Foto: Regina Camargo/Unesp
José Tadeu Arantes | Agência FAPESP
24.10.2022
Agricultura familiar ocupa apenas 13% da área rural recenseada em São Paulo e produz 50,6% do leite, 31% do tomate, 30% da carne, 28,8% da farinha de mandioca e 23,5% do café.
A agricultura familiar é praticada em 65% das propriedades rurais paulistas. O percentual corresponde a 122.555 estabelecimentos agrícolas. Mas esse enorme contingente ocupa apenas 13% da área rural recenseada no Estado. “Nesses 13% são produzidos 50,6% do leite, 31% do tomate, 30% da carne, 28,8% da farinha de mandioca e 23,5% do café”, diz a pesquisadora Vanilde Esquerdo, professora da Faculdade de Engenharia Agrícola da Universidade Estadual de Campinas (Feagri-Unicamp).
Em parceria com Regina Camargo (Universidade Estadual Paulista) e Ricardo Borsatto (Universidade Federal de São Carlos), Esquerdo organizou o livro Agricultura familiar e políticas públicas no Estado de São Paulo, recentemente publicado pela Editora da Universidade Federal de São Carlos (Edufscar) com apoio da FAPESP.
Além dos três organizadores, a obra, com 524 páginas, reuniu trabalhos de 35 outros pesquisadores, das principais universidades e de outras instituições paulistas. “Esse livro não demonstra apenas a importância da agricultura familiar no Estado. Demonstra também o grande peso da pesquisa acadêmica dedicada ao tema”, afirma Esquerdo.
E continua: “Em São Paulo, esse campo de estudo possui um protagonismo de pesquisadoras mulheres, que, em um momento muito adverso da história do país, durante os anos repressivos da ditadura militar, se dedicaram a compreender o meio rural a partir de estudos sobre reforma agrária, assentamentos, relações de trabalho etc.”
Esquerdo refere-se a pesquisadoras como Maria Isaura Pereira de Queiroz, Maria de Nazareth Baudel Wanderley, Sonia Maria Pessoa Pereira Bergamasco, Vera Lúcia Silveira Botta Ferrante, Dulce Consuelo Andreatta Whitaker e Maria Aparecida de Moraes Silva, dentre outras. “Essas grandes pioneiras foram nossas professoras e influenciaram as carreiras de vários pesquisadores atualmente ativos”, conta.
Esquerdo informa que a maior parte dos estabelecimentos dedicados à agricultura familiar no Estado tem menos de 50 hectares. E quase 70% deles possuem área menor ou igual a 20 hectares.
Mas essas pequenas propriedades, incomparavelmente menores do que as unidades do agronegócio, focadas na produção de commodities, respondem por grande parcela da produção de alimentos.
Arroz, feijão, mandioca, hortaliças, leite e suínos são itens mencionados. “Isso não ocorre somente em São Paulo, nem apenas no Brasil. É um fenômeno mundial. As pequenas propriedades familiares destacam-se pela quantidade, qualidade e diversidade de sua produção”, enfatiza a pesquisadora.
O quesito “diversidade” é algo muito importante e nem sempre devidamente considerado quando se fala do tema. Até por necessidade de sobrevivência, a pequena propriedade familiar precisa ser biodiversa. Porque, se a produção de um item fracassa, devido a fatores climáticos, a doenças agrícolas ou a uma eventual retração do mercado, o produtor pode se socorrer por meio de outros. É quase uma regra da agricultura familiar combinar horta, pomar e produção animal no mesmo estabelecimento. “Por isso, já no final da década de 1990, a professora Maristela Simões do Carmo falava que a agricultura familiar é o locus por excelência da agricultura sustentável”, cita Esquerdo.
Estabelecimentos familiares aparecem em todas as regiões do Estado de São Paulo, com destaque para o Pontal do Paranapanema, o Vale do Ribeira e o Sudoeste Paulista. “Boa parte da pesquisa reportada no livro foi realizada em assentamentos, o que sobreleva a importância dessa forma econômico-social como objeto de estudo.”
O problema, segundo a pesquisadora, é que a agricultura familiar está sendo objeto de uma grande pressão. Por um lado, a expansão da monocultura e do agronegócio está fazendo diminuir a superfície agriculturável dedicada à produção de alimentos. O feijão vem perdendo sistematicamente espaço para a soja.
Por outro lado, há um déficit de serviços de assistência técnica. Enquanto 53% das grandes propriedades recebem esses serviços, apenas 35% das pequenas se beneficiam deles. “Não podemos ignorar que, desde 2016, estamos assistindo no país a um desmonte das políticas públicas em âmbito federal”, sublinha Esquerdo.
Para a pesquisadora, é preciso haver um resgate cultural do meio rural. Não apenas com crédito e assistência técnica ao agricultor familiar. Isso sim, mas também com a valorização das multifuncionalidades da agricultura familiar, o incentivo a um turismo em harmonia com a natureza e a promoção das formas culturais tão ricas e tão diversas produzidas no campo. Formas que foram subestimadas e quase apagadas em nome de uma modernidade monotemática e exclusivista. Mas que teimam em sobreviver.
Mais informações sobre o livro Agricultura familiar e políticas públicas no Estado de São Paulo podem ser acessadas no site da Editora UFSCar.