As fazendas do mundo estão viciadas em fósforo. É um problema

FOTOGRAFIA: BRIAN BROWN/GETTY IMAGES

https://www.wired.com/story/the-worlds-farms-are-hooked-on-phosphorus-its-a-problem/

MAX G. LEVY

23 de janeiro de 2023

Metade da produtividade das colheitas do mundo vem de um ingrediente-chave de fertilizantes que não é renovável – e literalmente levado pela água.

INTERROMPER OS CICLOS DA QUÍMICA DA TERRA traz problemas. Mas o dióxido de carbono que aquece o planeta não é o único elemento cujo ciclo tornamos instável – também temos um problema de fósforo. E é grande, porque dependemos desse elemento para cultivar as safras do mundo. “Não sei se seria possível ter um mundo inteiro sem nenhum fertilizante mineral à base de fósforo”, diz Joséphine Demay , doutoranda do INRAE, Instituto Nacional de Pesquisas Agrícolas, Alimentares e do Meio Ambiente da França.

Desde 1800, os agricultores sabem que o fósforo elementar é um fertilizante crucial. As nações rapidamente começaram a minerar os depósitos de “rocha fosfatadas”, que são ricos no elemento. Em meados do século 20, as empresas haviam industrializado com processos químicos de acidificação para transformá-lo em uma forma mais solúvel e logo disponível para a franca absorção do fósforo, pelas plantas e então turbinar as plantações. Com isso deixava as plantas mais duras para a luta contra doenças e tornando-as capazes de sustentarem mais pessoas e gado. Essa abordagem funcionou muito bem. A chamada “Revolução Verde” pós-Segunda Guerra Mundial (nt.: sistema de produção apoiado pelas grandes fundações das famílias ou dass corporações enriquecidas pela guerra e que eram sustentadas pelo capitalismo ocidental. Sua justificativa do uso maciço de adubos solúveis e venenos era a pretensão de ‘acabar com a fome no mundo’. Seu grande apoiador de lhe dava sustentação científica era o pesquisador e agrônomo Norman Bourlog) alimentou inúmeras pessoas graças a fertilizantes e agrotóxicos. Mas às vezes há muito de uma coisa boa, tornando-as ruim pelo excesso.

Liberamos os estoques de fósforo da Terra tão rapidamente que o elemento agora polui os ecossistemas de água doce, onde o excesso causa proliferação de algas nocivas, infiltra-se na camada de neve e diminui os níveis de oxigênio dissolvido em lagos e rios. Estudos sugerem que a humanidade se tornou muito dependente dele para alimentar o planeta – e estamos ficando sem esse recurso não renovável, que vem de depósitos geológicos que levam milênios para se formarem. Quando sai do solo para os cursos de água , essencialmente desaparece para sempre. Um momento iminente de “pico de fósforo” ameaça aumentar os preços e fomentar a tensão política se a demanda ofuscar a oferta, já que a grande maioria das reservas existe apenas em um canto do norte da África.

Em um artigo publicado este mês na Nature Geoscience, Demay detalhou quanto fósforo 176 países usaram entre os anos de 1950 e 2017 e estimou quanto o uso de fertilizantes minerais contribui para a fertilidade do solo em cada nação. Notavelmente, a rocha fosfática é responsável por cerca de 50 por cento da produtividade mundial do solo. “Nunca foi quantificado assim”, diz Demay. E esses números são importantes, diz ela, porque “o trabalho realmente destaca a grande lacuna que existe entre as diferentes regiões do mundo”. Os países ricos da Europa Ocidental, América do Norte e Ásia usam muito mais rocha fosfática do mundo do que a África, apesar dos solos africanos serem relativamente deficientes nisso. “Há uma necessidade de distribuir mais igualmente as reservas remanescentes de rochas”, diz Demay.

James Elser, um ecologista da Arizona State University e da University of Montana que estuda o ciclo global do fósforo, ficou surpreso com esse número de 50%. “O fato de termos sido capazes de mobilizar o fósforo desses antigos depósitos geológicos e espalhá-lo pelo mundo o suficiente para que metade do fósforo do solo seja agora composto de fertilizante antropogênico industrial, é impressionante”, diz ele.

E se a oferta restante diminuir, os preços aumentarão, exacerbando a lacuna de acesso entre países ricos e pobres, diz Dana Cordell, professora associada e diretora de pesquisa de sustentabilidade de sistemas alimentares da Universidade de Tecnologia de Sydney. Em 2008, os preços do fosfato dispararam 800% devido a problemas de oferta e demanda, e novamente 400% no ano passado, devido a interrupções relacionadas à Covid. O novo estudo “mostra como nosso sistema alimentar global tornou-se fortemente dependente da rocha fosfática não renovável extraída”, diz ela. “E mesmo que haja rocha fosfática no solo, pode não ser economicamente viável acessá-la.”

OS CIENTISTAS FORAM apontando o ciclo de fósforo “interrompido” por mais de uma década: a humanidade desenterrou enormes quantidades do elemento, que acaba em cursos d’água em vez de retornar à terra cultivada.

O problema se resume a porcaria. As pessoas e o gado comem as colheitas e, como resultado, excretam fósforo. (Um pesquisador da Universidade de Iowa calculou que o gado do estado produz uma carga de excremento equivalente a uma nação de 168 milhões de pessoas). Mas a maior parte não vai acabar alimentando as plantas novamente. O tratamento de resíduos pode fazer com que o lodo ou o esterco voltem a ser fertilizantes, mas transportá-los e tratá-los geralmente é impraticável, de modo que podem ficar em estoques e “pilhas secas” sem a chance de impulsionarem outra colheita.

Ou o sistema pode estar vazando: esgoto, fossas sépticas, estoques e solo erodido pingam fósforo nos oceanos e rios, onde se dilui até o esquecimento enquanto degrada esses ecossistemas. Por exemplo, o escoamento de fósforo impulsiona a proliferação de algas nocivas que mataram as ervas marinhas da Flórida, matando de fome milhares de peixes-boi.

O modelo de Demay determinou que, em um período de 67 anos, os humanos bombearam quase um bilhão de toneladas de fósforo não renovável para os sistemas alimentares. Os números de sua equipe são derivados de dados estatísticos da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação. Os dados globais, divididos por país, relataram rendimentos agrícolas – como a quantidade de trigo cultivada ou contagem de cabeças de porcos e vacas – de 1961 a 2017. (Dados de 1950 a 1961 vieram de outros conjuntos de dados).

Sua equipe também detalhou as tendências de uso. Em 2017, a dependência da Europa Ocidental, América do Norte e Ásia subiu para quase 60% do total de fósforo pronto para planta disponível no solo de cada região. Brasil, China e Índia estão aumentando rapidamente seu uso, para 61, 74 e 67 por cento, respectivamente. Os números da França e da Holanda não estão mais subindo, porque eles substituíram parte do uso de rocha fosfática por estrume; agora eles estão em aproximadamente 70 e 50 por cento. No entanto, em países africanos como o Zimbábue, a falta de fósforo no solo limita o rendimento das colheitas. As estimativas de Demay colocam o uso de fertilizantes minerais no Zimbábue na faixa de 20 a 30 por cento, o que é ainda menor do que a média de 32 por cento para toda a África.

Para Elser, isso ilumina uma desigualdade global: os países mais pobres têm acesso a muito menos fertilizantes, apesar de precisarem mais. E os países ricos conseguiram acumular estoques das reservas rochosas por décadas, enquanto os países que lutam com a segurança alimentar não podem fazer o mesmo.

Isso levanta preocupações sobre quem controlará o futuro dos fertilizantes. Quase 75% da oferta mundial está nas minas do Marrocos e do Saara Ocidental. Os economistas ficam ansiosos quando uma commodity se consolida nas mãos de poucos poderosos. (A OPEP controla aproximadamente a mesma fração do petróleo mundial, mas com 13 estados membros.)

E não está totalmente claro quanto tempo durarão os suprimentos. Em 2009, Cordell estimou que um momento global de “pico de fósforo” poderia acontecer já em 2030, o que deixaria 50 a 100 anos de reservas cada vez menores. Hoje, ela e Elser concordam que o pico provavelmente virá mais tarde, embora seja difícil prever quando, porque a demanda pode disparar para outros usos, como baterias de fosfato de ferro e lítio. Elser observa que novas análises agora colocam a oferta máxima em cerca de 300 a 400 anos.

Para Cordell, é frustrante que essa cadeia de suprimentos tenha sido mal administrada. “Se fosse água – ou outro recurso do qual sabemos que a humanidade depende – teríamos muitas medidas para monitorar esses recursos, para garantir um acesso mais equitativo e seguro”, diz ela. E se qualquer outro recurso crucial estivesse acabando, ela continua, “procuraríamos alternativas”.

Ela teme que o fósforo esteja “escapando pelas brechas institucionais”. Mas, diz ela, não está claro quem é o responsável por supervisionar seu fornecimento – qual governo ou mesmo qual departamento. Agricultura? Ambiente? Saúde? Água? Troca? “Ele abrange todos esses setores”, diz ela.

Demay espera que seu estudo encoraje práticas agrícolas mais cuidadosas: combinar terras agrícolas e áreas de gado para reciclar mais facilmente o fósforo do esterco, ou plantar árvores ou culturas de cobertura, como mostarda ou cevada, que evitam a erosão do solo na baixa temporada de uma fazenda – poupando os cursos d’água da poluição por fertilizantes. Melhores programas de reciclagem também podem ajudar a livrar o mundo da rocha fosfática. No momento, reciclar significa principalmente usar esterco ou lodo de sistemas de águas residuais em terras de cultivo, principalmente para prevenir a poluição da água, em vez de fertilizar as plantas. “Está acontecendo de maneira ineficiente e ineficaz”, diz Cordell.

Mas outras tecnologias estão crescendo em popularidade. Banheiros separadores de urina podem recapturar o fósforo em líquidos. A adição de magnésio às águas residuais pode criar cristais de “estruvita”, um fertilizante alternativo. Outro método poderia fazer pellets de fertilizantes a partir de lodo de esterco seco após digestão anaeróbica (que também gera combustível de biogás).

A biotecnologia pode diminuir a necessidade de fertilizantes, diz Elser – embora esses conceitos estejam em estágios iniciais. Teoricamente, os biólogos poderiam criar ou projetar culturas para extrair o fósforo com mais eficiência; os pesquisadores já identificaram genes que aumentam a absorção de fósforo. A carne cultivada em laboratório pode reduzir a demanda por gado e as terras agrícolas que os sustentam (nt.: essas duas propostas de uma pessoa que se tem como ‘ecologista’ é surpreendente! Todos sabemos que a biotecnologia como a tal carne de laboratório somente gerará produtos patenteados e provavelmente mostrará como foi com a ‘revolução verde’, uma bazofia e um engodo que enriquece e enriqueceu as corporações como Monsanto e Syngenta e que mostram hoje, os terrores que são. Vide todas as ações judiciais que estão acontecendo nos EUA exatamente gestadas e ampliadas pelas práticas da tal da revolução do veneno, da maquinaria, dos adubos solúveis, da monocultura, do latifúndio global e do êxodo rural que incha todas as grandes cidades do mundo. QUE VISÃO ECOLÓGICA, HEIN!?). E como uma solução mais simples, comer menos carne pode fazer o mesmo. “Quanto menos carne tivermos para cultivar na forma de vacas ou porcos, menos ração teremos para alimentá-los”, diz Elser.

Elser se inspira no progresso que o mundo fez em sua transição para a energia renovável – ele acha que a agricultura também pode se tornar mais sustentável. Com uma melhor reciclagem de fósforo em todo o sistema alimentar, os fertilizantes do mundo poderiam fluir mais facilmente para os lugares que precisam deles. “Eventualmente, teremos que chegar a um sistema melhor do que o que temos”, diz Elser. “Quando isso acontece – não tenho certeza.”

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, janeiro de 2023.