A falta de uma definição do que seja “sustentável” na agricultura e os pedidos de investimentos para elevar a produtividade no campo – sem especificar quais práticas agrícolas poderiam ser beneficiadas – incomodaram representantes de organizações não governamentais presentes na Rio+20. Na opinião dos ambientalistas, o texto final produzido nesta semana escancara o que todos já sabiam: a polêmica em torno da modificação genética dos alimentos não é mais tabu. Ao contrário, confirmou-se como solução da lavoura.
http://www.ihu.unisinos.br/noticias/510724-texto-nao-define-o-que-e-sustentavel-na-agricultura-e-favorece-transgenicos
A reportagem é de Bettina Barros e publicada pelo jornal Valor, 22-06-2012.
Criticados como “vagos”, os poucos itens relacionados à agricultura sugerem que a preocupação com a biotecnologia não foi sequer uma questão a ser considerada nas reuniões preparatórias que culminaram com a aprovação das 193 delegações do documento final. De forma genérica, o texto pede apenas para que haja aumento nos investimentos para elevar a produtividade no campo e, assim, atender a demanda de um mundo cada vez mais populoso e faminto.
Os ambientalistas perderam essa batalha há algum tempo – pouca gente ainda duvida que exista uma maneira mais rápida de produzir muito sem mexer nos genes das plantas para dar-lhes mais resistência à seca e pragas diante das mudanças climáticas. Nem mesmo as advertências sobre os possíveis impactos ao ambiente e à saúde foram capazes de levantar a barreira da anti-biotecnologia novamente. Só faltava jogar a pá de cal no assunto, oficialmente e globalmente. O discurso de 9 bilhões de pessoas no planeta em 2050 se sobrepôs aos alertas, e a sustentabilidade econômica preponderou.
“A presidente Dilma [Rousseff] certa vez falou que os ambientalistas teriam de rasgar suas fantasias, no sentido de que há perdas que terão que aceitar”, disse o economista Sérgio Besserman, à frente das atividades da prefeitura carioca na Rio+20. “Não há almoço grátis, não dá para se ter tudo. O que eu acrescento é que os agricultores também terão de rasgar as suas fantasias. Porque sem florestas, sem matas ciliares e biodiversidade também não há agricultura”.
Ricardo Ulate, especialista em mudanças climáticas da organização Conservação Internacional (CI), vai na mesma direção. “Não há outro jeito. Não tem como fazer de outra forma e isso não é mais problema”.
Na realidade, nem mesmo os ambientalistas esperavam algo diferente. Segundo Cássio Moreira, especialista em agricultura da WWF Brasil, o texto está genérico justamente para permitir todos os modelos de agricultura, inclusive o da biotecnologia. “Foi um posicionamento estratégico para que todos fossem beneficiados”, diz.
Em sua opinião, perdeu-se uma chance preciosa de injetar fôlego em práticas agrícolas sustentáveis como a agroecologia, ainda pouco desenvolvidas por falta de políticas públicas e aportes financeiros, e incrementar a agricultura familiar, responsável por 20% da área plantada e mais de 60% dos alimentos fornecidos no mundo.
Ao não definir o que é sustentável, o texto da Rio+20 também abriu a possibilidade para que qualquer um se aproprie do termo, “como já acontece hoje”, diz Julian Oram, campaigner de agricultura do Greenpeace International. “Monoculturas, sementes transgênicas são sustentáveis?”.
Os engenheiros genéticos dizem que sim. E aqui na Rio+20 devolvem um argumento difícil de bater: quanto mais ciência e tecnologia, menor a necessidade de abrir novas áreas para lavouras. As florestas ficam de pé.