Produtos químicos tóxicos que consumimos sem saber

São milhares de aditivos, plastificantes e outros produtos que nos enganam para terem mais tempo de prateleira.

https://www.medscape.com/viewarticle/988444

Akash Goel, MD

23 de fevereiro de 2023

Se a pandemia serviu como uma janela para a nossa saúde, o que ela revelou foi uma população norte americana que não só está doente, mas também parece estar cada vez mais enferma. A expectativa de vida está caindo vertiginosamente. Três quartos dos norte americanos estão acima do peso ou obesos, metade tem diabetes ou pré-diabetes e a maioria não é metabolicamente saudável. Além disso, as taxas de doenças alérgicas, inflamatórias e autoimunes estão aumentando a taxas de 3% a 9% ao ano no Ocidente, muito mais rápido do que a velocidade da mudança genética nessa população.

Claro, a dieta e o estilo de vida são os principais fatores por trás dessas tendências, mas um fator totalmente subestimado no que nos aflige é o papel das toxinas ambientais e dos produtos químicos disruptores do sistema endócrino. Nos últimos anos, esses fatores escaparam amplamente do estabelecimento médico ocidental tradicional; no entanto, evidências crescentes agora apoiam sua importância na fertilidade, saúde metabólica e câncer.

Embora vários produtos químicos e tóxicos industriais tenham sido identificados como cancerígenos e posteriormente regulamentados, muitos outros permanecem persistentes no meio ambiente e continuam a ser usados ​​livremente. Portanto, é responsabilidade tanto do público em geral quanto dos médicos, estarem informados sobre essas exposições. Aqui, revisamos algumas das exposições mais comuns e os riscos substanciais à saúde associados a elas, juntamente com algumas orientações gerais sobre as melhores práticas sobre como minimizar a exposição.

Microplásticos

“Microplásticos” é um termo usado para descrever pequenos fragmentos ou partículas de decomposição de plástico ou microesferas de produtos domésticos ou de higiene pessoal, medindo menos de 5 mm de comprimento.

Os resíduos plásticos estão se acumulando em proporções alarmantes e devastadoras – até 2050, estima-se que, em peso, haverá mais plástico do que peixes nos oceanos. Isso se traduz em centenas de milhares de toneladas de microplásticos e trilhões dessas partículas nos mares. Um estudo recente demonstrou que os microplásticos estavam presentes na corrente sanguínea na maioria dos 22 participantes saudáveis.

Desde a década de 1950, a exposição ao plástico demonstrou promover a tumorigênese em estudos com animais, e estudos in vitro demonstraram a toxicidade dos microplásticos no nível celular. No entanto, não se sabe se o plástico em si é tóxico ou se serve simplesmente como um transportador para a bioacumulação de outras toxinas ambientais.

De acordo com Tasha Stoiber, cientista sênior do Environmental Working Group (EWG), “os microplásticos foram amplamente detectados em peixes e frutos do mar, bem como em outros produtos como água engarrafada, cerveja, mel e água da torneira”. O EWG afirma que não há avisos formais sobre o consumo de peixe para evitar a exposição a microplásticos no momento.

A pressão também está aumentando para a proibição de microesferas em produtos de cuidados pessoais.

Até que essas proibições sejam implementadas, é aconselhável evitar plásticos descartáveis, favorecer sacolas reutilizáveis ​​para compras de supermercado em vez de sacolas plásticas e optar por chá de folhas soltas ou saquinhos de chá de papel em vez de alternativas à base de malha.

Ftalatos

Os ftalatos são produtos químicos usados ​​para tornar os plásticos macios e duráveis, bem como para fixar fragrâncias. Eles são comumente encontrados em itens domésticos, como vinil/PVC (por exemplo, piso, cortinas de chuveiro) e fragrâncias, purificadores de ar e perfumes.

Os ftalatos são substâncias químicas conhecidas como disruptoras de hormônios, cuja exposição tem sido associada ao desenvolvimento sexual e cerebral anormal em crianças , bem como a níveis mais baixos de testosterona em homens. Acredita-se que as exposições ocorram por inalação, ingestão e contato com a pele; no entanto, estudos em jejum demonstram que a maior parte da exposição provavelmente está relacionada à alimentação.

Para evitar a exposição ao ftalato, as recomendações incluem evitar plásticos de cloreto de polivinila/PVC (principalmente recipientes de alimentos, embalagens plásticas, filmes plásticos e brinquedos infantis), que são identificados pelo código de reciclagem número 3, bem como purificadores de ar e produtos perfumados.

banco de dados Skin Deep do EWG fornece um recurso importante sobre produtos de cuidados pessoais livres de ftalatos.

Apesar da pressão de grupos de defesa do consumidor, a Food and Drug Administration dos EUA ainda não proibiu os ftalatos nas embalagens de alimentos.

Bisfenol A (BPA)

O BPA é um aditivo químico usado para fabricar plásticos de policarbonato/PC, nº 07 na classificação das resinas plásticas, transparentes e duros, bem como na resina epóxi e papéis térmicos, de máquinas de cartões de crédito, por exemplo. O BPA é um dos produtos químicos de maior volume, com cerca de 6 bilhões de libras produzidas a cada ano. O BPA é tradicionalmente encontrado em muitas garrafas plásticas transparentes e copos com canudinho, bem como no revestimento de alimentos e bebidas enlatados, como cerveja, refrigerantes e outros.

Estruturalmente, o BPA atua como um mimético do estrogênio e tem sido associado a doenças cardiovascularesobesidade e  disfunção sexual masculina. Desde 2012, o BPA foi banido em copinhos e mamadeiras, mas há algum debate sobre se seus substitutos (bisfenol S e bisfenol F) são mais seguros; eles parecem ter efeitos hormonais semelhantes aos do BPA, ou pior.

Tal como acontece com os ftalatos, pensa-se que a maior parte da ingestão está relacionada com os alimentos. O BPA foi encontrado em mais de 90% de uma população de estudo representativa nos Estados Unidos.

A orientação indica em se evitar plásticos de policarbonato (identificáveis ​​com o código de reciclagem nº 07), bem como evitar o manuseio de papéis térmicos como tickets e recibos, se possível. Alimentos e bebidas devem ser armazenados em vidro ou aço inoxidável. Se for necessário usar plástico, opte por plásticos sem policarbonato e polivinil cloreto/PVC, e alimentos e bebidas nunca devem ser reaquecidos em recipientes ou embalagens de plástico. Alimentos enlatados devem ser evitados, especialmente atum enlatado e sopas condensadas. Se forem comprados produtos enlatados, eles devem ser isentos de BPA.

Dioxinas e bifenilos policlorados (PCBs)

As dioxinas são principalmente subprodutos de práticas industriais; eles são liberados após incineração, queima de lixo e incêndios. Os PCBs, que são estruturalmente relacionados às dioxinas, foram encontrados anteriormente em produtos como retardadores de chama e gases de refrigeração. As dioxinas e os PCBs são frequentemente agrupados na mesma categoria sob o termo genérico “poluentes orgânicos persistentes/POPs” porque se decompõem lentamente e permanecem no meio ambiente mesmo após a redução das emissões.

A tetraclorodibenzodioxina/TCDD, talvez a dioxina mais conhecida, a dioxina de Seveso, é um carcinógeno conhecido. As dioxinas também têm sido associadas a uma série de implicações para a saúde no desenvolvimento fetal e infantil, imunidade e sistemas reprodutivo e endócrino. Níveis mais altos de exposição a PCB também foram associados a um risco aumentado de mortalidade por doenças cardiovasculares.

Notavelmente, as emissões de dioxinas foram reduzidas em 90% desde a década de 1980, e a Agência de Proteção Ambiental dos EUA (EPA) proibiu o uso de PCBs na fabricação industrial desde 1979. No entanto, as dioxinas ambientais e os PCBs ainda entram na cadeia alimentar e se acumulam na gordura .

As melhores maneiras de evitar exposições são limitando o consumo de carne, peixe e laticínios e cortando a pele e a gordura das carnes. O nível de dioxinas e PCBs encontrados em carnes, ovos, peixes e laticínios é aproximadamente 5 a 10 vezes maior do que em alimentos de origem vegetal. A pesquisa mostrou que o salmão de viveiro provavelmente é a fonte de proteína mais contaminada com PCB na dieta dos EUA; no entanto, formas mais recentes de aquicultura sustentável e baseada no cultivo nos solos, em contato direto com terra a provavelmente evitam essa exposição.

Agrotóxicos

O crescimento da agricultura de monocultura industrial moderna nos Estados Unidos, no século passado coincidiu com um aumento dramático no uso de agrotóxicos sintéticos pelas indústrias petroquímicas. Na verdade, mais de 90% da população dos EUA tem agrotóxicos na urina e no sangue, independentemente de onde vivem. Acredita-se que as exposições estejam relacionadas com alimentos.

Aproximadamente 500 milhões de litros de agrotóxicos são usados ​​anualmente nos Estados Unidos, incluindo quase 150 milhões de litros de glifosato, que foi identificado como um provável carcinógeno por agências europeias. A EPA ainda não chegou a essa conclusão, embora o assunto esteja atualmente sendo litigado.

Um grande estudo de coorte prospectivo europeu demonstrou um menor risco de câncer naqueles com maior frequência de auto-relato de consumo de alimentos orgânicos. Além do risco de câncer, níveis sanguíneos relativamente elevados de um agrotóxico organoclorado conhecido como beta-hexaclorociclohexano/B-HCH (nt.: no Brasil conhecido como ‘pó de gafanhoto’) estão associados a maior mortalidade por todas as causas. Além disso, a exposição ao DDE – um metabólito do DDT, outro agrotóxico organoclorado muito usado nas décadas de 1940 e 1960 que ainda persiste no meio ambiente hoje – demonstrou aumentar o risco de demência do tipo Alzheimer, bem como o declínio cognitivo geral.

Como esses agrotóxicos organoclorados geralmente são solúveis em gordura, eles parecem se acumular em produtos de origem animal. Portanto, descobriu-se que as pessoas que consomem uma dieta vegetariana têm níveis mais baixos de B-HCH. Isso levou à recomendação de que os consumidores de produtos devem preferir o orgânico ao convencional, se possível. Aqui também, o EWG fornece um recurso importante para os consumidores na forma de guias de compras sobre pesticidas em produtos.

Substâncias per e polifluoroalquil (PFAS)

Os PFAS são um grupo de compostos fluorados descobertos na década de 1930. Sua composição química inclui uma ligação flúor-carbono durável, dando-lhes uma persistência no meio ambiente que os levou a serem chamados de “químicos eternos/forever chemicals“.

PFAS foram detectados no sangue de 98% dos norte americanos e na água da chuva de locais tão distantes quanto o Tibete e a Antártica. Mesmo níveis baixos de exposição têm sido associados a um risco aumentado de câncer, doença hepática, baixo peso ao nascer e distúrbios hormonais.

As propriedades do PFAS também os tornam duráveis ​​em altas temperaturas e repelentes à água. Notoriamente, o produto químico foi usado pela 3M para fazer Scotchgard para tapetes e tecidos e pela Dupont para fazer Teflon para revestimento antiaderente de panelas e frigideiras. Embora o ácido perfluorooctanóico (PFOA) tenha sido removido das panelas antiaderentes em 2013, o PFAS – uma família de milhares de compostos sintéticos – permanece comum em embalagens de fast-food, roupas repelentes de água e manchas, espuma de combate a incêndios e produtos de higiene pessoal. Os PFAS são liberados no meio ambiente durante a decomposição desses produtos de consumo e industriais, bem como no despejo de instalações de resíduos.

De forma alarmante, o EWG observa que até 200 milhões de norte americanos podem estar expostos ao PFAS em sua água potável. Em março de 2021, a EPA anunciou que regulamentará o PFAS na água potável; no entanto, os regulamentos não foram finalizados. Atualmente, cabe aos estados individuais testar sua presença na água. O EWG compilou um mapa de todos os locais conhecidos de contaminação por PFAS.

Para evitar ou prevenir a exposição ao PFAS, as recomendações incluem filtrar a água da torneira com osmose reversa ou filtros de carvão ativado, bem como evitar fast food e comida para viagem, se possível, e produtos de consumo rotulados como “resistentes à água”, “manchas resistente” e “antiaderente”.

Em uma prova de como esses produtos químicos são prejudiciais, a EPA revisou recentemente seus alertas de saúde vitalícios para PFAS, como o PFOA, para 0,004 partes por trilhão/ppt, o que é mais de 10.000 vezes menor que o limite anterior de 70 partes por trilhão/ppt. A EPA também propôs designar formalmente certos produtos químicos PFAS como “substâncias perigosas”.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2023.