A declaração final da Rio+20 desapontou os que esperavam metas e prazos – respaldadas por transferências de dinheiro e tecnologia – para a conversão da produção e do consumo para padrões ambientalmente sustentáveis. Mas essa não era a ambição do Brasil nem de seus principais parceiros: China e Índia. Daí a discrepância entre a visão de sucesso de seus governos e a denúncia geral de fracasso por outros países e pelas organizações não governamentais.
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A reportagem é de Lourival Sant’Anna e publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 24-06-2012.
A estratégia do Brasil e de seus grandes parceiros emergentes é unir proteção ambiental e combate à pobreza. Isso não é exatamente um segredo. No cenário de todas as salas de reunião do Riocentro estava o dístico do governo Dilma Rousseff: “Um país rico é um país sem pobreza.” Desde 1970 os países ricos têm-se comprometido, em sucessivas conferências da ONU, a destinar 0,7% de seus Produtos Nacionais Brutos (todas as riquezas de um país menos a renda dos estrangeiros) à ajuda aos pobres, chamada de Assistência Oficial ao Desenvolvimento (ODA, em inglês). Se isso fosse cumprido, geraria cerca de US$ 200 bilhões por ano. Mas apenas cinco países têm atingido esse nível: Noruega, Suécia, Dinamarca, Luxemburgo e Holanda. A Grã-Bretanha está a caminho de tornar-se o sexto.
O documento final diz: “Reconhecemos que o cumprimento de todos os compromissos de ODA é crucial, incluindo os compromissos de muitos países desenvolvidos de atingir a meta de 0,7% do PNB em ODA para países em desenvolvimento até 2015, assim como uma meta de 0,15% a 0,20% do PNB para ODA aos países menos desenvolvidos”. A declaração não obriga os países que recebem a ajuda a destiná-la a projetos de desenvolvimento sustentável – além de tomar o cuidado de evitar medidas protecionistas baseadas na questão ambiental. “Os países escolhem o seu futuro”, disse ao Estado o embaixador André Corrêa do Lago, diretor do Departamento de Meio Ambiente do Itamaraty e negociador brasileiro.
É por isso que representantes da ONU salientaram a importância da participação da chamada “sociedade civil”. A aposta é que a opinião pública dos respectivos países exija essa vinculação entre desenvolvimento, combate à pobreza e proteção ambiental.
Essa estratégia explica a resistência do Brasil à elevação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma) à condição de agência – ao lado da economia verde, o outro eixo da Rio+20, sob o tema da “governança”. A ação do Brasil está focada não no Pnuma, mas no Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Ao lado da administradora do PNUD, Helen Clark, a ministra do Meio Ambiente do Brasil, Izabella Teixeira, anunciou, na sexta-feira, a criação de um Centro Mundial para o Desenvolvimento Sustentável, que terá sede no Rio. A ministra disse que o Centro será “o legado da Rio+20”.
Tanto Izabella quanto Helen salientaram que a abordagem do centro integrará inclusão social e proteção ambiental.
Balanço
A imagem gasta do copo meio cheio ou meio vazio, para avaliar o sucesso ou o fracasso da Rio+20, foi usada nos debates de encerramento. O copo meio vazio é a falta de compromissos com metas e prazos na conversão para uma “economia verde”. O copo meio cheio é o fato de um documento final ter sido aprovado, com compromissos, ainda que vagos, com o desenvolvimento sustentável, dentre 193 países com posições inconciliáveis, numa organização em que se decide por consenso.
Essa carta de princípios aprovada no Rio é o máximo denominador comum entre os diversos blocos – Estados Unidos, União Europeia, Japão, G-77 e China. A crise econômica na Europa e a eleição presidencial americana podem ter inibido compromissos mais palpáveis. Mas o mais provável é que haja aqui uma questão estrutural, e não apenas conjuntural: a Rio+20 pode ter cristalizado uma mudança de paradigma nas chamadas relações Norte-Sul.
“Não pode ser mais ‘nós concordamos se vocês pagarem'”, disse ao Estado o finlandês Timo Makela, diretor de Assuntos Internacionais da Direção Geral para o Meio Ambiente da Comissão Europeia. “Isso não funciona mais.” André Correa do Lago concorda: “Não há uma reiteração de que os países em desenvolvimento só vão se mexer se receberem dinheiro.” Segundo ele, “a Rio+20 é um marco na evolução da visão de mundo” da comunidade internacional. “Os países que foram mais bem-sucedidos ambientalmente, e sobretudo social e economicamente, nos últimos anos, não o foram graças à cooperação internacional. Foram os que buscaram as próprias respostas”, observou o diplomata brasileiro, referindo-se à China, à Índia e ao Brasil.
“Os países desenvolvidos nunca poderiam, por meios internacionais, fazer o Brasil diminuir o desmatamento no nível que o Brasil decidiu, de 80% até 2020, ou a China investir monstruosamente em energia solar”, avalia Corrêa do Lago. “O que esse documento observa é que, deixando os países em desenvolvimento agir a partir de sua decisão, a coisa sai muito mais certa.”
O embaixador brasileiro reconhece que a realidade dos países pobres é diferente da desses grandes emergentes. “Daí a importância da OAD”, argumenta ele. O norueguês Olav Kjorven, subsecretário-geral do PNUD, concorda. “O texto é muito forte em ODA“, disse Kjorven ao Estado. “Diz que não podemos retroceder, mesmo na difícil situação econômica que estamos enfrentando.”
A visão dos governos brasileiro, chinês e indiano de desenvolvimento sustentável é bem diferente da dos ambientalistas. A Usina de Belo Monte, por exemplo, não passa pelo crivo deles, porque embora gere uma fonte renovável de energia causa um impacto ambiental considerado inaceitável.
Deslocamento
O que fica da Rio+20 é o deslocamento de parte da responsabilidade dos governos para a sociedade civil – não só a opinião pública mas também o setor privado. Cerca de 1.500 presidentes de empresas de 60 países participaram de eventos paralelos à conferência, e assumiram mais de 200 compromissos – 45 deles se comprometeram a investir no uso eficiente da água, e a pressionar seus respectivos governos a fazer o mesmo.
Foram registrados no total 692 compromissos voluntários assumidos por governos, empresas, grupos da sociedade civil e universidades, que mobilizarão US$ 513 bilhões. Os oito maiores bancos regionais do mundo investirão US$ 175 bilhões nos próximos cinco anos em projetos de transporte sustentável, como ônibus com energia eficiente e infraestrutura para bicicletas e para pedestres.
Em resposta à crítica dos europeus à falta de metas e prazos no documento final, o embaixador Luiz Alberto Figueiredo Machado, chefe da delegação brasileira, e a ministra Izabella Teixeira disseram que não se pode cobrar compromissos sem colocar dinheiro sobre a mesa. Talvez seja uma resposta velha a uma cobrança velha.