https://www.wired.com/story/plastitar-is-the-unholy-spawn-of-oil-spills-and-microplastics
Matt Simon
08 de junho de 2022
É a geração profana de derramamentos de petróleo e microplásticos. Nas belas praias das Ilhas Canárias, os cientistas descobriram um novo poluente nocivo: alcatrão misturado com pequenos pedaços de plástico.
Na costa leste de Tenerife, a maior das Ilhas Canárias, estende-se a Praia Grande, com suas águas límpidas e areia fina. Ao se subir num de seus afloramentos, no entanto, vai se notar algo errado: grande parte dessa rocha é mais escura, mais macia e mais quente do que o resto, além de pontilhada com chuviscos coloridos. Parece alegre, sim, mas na verdade é um novo tipo diabólico de poluição.
Os cientistas que acabaram de descobrir o “plastitar” (nt.: em inglês ‘plastic+tar’=plástico+alcatrão), forma como chama esse horror. É alcatrão de derramamentos de petróleo misturado com os microplásticos multicoloridos que estão sendo lançados totalmente descontrolados nos oceanos do mundo. (Microplásticos são pedaços de resíduos plásticos que se fragmentam, com menos de 5 milímetros de comprimento).
Esses cientistas examinaram a rocha em Playa Grande e mais da metade dela estava coberta por essa substância nociva. Eles também encontraram o novo poluente nas ilhas vizinhas de El Hierro e Lanzarote. “Vimos que o alcatrão estava completamente cheio de plásticos”, diz Javier Hernández-Borges, químico analítico da Universidade de La Laguna e coautor de um novo artigo na revista Science of the Total Environment. “Descobrimos algo novo e que provavelmente está acontecendo em muitos lugares ao redor do mundo, não exclusivamente nas Ilhas Canárias.”
FOTOGRAFIA: DOMÍNGUEZ-HERNÁNDEZ, ET AL
Aqui está uma boa olhada em um afloramento rochoso coberto de ‘plastitar’. No canto inferior esquerdo você pode ver uma corda, provavelmente de pesca, que hoje em dia é feita em grande parte de plástico. Na foto inferior direita estão o que parecem lentilhas, mas na verdade são “nurdles”. Estas são as matérias-primas usadas para fazer produtos plásticos, pellets que devem ser derretidos em garrafas ou sacos. Mas quando os ‘nurdles’ são transportados ao redor do mundo, eles se espalham regularmente em números surpreendentes. De acordo com uma estimativa, cerca de 230 mil toneladas desse material entram nos oceanos todos os anos.
Na imagem a seguir, os pesquisadores também identificaram muitos outros tipos de microplásticos embutidos no alcatrão – fragmentos e fibras em várias cores. Por exemplo, sempre que se lava uma carga de roupas sintéticas como poliéster ou náilon, milhões de fibras se soltam das roupas e são lançadas no mar pelos esgotos, com as águas residuais. Fragmentos, por outro lado, provavelmente vêm de objetos plásticos maiores flutuando em mar aberto, quebrando-se em pedaços cada vez menores. “A maior parte do plástico que estamos vendo é fragmento plástico degradado, não nurdles”, diz Deonie Allen, cientista de microplásticos da Universidade de Strathclyde, que não esteve envolvida na pesquisa. “Então é bem e verdadeiramente nosso lixo do dia a dia que está fazendo isso.”
FOTOGRAFIA: DOMÍNGUEZ-HERNÁNDEZ, ET AL
É importante notar que Hernández-Borges e seus colegas estavam procurando por partículas tão pequenas quanto 1 milímetro, o que significa que muitos, muitos bits menores escaparam da detecção. À medida que a ciência dos microplásticos progrediu, os pesquisadores começaram a testar nanoplásticos – partículas menores que um milionésimo de metro. Uma carga de roupa pode liberar trilhões desses nanoplásticos no mar.
Embora saibamos de onde os plásticos vieram, a origem desse alcatrão em particular não estava clara. Mas, de um modo geral, sempre que o petróleo derrama, flutua e evapora parcialmente, engrossando com o tempo em bolas de alcatrão, que depois chegam à praia. É basicamente uma massinha de modelar super-tóxica.
“Uma vez grudada na rocha, a onda traz microplásticos ou qualquer lixo e o empurra para dentro desta massinha”, diz Hernández-Borges. “Os microplásticos vão chegando, chegando, e assim vai constantemente. Os microplásticos que encontramos no alcatrão são os mesmos que encontramos na costa”. Esses pequenos pedaços aumentam a nocividade do plastitar, porque os plásticos são carregados com milhares de seus próprios produtos químicos, muitos dos quais são conhecidos por serem tóxicos para humanos e outros animais.
Esses pesquisadores ainda não sabem dizer que efeito o plastitar pode ter sobre os organismos que vivem nas praias das Ilhas Canárias. Mas o problema pode ser duplo. “Se houvesse algas ou qualquer outro organismo, essas rochas estando completamente cobertas com isso, com certeza morrerão”, diz Hernández-Borges. Em segundo lugar, o plastitar é mais escuro que a rocha, o que significa que absorve mais energia do sol. “Se você tocá-lo, verá que também está muito, muito quente, mesmo”, diz ele. Isso poderia aumentar significativamente as temperaturas ao nível do solo, com implicações desconhecidas para os organismos que vivem aí.
Em um estudo anterior em uma ilha remota no Pacífico, uma equipe separada de pesquisadores descobriu que partículas de plástico aumentavam a temperatura da areia da praia . Isso pode colocar em risco as tartarugas marinhas, cujo sexo é determinado pela temperatura da areia em que os ovos são colocados – se ficar muito quente, todas elas se tornarão fêmeas, o que não é bom para a reprodução sexual de uma espécie.
A descoberta do plastitar adiciona mais uma camada de complexidade ao problema da poluição plástica oceânica. Por muito tempo, os ambientalistas se preocuparam principalmente com coisas grandes, como garrafas e sacolas flutuantes. Não foi até o início dos anos 2000 que os cientistas começaram a investigar os microplásticos a sério, descobrindo posteriormente que quase toda a Terra está contaminada. As partículas estão sendo levadas na atmosfera e atingindo as montanhas mais altas. No céu, eles podem estar tendo um efeito climático – embora não esteja claro se eles ajudarão a aquecer ou resfriar o planeta. As pessoas estão comendo e bebendo muitos microplásticos, e os bebês estão bebendo ainda mais em seus alimentos fórmula, mas os cientistas estão apenas começando a investigar o que isso pode significar para a saúde humana.
Ainda mais recentemente, os pesquisadores vêm descobrindo “novas formações plásticas”, das quais o plastitar é apenas a mais recente. Quando o plástico queima em fogueiras na praia, por exemplo, forma uma matriz retorcida de polímero misturado com areia e outros detritos. O “plasticrust” se forma de maneira semelhante ao plastitar, quando as ondas esmagam o plástico nas rochas costeiras, mas sem o envolvimento do alcatrão. (Altas temperaturas externas aquecem as rochas, o que pode ajudar o material sintético a se fundir a elas). E os cientistas estão começando a investigar o que chamam de antropoquina, ou nova rocha sedimentar feita de plástico e outros materiais feitos pelo homem. “Se alguém em milhares de anos encontrar uma dessas rochas, provavelmente encontrará plástico e verá como vivíamos”, diz Hernández-Borges. “Será uma espécie de registro geológico”.
E – porque alguém pode pensar – sendo bem claro, não devemos nos inspirar no plastitar como forma de livrar o mar de microplásticos. “Eu li isso e disse: de jeito nenhum!”, diz Allen.
“Algum idiota lá fora pode propor: basta colocar petróleo em toda a superfície do mar e depois limpá-la. Não! Pelo amor de deus.”
Matt Simon é jornalista científico da WIRED, onde cobre biologia, robótica, cannabis e meio ambiente. Ele também é o autor de Plight of the Living Dead: What Real-Life Zombies Reveal About Our World—And Ourselves , and The Wasp That Brainwashed the Caterpillar, que ganhou um Alex Award.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2022.