Gráfica – Lucas Gomes
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30 de setembro de 2022
Na parte final de nossa série Amazônia Ocupada, visitamos Brasília, onde estão travadas as disputas pela exploração da floresta.
Este artigo é um resumo do quinto episódio de Amazônia Ocupada, nova série de podcasts da Diálogo Chino, disponível apenas em português. Ouça aqui .
Longe da complexidade de seus conflitos e do cotidiano de seus habitantes, o destino da Amazônia brasileira está sendo decidido em reuniões, comissões e tribunais. A capital, Brasília, é o palco político onde se travam as batalhas pelo futuro da floresta e onde se mantém um modelo de ocupação e exploração, independentemente do governo.
Mas também é aqui em Brasília que a resistência está acontecendo, dentro e fora do parlamento, e novos projetos para o futuro do bioma estão sendo discutidos.
A capital nacional é a última parada da nova série de podcasts da Diálogo Chino, Amazônia Ocupada, produzida em parceria com a Trovão Mídia. Ao longo de cinco episódios, percorremos a rodovia BR-163, uma rota que ilustra como a agricultura de soja, pecuária, extração de madeira e mineração se expandiram pela Amazônia nas últimas cinco décadas.
A colonização e a exploração econômica da floresta não ocorreram de forma natural ou espontânea: só foram possíveis porque esse modelo se perpetua nos salões do poder na capital brasileira.
Entre as principais questões atualmente em discussão em Brasília está o marco temporal – o “marco temporal” que marca um marco histórico para a demarcação dos territórios indígenas, e que tem gerado acalorados debates entre ambientalistas e ruralistas pró-agricultura. Essa ação no Supremo Tribunal Federal argumenta que os povos indígenas só podem reivindicar terras onde estavam antes de 5 de outubro de 1988, quando a Constituição do país foi ratificada.
A ação surgiu de uma disputa de terras da etnia Xokleng, no estado de Santa Catarina, mas a decisão servirá de referência para todas as demarcações de terras indígenas no país. O debate expôs como a bancada ruralista do congresso nacional e instituições ligadas à agropecuária buscam expandir o setor em terras brasileiras, não apenas na Amazônia.
Indígenas protestam em Brasília em 2019. Líderes comunitários fazem campanha para que uma bancada indígena seja eleita nas eleições de outubro (Imagem: Mídia Ninja / CC BY-NC 2.0)
“Não podemos aceitar aleatoriamente que a demarcação indígena seja feita sem critérios claros”, disse o ex-deputado federal Neri Geller, ex-vice-presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, a bancada ruralista. Embora tenha apoiado Jair Bolsonaro nos anos anteriores, Geller agora apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que lidera as pesquisas na corrida presidencial antes das eleições de domingo, 2 de outubro.
Muitos líderes indígenas se manifestaram sobre o caso marco temporal. A proposta, dizem esses grupos, desconsidera as expulsões, remoções forçadas e toda a violência sofrida antes da entrada da Constituição. Eles temem que o direito aos territórios, retomados após décadas de lutas, seja perdido, assim como aqueles que ainda estão em processo de demarcação.
“Estamos aqui para reivindicar todos esses direitos diante dos retrocessos e do ataque genocida deste governo a todos os povos indígenas em regiões de todo o Brasil”, disse Laura Parintintin, líder indígena e estudante, em protesto em Brasília em junho.
Mas essa disputa não é recente. A discussão em torno do marco temporal na Suprema Corte ilustra uma batalha pela terra que permeia toda a história do país. “A formação do Estado brasileiro se baseia não apenas em conceitos, mas também em alianças com ruralistas [que existem] desde que o Brasil é Brasil”, explica Mayrá Lima, cientista política da Universidade de Brasília, que pesquisa as bancadas ruralistas no Congresso.
Hoje, a Frente Parlamentar Agropecuária conta com 280 integrantes e se reúne para tratar de assuntos ligados ao agronegócio. Além da discussão do marco temporal na Suprema Corte, a bancada tem apoiado a aprovação de projetos de lei como a regularização da mineração em territórios indígenas, mudanças no licenciamento ambiental (que Geller liderou), flexibilização da aprovação de agrotóxicos e concessão de anistia por ocupação ilegal de terras públicas. Esses projetos foram apelidados pelos ambientalistas de “pacote de destruição”.
É lógico que a Amazônia precisa de infraestrutura e serviços públicos, mas da forma correta
“Precisamos avançar nesses gargalos que defendemos aqui no Congresso”, disse Geller. “Você tem que preservar, mas e as pessoas que precisam comer?”
Os ruralistas no Congresso ganharam maior respaldo político durante o governo Bolsonaro. “Quero dizer que esse governo aqui é seu”, disse o presidente a deputados da bancada ruralista em 2019.
Esse respaldo explica o apoio que setores ligados ao agronegócio têm dado a Bolsonaro, como já discutido em episódios anteriores do Amazônia Ocupada. Essa aliança resultou em políticas de demarcação zero de territórios indígenas pelo atual governo, desmantelamento dos órgãos de fiscalização ambiental e revolta no próprio ministério do meio ambiente.
Manifestação dos povos originários em Brasília.
O governo começou a se mover para “derrubar a legislação ambiental”, segundo Suely Araújo, ex-presidente do IBAMA e assessora legislativa por quase 30 anos. “Os parlamentares que atuam em prol do meio ambiente sempre foram poucos. Mas as organizações da sociedade civil tiveram apoio importante no Ministério do Meio Ambiente, independentemente do presidente. No governo Bolsonaro isso se inverteu”, explica.
Araújo diz que sua luta nos últimos quatro anos em Brasília “tem sido para impedir, o tempo todo, todos os dias, o retrocesso da legislação ambiental”. Ela diz que a aposta da preservação ambiental contra o desenvolvimento econômico, como sugerido por Geller, está ultrapassada.
“É lógico que a Amazônia precisa de infraestrutura e serviços públicos, mas da forma correta. Modelos que não são pensados para a Amazônia e de degradação ambiental não são o futuro”, afirma. “O que a Amazônia precisa é de floresta em pé, investimento em ciência, tecnologia e respeito e valorização do conhecimento tradicional.”
Temos simpatizantes não indígenas, mas é diferente quando um parente indígena está lá
As pesquisas até agora sugerem que as próximas eleições presidenciais trarão uma mudança de governo e, segundo especialistas como Araújo e Lima, um realinhamento das prioridades de Brasília em questões indígenas e ambientais.
Em protestos na capital, jovens lideranças nos contaram que os últimos anos do atual governo foram importantes para aproximar os grupos indígenas, se organizarem e disputarem espaços de poder, por exemplo, na candidatura de povos indígenas às eleições nacionais e regionais.
“É por meio desses espaços que poderemos mudar algo na questão indígena”, disse Thaira Pripra, estudante que veio protestar contra o marco temporal. “Temos apoiadores não indígenas, mas é diferente quando um parente indígena está lá.”
Segundo ela, a esperança está em pessoas como Joênia Wapixana, única deputada indígena no Congresso, bem como na possibilidade de eleger uma bancada do cocar – uma “bancada do cocar” composta por vozes indígenas e pró-indígenas.
O quinto e último episódio de Amazônia Ocupada já está disponível, apenas em português, no Spotify , Apple , Amazon e Deezer .
Felipe Betim é um jornalista brasileiro radicado em São Paulo. Escreve sobre política, meio ambiente, segurança pública e direitos humanos, tendo passado oito anos no El País.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2022.