https://www.independent.co.uk/news/amazon-ap-people-jair-bolsonaro-california-b2343446.html
22 de maio de 2023
Uma organização sem fins lucrativos brasileira criou um novo modelo de propriedade da terra que acolhe tanto a população local quanto os cientistas para colaborar na preservação da Amazônia, a maior floresta tropical do mundo.
Em um canto remoto da Amazônia, os ecologistas brasileiros estão tentando ter sucesso onde a falta de governança provou ser desastrosa. Eles estão administrando um trecho de terra de uma forma que acolhe tanto a população local quanto os cientistas para se envolverem na preservação da maior floresta tropical do mundo.
A meta é ambiciosa, contrariar as forças que destruíram 10% da floresta em menos de quatro décadas e criar algo que possa ser replicado em outras partes da Amazônia.
Começou com uma expedição de quatro meses pelo rio Juruá em 2016. Os pesquisadores visitaram cerca de 100 comunidades que à primeira vista pareciam semelhantes: fileiras de palafitas ao longo da água. Mas eles foram atingidos por contrastes nas condições de vida.
Para entender o que eles viram, é importante saber que 29% da Amazônia, uma área cerca de três vezes o tamanho da Califórnia, são terras públicas sem proteção especial ou terras públicas sobre as quais não existem informações públicas, segundo um estudo pelo Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia.
Essas áreas têm se mostrado mais vulneráveis ao desmatamento. Os ladrões de terras expulsam as comunidades tradicionais da terra e depois limpam-na, esperando que o governo os reconheça como proprietários, o que geralmente acontece.
“É muito desigual. Dentro das áreas protegidas, há muitas coisas positivas acontecendo, mas fora delas elas pareciam estar 40 anos atrasadas”, disse João Vitor Campos-Silva, sócio-ecologista tropical, à Associated Press.
Os pesquisadores sabiam que o trecho do rio conhecido como Médio Juruá, próximo ao município de Carauari, tem uma organização social marcante e as pessoas manejam seus peixes e produtos florestais, como o açaí, de forma sustentável. A designação de terra aqui é “reservas extrativistas”, terras públicas onde os residentes podem pescar e colher algumas colheitas.
Mas fora dessas reservas, em muitos lugares, as pessoas recebem ordens de proprietários de terras autonomeados, disse Campos-Silva. Comunidades inteiras têm acesso negado a lagos, até mesmo para pescar para alimentar suas famílias. As pessoas não são donas da terra e não sabem quem é.
“Começamos a pensar que poderia ser interessante desenhar um modelo de conservação baseado na escala da bacia”, onde as comunidades pudessem colher produtos da floresta e pescar e proteger a floresta, em vez de se mudar para a cidade ou recorrer a atividades ilegais, como extração de madeira sem licença e sobrepesca.
Então eles criaram o Instituto Juruá sem fins lucrativos e compraram uma propriedade de 13 km de floresta tropical ao longo do rio Juruá. Possui cerca de 20 lagoas, algumas com bom potencial para a criação do valioso pirarucu, o maior peixe escama de água doce do mundo, que pode chegar a 200 quilos.
O objetivo, disse Campos-Silva, é promover ciência de qualidade, alicerçada no trabalho conjunto com a população da região.
No entorno das terras do Instituto existem 12 comunidades de ex-seringueiros. Os brasileiros os chamam de ribeirinhos, para diferenciá-los dos residentes indígenas.
No passado, a oportunidade de viver da seringueira atraiu seus avós para a Amazônia. Hoje a principal receita vem do pirarucu. O controle dessa pesca tem se mostrado sustentável, revivendo uma espécie que estava em declínio e gerando renda sem a necessidade de desmatar a floresta, com tudo o que isso significa para a perda da biodiversidade.
A floresta amazônica, que cobre uma área com o dobro do tamanho da Índia, também contém enormes estoques de carbono e é um amortecedor crucial contra as mudanças climáticas. Impulsionado por ladrões de terra, o desmatamento atingiu a maior alta em 15 anos nos últimos anos, enquanto Jair Bolsonaro, que deixou o cargo em janeiro deste ano, era presidente. A destruição na Amazônia oriental foi tão extensa que se tornou uma fonte de carbono, em vez de um sumidouro de carbono.
Para envolver as comunidades ribeirinhas na governança, o instituto criou um comitê gestor e lançou uma série de reuniões públicas denominadas “comunidade dos sonhos”, nas quais as pessoas poderiam priorizar as melhorias que mais desejam.
Para evitar possíveis preconceitos de gênero e idade, eles trabalharam em três grupos – mulheres, jovens e homens, disse Campos-Silva.
A presidente da associação das comunidades ribeirinhas, Fernanda de Araujo Moraes, disse que o principal objetivo é evitar que os ribeirinhos se mudem para as cidades amazônicas, onde o desemprego entre os menos qualificados é grande e a violência é generalizada, graças ao narcotráfico.
Em sua própria comunidade de Lago Serrado, onde 12 famílias vivem em palafitas, tanto as mulheres quanto os homens listaram a eletricidade 24 horas por dia como sua principal prioridade. Atualmente, está disponível apenas três horas por dia. Os jovens escolheram o treinamento de pesca.
Moraes acredita que esse tipo de colaboração é o caminho mais rápido para o progresso. “Queremos melhorar a vida das pessoas e o Instituto quer a mesma coisa”, disse ela, sentada no chão de sua casa, cuidando de sua filha pequena. O governo, disse ela, nem sempre está na mesma página.
“Isso é uma coisa que não existe aqui na Amazônia, não existe em nenhum lugar do Brasil. Se funcionar, o que vai acontecer, vai chamar a atenção de muita gente”, disse o morador José Alves de Morais, em entrevista à beira do lago logo atrás da comunidade.
Morais já trabalha como zelador do lago do instituto, vigiando invasores que possam pegar peixes ou cortar árvores. A família dele espera participar da gestão do instituto da pesca do pirarucu, que aguarda aprovação federal.
Na frente científica, o instituto construiu uma casa-barco e uma casa de madeira para até 20 pesquisadores passarem temporadas no Rio Juruá. Uma está estudando o macaco uacari. Outros estão analisando o que torna os arranjos sociais bem-sucedidos na região. Eles criaram um programa, Forest Scientists, para treinar alunos do ensino médio local em coleta de campo, sistematização de dados e como preparar relatórios.
A iniciativa é liderada por Carlos Peres, professor amazonense de ecologia da conservação tropical da Universidade de East Anglia, no Reino Unido. Em abril, esse trabalho, iniciado como um experimento, obteve algum reconhecimento de uma organização sem fins lucrativos suíça quando ele e três outros cientistas ganharam o Prêmio Frontiers Planet, que vem com US$ 1,1 milhão. O dinheiro será reinvestido no projeto, que já recebeu apoio da National Geographic e do Rolex Conservation Award.
O estudo vencedor usou dados coletados durante a viagem de 2016. Com a coautoria de Campos-Silva e outros, descobriu que as comunidades que vivem dentro de áreas protegidas desfrutam de melhor acesso a cuidados de saúde, educação, eletricidade e saneamento básico, além de uma renda mais estável do que as comunidades em áreas não designadas. Eles descobriram que apenas 5% dos adultos dentro de áreas protegidas aspiram se mudar para uma cidade, em comparação com 58% dos adultos em áreas desprotegidas.
O artigo argumenta que em países tropicais com recursos limitados, é possível alcançar a conservação e beneficiar as comunidades locais ao mesmo tempo, colocando mais poder em suas mãos.
Peres, diretor científico do instituto, diz que espera inspirar soluções em toda a região amazônica, integrando o conhecimento tradicional com a ciência dos modelos ocidentais.
“Não temos todas as respostas”, disse ele. “Mas temos a audácia de tentar avançar nessas questões.”
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2023.