*ARQUIVO* APUÍ, AM, 20.08.2021 – Desmatamento recente no município de Apui, no sul do Amazonas. ( Foto: Lalo de Almeida/ Folhapress)
FABIANO MAISONNAVE
23 de novembro de 2021
MANAUS, AM (FOLHAPRESS) – Em derrota para o governador bolsonarista Coronel Marcos Rocha (PSL), o Tribunal de Justiça de Rondônia considerou inconstitucional uma lei, aprovada em maio de 2021, que gerava a redução de 219 mil hectares de unidades de conservação estaduais –o que abriria o caminho para legalizar desmatamento e grilagem de terras. A decisão foi unânime.
“Descumpriu-se o dever de preservação eficaz dos bens ambientais. E a ‘solução’ foi referendar a ilegalidade e incentivar ocupações ilícitas e espúrias”, afirmou o relator, o desembargador Miguel Monico Neto, em seu voto no julgamento, ocorrido nesta segunda-feira (22).
“Acaso a lei permaneça, se dará a típica vitória do atrevimento, em que verdadeiras organizações criminosas fomentam invasões em áreas institucionais que deveriam ser protegidas”, disse ainda.
Em sua decisão, o magistrado acatou parecer da PGE (Procuradoria-Geral do Estado), segundo a qual a redução da Resex (Reserva Extrativista) Jaci-Paraná e do PES (Parque Estadual) Guajará-Mirim contraria o interesse público e não poderia ter sido feita sem a realização de estudos técnicos, além do risco de gerar mais conflitos entre invasores e populações tradicionais e indígenas.
A Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) foi responsabilidade do Ministério Público do Estado de Rondônia.
Em sua sustentação oral, o procurador-geral de Justiça, Ivanildo de Oliveira, lembrou que o próprio governador Rocha assinou uma mensagem de veto ao projeto de lei aprovado na Assembleia Legislativa, classificando a redução de “maior retrocesso ambiental da história de Rondônia”.
A mensagem, revelada pela Folha, nunca foi publicada no Diário Oficial do Estado: horas depois de assinar o veto, Rocha mudou de ideia e decidiu aprovar a redução das unidades de conservação na íntegra, em 20 de maio deste ano.
O governador nunca explicou a reviravolta. Procurado pela reportagem nesta terça-feira (23), o governo de Rondônia não informou se irá recorrer.
Um obstáculo é a posição da própria PGE, que seria a encarregada do recurso, mas elaborou o parecer contrário à redução e ratificou essa posição durante o julgamento na segunda-feira.
Em nota à imprensa, o governo estadual se limitou a dizer que “respeita a determinação do Poder Judiciário e que continuará trabalhando com os demais atores estatais para reduzir os conflitos socioambientais que, atualmente, ocorrem nas referidas unidades de conservação”.
A lei anulada pela Justiça praticamente extinguiria a Resex Jaci-Paraná, que ficaria sem 88% do território de 191 mil hectares. É uma das áreas protegidas mais devastadas do país, com mais da metade de sua floresta já convertida em pasto.
Há 120 mil cabeças de gado, segundo o próprio governo estadual, apesar de a pecuária em larga escala ser uma atividade proibida.
Newsletter FolhaJus Dia Receba no seu email a seleção diária das principais notícias jurídicas; aberta para não assinantes. *** “Foi uma vitória nossa”, diz a líder indígena Txai Suruí, 24, o principal destaque brasileiro na recém-encerrada COP26, em Glasgow, ao discursar no evento principal da cúpula do clima.
“São unidades de conservação ao lado da terra indígena Karipuna. Se a gente perdesse essas áreas, ela ficaria muito mais enfraquecida, à mercê dos invasores. Além disso, essa ação seria usada para acabar com outras unidades de conservação”, afirma a jovem, do povo paiter-suruí.
No último ano do curso de direito, Txai Suruí faz parte do núcleo jurídico da Kanindé, uma das ONGs que entraram na Justiça contra a redução, entre as quais a WWF.
A decisão de segunda-feira, no entanto, não incluiu uma ordem para a retirada dos invasores.
Além disso, com a expectativa de regularização, o desmatamento entre agosto de 2020 e julho de 2021 acumulou 10,7 mil hectares na Jaci-Paraná, segundo o sistema Prodes, do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Foi a terceira unidade de conservação mais desmatada do país nesse período.
Para o coordenador do núcleo jurídico da Kanindé, Ramires Andrade, o próximo passo será retirar os invasores e recuperar a área. “Ainda não é o nosso resultado esperado. É necessário retirar os invasores e o gado. Vamos insistir nessa busca.”