são especificamente obrigadas a notificar a EPA sobre os resultados de um estudo sobre a toxicidade de um agrotóxico se, “em relação a todos os estudos enviados anteriormente, eles mostrarem um efeito adverso”. A testemunha corporativa da Syngenta disse em depoimento que a empresa não precisava enviar os resultados do estudo de Marks à EPA porque não foi a primeira a encontrar esses resultados. 

Uma apresentação interna da Syngenta de 2005 reconheceu que os estudos de Marks confirmaram a perda de células cerebrais em camundongos. A apresentação listou alvos importantes para “influenciar” em relação à percepção pública da segurança do paraquat, incluindo o grupo de pesquisa de Cory-Slechta e um grande estudo financiado pelo governo no Reino Unido. 

Nos EUA, a Syngenta viu um problema. Cory-Slechta, que havia falado abertamente sobre suas preocupações com relação à potencial neurotoxicidade do paraquat, havia sido recentemente indicada para o Painel Consultivo Científico da FIFRA. O painel é composto por sete cientistas que aconselham a EPA sobre questões de saúde e segurança relacionadas a agrotóxicos. Os membros do painel não estão diretamente envolvidos na formulação de políticas. 

“O conselho deles é inestimável para a EPA, que se esforça para proteger o povo americano dos riscos representados pelos agrotóxicos”, escreveu o porta-voz da EPA em um e-mail.

A Syngenta queria manter Cory-Slechta fora do painel. Ela compilou comentários críticos ao seu trabalho, incluindo que ela “parece obstinada em acreditar que alguns agrotóxicos são um fator de risco primário para Parkinson” e que suas conclusões eram “na realidade especulação”. A Syngenta passou os comentários para a organização comercial nacional para fabricantes de agrotóxicos, CropLife America, para repetir à EPA. 

No e-mail enviado à CropLife, Greg Watson, membro da divisão regulatória da Syngenta, escreveu: “Gostaria de pedir que vocês tratem nossos comentários com cuidado e de forma que eles não possam ser atribuídos à Syngenta”. 

Por fim, Cory-Slechta não foi nomeada para o painel. O porta-voz da EPA escreveu na resposta por e-mail que, embora a agência considere comentários públicos ao selecionar candidatos, ela também considera muitos outros fatores, como a área de especialização e qualificações profissionais do cientista, e que comentários individuais não são considerados isoladamente. 

A Syngenta disse que rejeita qualquer alegação de que agiu de forma inapropriada em relação à nomeação de Cory-Slechta. A Syngenta não respondeu a um pedido de comentário da Watson. A CropLife America não respondeu a pedidos de comentário.

Em 2007, de acordo com os registros do tribunal, o chefe de ciência regulatória da Syngenta, Lewis Smith, compareceu a uma conferência de neurotoxicologia onde ouviu a neurologista Caroline Tanner apresentar dados de um estudo em andamento. Envolveu mais de 80.000 participantes, um dos maiores do gênero. Muitos eram trabalhadores rurais que foram expostos ao paraquat por anos. 

Os dados mais recentes de Tanner indicaram que a exposição ao herbicida aumentou o risco de doença de Parkinson. Smith se preocupou com o amplo acordo entre os cientistas de que fatores ambientais, e particularmente agrotóxicos, desempenharam um papel primário no desenvolvimento da doença.

Após a conferência, Smith escreveu em um e-mail para outros funcionários de alto escalão da Syngenta: “A menos que sejamos capazes de gerar novos dados sobre o mecanismo de toxicidade do paraquat no cérebro (…) não interromperemos ou muito menos reverteremos a percepção de que o paraquat contribui até certo ponto para a incidência da doença de Parkinson.” 

SmithEmail (nt.: para acessar todo o documento, clicar nesse link que aparecerá em PDF)

Em 2008, a Syngenta reavaliou internamente a segurança do paraquat. Em seu relatório, listou várias “principais fontes de incerteza”, incluindo a questão de quanto tempo o paraquat permaneceu no cérebro e a possibilidade de a morte das células cerebrais causada pela exposição ao paraquat progredir mesmo sem mais exposição.  

Apesar disso, a avaliação concluiu que as margens de segurança eram adequadas. O herbicida era, efetivamente, seguro quando usado conforme as instruções. 

2010 – 2012 — ‘Potencial para futura atividade jurídica’

Em 2010, o paraquat foi o segundo herbicida mais vendido no mundo, depois do glifosato, e representou US$ 400 milhões em vendas anuais para a Syngenta. A essa altura, a Syngenta enfrentava a concorrência de concorrentes que vendiam formulações genéricas de paraquat por preços mais baixos, e estava focada em proteger sua identidade de marca e participação de mercado.

A Syngenta organizou seu próprio estudo epidemiológico de ex-trabalhadores em quatro fábricas de produção de paraquat fechadas em Widnes, Inglaterra, com o objetivo de determinar se um número desproporcional havia morrido de Parkinson. O estudo, publicado em 2011, examinou apenas as causas listadas nas certidões de óbito dos trabalhadores. Nem os trabalhadores vivos com Parkinson nem os trabalhadores falecidos que podem ter tido Parkinson, mas morreram de outras causas, foram contados no estudo, de acordo com o depoimento dado por um dos autores do estudo. O estudo não encontrou aumento estatisticamente significativo em mortes por Parkinson.

Um periódico médico especializado no estudo de riscos no local de trabalho e saúde humana rejeitou o estudo de Widnes porque ele não examinou sujeitos vivos. Uma atualização de 2021, que a Syngenta cita em sua página dedicada ao paraquat, também usou apenas certidões de óbito.

A Syngenta considerou alertar os trabalhadores de Widnes de que estava conduzindo um estudo, mas decidiu não fazê-lo. Philip Botham, chefe de segurança de produtos da Syngenta, escreveu em um e-mail que “apesar das mensagens positivas de saúde na publicação, essa ação pode precipitar preocupação e o potencial para futuras atividades legais”.

Uma questão que tem sido levantada em litígios quando se trata da neurotoxicidade do paraquat é por quanto tempo ele permanece no cérebro humano depois de entrar. O paraquat normalmente entra no corpo dos trabalhadores rurais apenas em pequenas quantidades, mas se o paraquat que chega ao cérebro não for processado rapidamente e, em vez disso, se acumular lá, então essas muitas pequenas exposições podem se acumular e causar danos.

Em 2011, a Syngenta concluiu sua análise de uma coleção de amostras de tecido cerebral de macacos-aranha expostos ao paraquat. As amostras foram coletadas duas, quatro e oito semanas após a exposição. A quantidade de paraquat detectada não diminuiu ao longo do tempo. 

Isso indicou que o tempo que o paraquat permanece no cérebro de macacos sem se decompor ou sair do cérebro é de pelo menos seis semanas — o dobro do tempo em camundongos — e potencialmente muito mais. Em 2022, a testemunha corporativa da Syngenta disse que a empresa ainda não sabe quanto tempo o paraquat permanece no cérebro de primatas. Estudos em macacos são geralmente, embora nem sempre, considerados mais precisos do que outros estudos com animais quando se trata de prever resultados de saúde em seres humanos. 

A Syngenta considerou relatar essa descoberta à EPA, mas decidiu que as descobertas de paraquat remanescente nos cérebros de macacos “não representam um efeito adverso ou um precursor de um evento adverso” e, portanto, não atendiam aos requisitos para serem enviadas à EPA, de acordo com documentos judiciais.

Formulário PRF (nt.: para acessar todo o documento, clicar nesse link que aparecerá em PDF)

No mesmo ano, Tanner publicou os resultados de sua pesquisa de longo prazo sobre paraquat e Parkinson. Descobriu-se que trabalhadores agrícolas que pulverizaram ou estiveram perto de paraquat tinham 250% mais chances de desenvolver a doença de Parkinson. (Tanner não retornou pedidos de comentário.)

A resposta da Syngenta ao estudo de Tanner foi imediata. Ela postou no paraquat.com que os resultados do estudo eram potencialmente falhos porque não esclareceu se seus resultados eram baseados na incidência — o número de novos casos diagnosticados — ou na prevalência — o número total de casos em uma população em um dado momento.  

A Syngenta adquiriu os dados subjacentes do estudo de Tanner do National Institutes of Health por meio de uma solicitação do Freedom of Information Act e contratou uma empresa de consultoria para reanalisá-los com incidência especificamente em mente. A empresa confirmou que os dados continham números para incidência e prevalência de Parkinson. Ambos foram aumentados em 250%.

John Platt em maio de 2024. foto fornecida por John Platt

Hoje em dia — ‘Um dos mais sortudos’

Platt ainda é dono e mora no rancho que ele uma vez pulverizou com paraquat, embora sua capacidade de manter a propriedade tenha se deteriorado devido à sua doença. Sua esposa agora tem que fazer mais manutenção. Em um ponto, os Platts esperavam vender a propriedade para se mudar para uma casa menor e mais acessível para deficientes, mas os planos fracassaram. Platt teve que se aposentar mais cedo de seu trabalho como professor na Universidade da Flórida Ocidental devido à sua doença. 

“Eu entendo que sou um dos mais sortudos, porque tenho o benefício de uma educação e pude fazer um trabalho que não foi afetado pelo paraquat”, disse Platt.

Platt disse que quer programas para dar melhor suporte aos trabalhadores rurais, bem como fornecer terapia para aqueles com doença de Parkinson. E ele quer que o paraquat seja retirado do mercado. 

“Há muita raiva, na forma como me sinto”, disse Platt. “Acho que é triste que tenhamos um país que tem tanto e tira tanto.” https://datawrapper.dwcdn.net/T1pfI/3/

Nota do editor: Esta história foi atualizada com uma referência e link para a reportagem anterior do The Guardian sobre documentos relacionados ao produto herbicida da Syngenta e sua ligação com vários problemas de saúde. Uma versão anterior da história não pretendia alegar que nenhum documento estava sendo relatado pela primeira vez pelo Investigate Midwest.

Assim:

Declaração da fonte e da metodologia:

A reportagem para esta história foi baseada principalmente em uma parcela de milhares de páginas de documentos de um conjunto de casos movidos contra a Syngenta na Califórnia, JCCP 5031. Os documentos foram revelados pelo tribunal no ano passado. Incluídos nos documentos estavam comunicações internas da Syngenta/ICI que datam da década de 1950 e centenas de páginas de depoimentos da testemunha corporativa da Syngenta nos processos, Philip Botham, representando a empresa. Também li outros documentos, incluindo documentação sobre a renovação do registro do paraquat pela EPA. Entrei em contato com as partes interessadas nos procedimentos atuais e entrevistei um autor e um advogado do autor, bem como entrevistei um especialista científico sobre as causas ambientais do Parkinson e me correspondi com um porta-voz da EPA.

Citações e referências:

Entrevistas e Declarações

Laura Friedman: 26 de junho de 2024; John Platt: 28 de junho de 2024; Kevin Johnson: 17 de julho de 2024; Shawn Hayley: 24 de julho de 2024; Sarah Doles: 24 de julho de 2024.

Declaração por e-mail da Chevron :  29 de julho de 2024

Resposta por e-mail da EPA :  9 de agosto de 2024

Declaração de e-mail de acompanhamento da EPA,  28 de agosto de 2024.

Documentos e Relatórios 

Relatório financeiro da Syngenta 2023 

Relatório financeiro da Syngenta 2022

Estimativa de uso agrícola anual para paraquat , US Geological Survey 

Diário de Dados

“Paraquat: Um potente herbicida está matando pessoas”, Science Digest, 1983

Revisão da EPA: 

Documentos judiciais da Califórnia não lacrados:

  • Depoimento de Philip Botham, 25 de fevereiro de 2020
  • Depoimento de Philip Botham, 26 de fevereiro de 2020 
  • Depoimento de Philip Botham, 17 de junho de 2020 
  • Depoimento de Philip Botham, 15 de fevereiro de 2022 
  • Depoimento de Philip Botham, 16 de fevereiro de 2022 
  • Deposição de Clark Ouzts, 22 de junho de 2020 
  • Depoimento de Timothy Patterson, 4 de março de 2020 
  • Depoimento de Clive Campbell, 28 de fevereiro de 2022 
  • Carta de JC Gage, ICI, 13 de outubro de 1958, ( Anexo 22 )
  • “A toxicidade do paraquat”, Clark et. al., 1966, ( Anexo 24 )
  • Carta do Dr. Litchfield ao Dr. Swan, ICI
  • Carta de Ken Fletcher ao Sr. Kaneda, ICI, 21 de março de 1968 ( Anexo 27 )
  • Relatório sobre um suicídio de paraquat em 1966, 17 de fevereiro de 1968
  • Carta de RD Cavalli, 6 de agosto de 1974, Chevron ( Anexo 119 )
  • Carta de RD Cavalli, 9 de julho de 1975, Chevron ( Anexo 121 )
  • Carta de Ken Fletcher, 21 de julho de 1975, ICI ( Anexo 138 )
  • “Doença de Parkinson: uma causa ambiental?”, artigo na edição de 19 de julho de 1985 da revista ‘Science’
  • Correspondência da Chevron anexada à edição de 19 de julho de 1985 da revista ‘Science’
  • “A erosão é um mundo sujo”, artigo na edição de verão de 1985 da ‘Chevron World’
  • Carta de AA Akhavein, ICI, 7 de março de 1985 ( Anexo 32 )
  • Ata da reunião do Conselho de Ciência e Tecnologia da Syngenta, 19 de setembro de 2001
  • Ata da reunião da equipe de desenvolvimento regulatório do paraquat da Syngenta, 9 de junho de 2003 ( Anexo 34 )
  • “Falta de efeito do paraquat no sistema dopaminérgico nigroestriatal do camundongo”, resumo da apresentação de Marks, 23 de outubro de 2004
  • “Paraquat e doença de Parkinson”, apresentação interna da Syngenta, 26 de julho de 2005 ( Anexo 132 )
  • E-mail de Greg Watson para Ray McAllister na CropLife, 29 de junho de 2005 ( Anexo 108 )
  • E-mail de Lewis Smith para John Atkin e David Lawrence, 19 de novembro de 2007 ( Anexo 137 )
  • Avaliação técnica de segurança do produto Syngenta (rascunho) para paraquate, 10 de julho de 2008 
  • Ata da reunião do Comitê Executivo da Syngenta, 3 de dezembro de 2010 
  • E-mail de Philip Botham para Sarah Hull, 5 de agosto de 2010
  • “Análise de amostras de cérebro de macacos-esquilo expostos ao paraquat para resíduos de paraquat”, Ray, 10 de janeiro de 2011
  • Formulário PRF da Syngenta referente à cinética cerebral do paraquat, 28 de junho de 2011 ( Anexo 37 )
  • “Rotenona, Paraquat e Doença de Parkinson”, Tanner et. al., junho de 2011
  • Ata da reunião da equipe de liderança sobre questões de paraquat, 8 de janeiro de 2013

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2024