O lado obscuro do óleo de palma ‘sustentável’ da Amazônia

Época de colheita em uma plantação de óleo de palma no Parál. Foto de Miguel Pinheiro / CIFOR

POR KARLA MENDES 

EM 12 MARÇO 2021

  • O óleo de palma, monocultura sinônimo de desmatamento e conflitos no Sudeste Asiático, está se expandindo na Amazônia, onde os mesmos problemas estão ocorrendo.
  • Povos indígenas e comunidades tradicionais afirmam que plantações próximas a seus territórios estão poluindo a água, contaminando o solo e provocando a escassez de peixes e animais de caça.
  • Pesquisadores detectaram altos níveis de resíduos de agrotóxicos em cursos d’água nessas comunidades, embora ainda dentro dos limites legais do Brasil. O Ministério Público Federal está processando as empresas, acusando-as de violar os direitos das comunidades indígenas e tradicionais e destruir o meio ambiente.
  • Estudos baseados em imagens de satélite também jogam por terra as afirmações das empresas de que a monocultura da palma foi implantada apenas em terras previamente desmatadas.

TOMÉ-AÇU, Pará – Guiados por Lúcio Tembé, cacique da aldeia Turé, percorremos estradas de chão na Terra Indígena Turé-Mariquita, uma “ilha verde” de floresta nativa cercada de plantações de dendê na Amazônia. Fileiras uniformes de palmeiras de dendê cobrem enormes extensões de terra no nordeste do Pará, onde no passado havia uma extensa e vibrante floresta tropical.

A equipe de reportagem da Mongabay foi à região para investigar se o negócio do óleo de palma, avaliado em centenas de milhões de dólares, é sustentável e ecologicamente correto, como propagandeiam os representantes da indústria.

O Ministério Público Federal (MPF) trava uma batalha judicial contra os principais exportadores de óleo de palma do país há sete anos, acusando-as de contaminar os rios, envenenar o solo e prejudicar a subsistência e a saúde de povos indígenas e comunidades tradicionais, acusações que as empresas negam.

Os relatos de abuso que ouvimos do nosso guia pareciam quase inacreditáveis. Após ouvir dezenas de denúncias de contaminação da água nas aldeias indígenas, o cacique Tembé nos levou até uma usina da Biopalma da Amazônia — maior produtora e exportadora de óleo de palma do país — próxima ao Rio Acará, que serpenteia pela região amazônica por quase 400 quilômetros antes de desaguar na foz do Rio Amazonas.

“Olha lá”, diz Tembé, “eles vão jogar bagaço [de óleo de palma] no rio!”

Ao sairmos do carro, presenciamos — e filmamos —  da margem do rio, caminhões sem identificação estacionarem sobre uma balsa e, em seguida, um homem com uma pá despejar resíduos de um dos caminhões no rio. Tembé nos disse que o resíduo marrom escuro é uma mistura tóxica de matéria orgânica, inseticidas e herbicidas das usinas de óleo de palma da região. Todos os dias, dezenas de caminhões despejam esses efluentes no Rio Acará, acrescentou o cacique.

Representantes do setor nos disseram posteriormente que tais fatos não ocorrem e que a produção de óleo de palma não causa danos à saúde humana ou ao meio ambiente. Mas o lançamento de resíduos que vimos, bem como a rápida crise de tosse, falta de ar, náuseas e dores de cabeça ao inalarmos o odor do agrotóxico que exalava das palmeiras foram suficientes para nos convencer de que valia a pena investigar essas alegações.

Durante mais de um ano, investigamos as denúncias feitas por comunidades locais de abusos generalizados por empresas de óleo de palma no país, o que aparenta ser um padrão em toda a indústria quanto ao desrespeito pela preservação da Amazônia e pelos direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais.

“O dendê trouxe só muitos problemas pra nós. Primeiro, trouxe destruição da nossa fauna, da nossa flora, dos nossos rios”, diz Tembé enquanto olha para o Rio Turé, próximo à Terra Indígena (TI) Turé-Mariquita. “Essa água não serve. De primeira, nós bebíamos. Esse rio aqui era o mercado de toda a população, onde eles pescavam, a mata onde caçavam.”

Os direitos dos povos indígenas e comunidades tradicionais são protegidos pela Constituição Brasileira e acordos internacionais dos quais o Brasil é signatário. A Constituição também estabelece que todos os brasileiros têm direito a um “meio ambiente ecologicamente equilibrado”.

Mas, na prática, a legislação do estado do Pará para a monocultura da palma ignorou esses compromissos. A usina da Biopalma e a plantação em frente ficam ao lado do Rio Acará, sem nenhuma zona de amortecimento, com aprovação do governo do Pará, segundo documentos aos quais a Mongabay teve acesso.

Desde 2014, o MPF enfrenta uma batalha na justiça para aprovar uma perícia judicial sobre a contaminação por agrotóxicos e os impactos socioambientais e à saúde na zona de produção da Biopalma no município de Tomé-Açu, na TI Turé-Mariquita e áreas adjacentes. “Não se trata de problemas ínfimos, diante de povos indígenas”, escreveu o procurador da República Felício Pontes Júnior, em uma ação contra a Biopalma. “A empresa-ré[Biopalma] tem conhecimento das reclamações [dos] indígenas”.

As reclamações tiveram início em 2012, quando as comunidades indígenas e tradicionais começaram a sentir os impactos de maneira mais forte. Quando a ação foi proposta, o juiz federal Antonio Carlos Almeida Campelo rapidamente emitiu uma liminar, em 23 dezembro de 2014, autorizando a realização da perícia, mas 43 dias depois uma sentença do juiz federal Arthur Pinheiro Chaves a anulou, em 4 de fevereiro de 2015. O MPF recorreu e até hoje não houve o julgamento do mérito.

“A empresa vai dizer que não tem impacto. Então se ela diz que não tem [impacto] e a gente diz que tem, vamos fazer a perícia”, disse Pontes Júnior à Mongabay em uma entrevista por telefone em janeiro deste ano.

O boom de uma indústria controversa

O óleo de palma tornou-se onipresente nas sociedades de consumo. É um dos principais óleos vegetais produzidos e comercializados em todo o mundo. Isso se deve em parte à sua imensa versatilidade: 80% de sua produção é canalizada para a indústria de alimentos, na qual é um ingrediente-chave para gigantes do setor como Unilever e Nestlé.

Embora a maioria da população nunca tenha visto o óleo em estado bruto, muitos de nós vamos consumi-lo de alguma forma. Vários derivados do óleo de palma são encontrados em chocolates, sorvetes, biscoitos, margarinas e inúmeros outros produtos. É encontrado também em itens de higiene, beleza e limpeza e até mesmo na bomba de gasolina, na forma de biodiesel. Rico em vitaminas A e E e o melhor substituto para gorduras trans, proibidas nos Estados Unidos em 2018, é o óleo preferido do capitalismo global.

Mas pesquisadores estão cada vez mais preocupados com os danos socioambientais que sua popularidade trouxe a muitas comunidades rurais em países tropicais. Os danos causados às florestasà fauna, a flora, aos povos indígenas e ao abastecimento de água na Malásia e Indonésia, que juntos respondem por 85% da produção global de óleo de palma, estão bem documentados, assim como os problemas na África, onde a indústria cresceu nos últimos anos. Menos investigado e divulgado até o momento são seus impactos na Amazônia brasileira.

Embora o Brasil seja responsável por apenas 1% da produção global de óleo de palma (cerca de 540 mil toneladas em 2020), a indústria está crescendo rapidamente no país. A área ocupada pelo dendê no norte do Pará —responsável por cerca de 90% da produção brasileira atualmente — quase quintuplicou entre 2010 e 2019, atingindo 236 mil hectares. Enquanto a produção nacional caiu ligeiramente em 2018, a produção no Pará aumentou em 47.653 toneladas (3,2%) no mesmo período.

Apesar do impulso do governo do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010 para estimular a produção de óleo de palma para ser usada como biodiesel, quase toda a produção brasileira ainda é utilizada na indústria de alimentos, principalmente como substituto do óleo de soja. Lula também lançou um programa nacional de biodiesel em 2004 e um programa de produção sustentável de óleo de palma em 2010, o que aumentou ainda mais a demanda.

Quando foi lançada, a política de sustentabilidade visava garantir a produção de biodiesel e proteger o meio ambiente, uma vez que proibia o desmatamento em áreas de floresta nativa para a expansão da fronteira agrícola associada à palma de óleo.

O Pará tem a maior taxa de desmatamento do país. Embora a pecuária e o cultivo da soja sejam os principais motores do desmatamento, há cada vez mais preocupações com os danos associados ao óleo de palma na região. Pesquisadores preveem uma expansão massiva da safra de dendê na Amazônia até 2030, impulsionada pela meta do governo de dobrar a proporção de biodiesel usado no país e eliminar gradualmente os combustíveis fósseis.

A maior parte da produção de óleo de palma brasileira é controlada por oito empresas. O maior produtor, Biopalma, era uma subsidiária da mineradora Vale, responsável pelos dois desastres ambientais mais catastróficos da história do Brasil. Como parte de um plano de desinvestimento, a Vale vendeu a Biopalma para a empresa de energia Brasil BioFuels S.A. (BBF) no final de 2020. Em um documento enviado ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), a BBF disse que não comercializa óleo de palma e que toda a sua produção é usada para geração de energia.

O Brasil exportou quase 90 mil toneladas de óleo de palma em 2017, tendo como principais mercados a Colômbia, a União Europeia, os EUA e o México, de acordo com o Trase, grupo de pesquisa coordenado pelo Instituto Ambiental do Estocolmo, e a organização não-governamental Global Canopy. A Biopalma respondeu por quase três quartos dessas exportações. A empresa, que atua no Pará desde 2007, anunciou a ambiciosa meta de se tornar a maior produtora de óleo de palma das Américas.

Água ‘envenenada’

À medida que a indústria do óleo de palma se expande no Brasil, a ameaça de contaminação da água se tornou uma preocupação crescente. Visitamos a TI Turé-Mariquita na estação seca da Amazônia, quando as empresas pulverizam agrotóxicos em grandes quantidades. Ativistas dizem que na estação chuvosa, quando os níveis dos rios aumentam substancialmente e inundam a área, todas as toxinas acumuladas vão para o rio, poluindo a água e matando peixes e outras formas de vida aquática.

Não fomos os únicos visitantes a sentir o impacto das plantações de dendezeiros. Os pesquisadores Jamilli Medeiros de Oliveira da Silva e Brian Garvey nos contaram o que sentiram depois de se banharem em um igarapé próximo ao Rio Acará.

“Nós tivemos coceira na pele e ficamos doentes por duas, três semanas”, afirma Garvey, pesquisador da Universidade de Strathclyde, em Glasgow, Escócia. “Muitos estudos mostram que a água está contaminada. Temos fotos deles [equipe da Biopalma] jogando veneno [agrotóxico] a poucos metros do rio.”

Um relatório de 2014 feito pelo Instituto Evandro Chagas (IEC), vinculado ao Ministério da Saúde, identificou agrotóxicos proibidos no país, como o endosulfan, em rios e igarapés próximos às plantações de dendê na região do Acará. Os pesquisadores coletaram amostras em 18 localidades aquáticas e identificaram a presença de agrotóxicos com ingredientes ativos ligados a distúrbios hormonais e câncer em 80% das amostras coletadas durante a estação chuvosa.

Não faltam evidências e casos sobre a contaminação da água por agrotóxicos. “A tia do meu esposo morreu com câncer”, disse à Mongabay a líder indígena Uhu Tembé, moradora da aldeia Yriwar. “A gente diz que é disso [contaminação causada pela palma] porque antes não tinha essas doenças na nossa aldeia. Os igarapés em que nossos filhos e nós tomávamos banho, nós não tomamos mais, por causa de muita coceira… E hoje tem muita doença na nossa aldeia … No verão a gente tem muita dor de cabeça porque é quando [as empresas] jogam veneno”.

Cíntia Tembé, outra moradora da TI Turé-Mariquita, conta que presenciou um jovem previamente sadio, cujo trabalho era aplicar agrotóxicos nos dendezeiros, adoecer e falecer no hospital local. “Ele chegou lá com dores exageradas no abdômen”, disse ela, em sua casa na aldeia Arar Zena’i. “Foi terrível. Começou a sair sangue pelo ouvido, pelo nariz, pelos olhos, como se algo por dentro dele tivesse estourado.”

O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do planeta, responsável pela compra de cerca de um quinto de todos os agrotóxicos produzidos globalmente. Dr. Peter Clausing, toxicologista da Pesticide Action Newtork (Rede de Ação contra Agrotóxicos na Alemanha, PAN na sigla em inglês), afirma que quatro dos nove pesticidas aprovados para uso em plantações de dendê no Brasil estão listados como “altamente perigosos”. Dois deles — glufosinato de amônio e metomil — estão proibidos na União Europeia.

Os resíduos resultantes da produção de óleo de palma contêm uma quantidade considerável de nutrientes orgânicos e metais pesados que podem contaminar rios, poluir o ar e gerar gases de efeito estufa. Os efluentes, em geral, são lançados em rios como um método de destinação fácil e barato, de acordo com Clausing.

“Já morreu uma irmã minha por câncer porque tomava a água água do rio [Turé]”, disse à Mongabay Emídio Tembé, cacique da aldeia Tekena’i, em 2019, durante nossa visita à Turé-Mariquita. “Faz dois anos que ela morreu de câncer por causa de água envenenada”, acrescentou ele, referindo-se aos agrotóxicos pulverizados pela Biopalma. “E tem nove anos que não podemos nem tomar água desse rio porque tá poluído com veneno”.

Quando a Biopalma deu início ao plantio de dendê na área da Turé-Mariquita em 2010, os moradores nos relataram que sentiram uma onda misteriosa de sintomas crônicos, debilitantes e às vezes fatais: dores de cabeça, coceira, erupções cutâneas e bolhas, diarreia e problemas estomacais. Muitas das queixas de saúde surgiram logo após beber ou tomar banho nos igarapés locais e coincidiram com a época de pulverização anual de pesticidas.

Os relatos dos impactos dos agrotóxicos usados na monocultura do dendê nas comunidades indígenas e tradicionais ganharam força com um estudo de 2017 que encontrou traços de três agrotóxicos (dois deles normalmente listados entre os usados no cultivo de dendê) nos principais igarapés e poços artesianos usados pelopovo Tembé na Turé-Mariquita.

Segundo pesquisa da Universidade de Brasília (UnB), o número de notificações de casos de doenças de pele em 2011 e 2012 aumentou consideravelmente. “Mais ou menos um ano depois do plantio, houve muitas reclamações de doenças de pele e dores de cabeça. Foi bastante intenso por uns seis meses”, disse uma agente de saúde indígena local aos pesquisadores. “Em 2005 [antes do plantio], eram quase zero os índices de doenças de pele, diarreia, gripe e dores de cabeça”.

Entre os agrotóxicos encontrados nas águas superficiais e subterrâneas da TI estavam os herbicidas à base de glifosato. O glifosato demonstrou ser cancerígeno e foi proibido ou restringido em mais de 20 países, embora não no Brasil. Os pesquisadores também detectaram em amostras de águas superficiais e sedimentos o inseticida endosulfan, um poluente orgânico persistente proibido no Brasil desde 2010.

“O achado científico mais importante desse estudo consiste na identificação, pela primeira vez, pelo menos até onde sabemos da literatura científica, de resíduos de herbicidas à base de glifosato em amostras ambientais de água, tanto superficial quanto subterrânea, em uma terra indígena circunvizinha a plantios de dendê”, disse à Mongabay Sandra Damiani, pesquisadora da UnB que conduziu o estudo. “Além disso, nossos dados também corroboram a presença de resíduos de outros contaminantes orgânicos no ambiente, desta vez feita não somente em água, mas também em amostras de sedimento coletadas nos mesmos corpos hídricos estudados”.

Damiani afirma ter encontrado resíduos de contaminantes em todos os seis igarapés e 40% dos poços usados para amostra. A presença de resíduos em amostras de água subterrânea foi considerada “particularmente preocupante” porque esses mananciais são a única alternativa aos igarapés para os indígenas nessa região.

“A gente observou um aumento muito grande de abertura de poços depois da chegada da empresa”, disse Damiani à Mongabay. “E a presença de resíduos nos poços foi uma surpresa e foi algo que nos chamou muita atenção e algo que exige muito cuidado porque aquela população tem uso ou do igarapé direto ou dos poços subterrâneos. Se os dois têm presença de contaminantes, como é que fica?”.

Os níveis máximos de resíduos de glifosato e endosulfan encontrados na água pelos pesquisadores foram 45,5 microgramas por litro (μg/L) e 0,03 μg/L, respectivamente. Embora estejam dentro dos limites legais no Brasil, estão bem acima dos níveis estabelecidos pela União Europeia, muito mais rígidos. “É uma discussão controversa”, disse à Mongabay Rosivaldo Mendes, pesquisador do IEC, que analisou as amostras. “Para mim, o limite seguro é não ter nada [na água].”

Após a divulgação dos resultados de sua pesquisa às autoridades, Damiani foi informada de que as empresas secomprometeram em não usar mais agrotóxicos próximo de terras indígenas.

A BBF, empresa de energia que adquiriu a Biopalma, afirmou em comunicado que não tem condições de avaliar a precisão dos estudos acadêmicos por não ter tido acesso aos resultados da análise. A empresa afirmou que “cumpre fielmente as normas e procedimentos ambientais aplicáveis à produção de dendê e desconhece a situação relatada em tal estudo”.

Legalmente, o limite de glifosato para água potável no Brasil é de 500 μg/L. “A água é [apenas] considerada insegura se estiver acima [desse nível]”, disse Mendes, acrescentando que discorda deste parâmetro.

A legislação brasileira não estabelece limites para nenhum resíduo de agrotóxicos em sedimentos, embora eles possam contaminar as lavouras e representar um risco para a saúde pública. Os sedimentos coletados por Damiani continham resíduos de DDT e seus produtos de degradação em níveis que excedem em muito os limites estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama). O DDT é proibido em mais de 40 países, incluindo o Brasil e os EUA. Não há limite no país para a contaminação de sedimentos com endosulfan.

Damiani afirma ter encontrado resíduos de pelo menos um contaminante em quase um terço das 33 amostras coletadas na TI Turé-Mariquita, com uma porcentagem muito maior de herbicidas à base de glifosato na água coletada durante a estação seca. Dois terços das amostras de água subterrânea e mais de um terço das amostras de águas superficiais continham vestígios de herbicidas à base de glifosato.

Pesquisa da Universidade Federal do Pará (UFPA) também detectou glifosato em amostras de água coletadas no município de Tailândia, outro pólo importante de produção de dendê no nordeste paraense. O estudo de 2018 também encontrou atrazina, um herbicida amplamente utilizado, e a presença de plantas aquáticas, indicativo de poluição da água por fertilizantes à base de nitrogênio, fósforo e potássio. O uso de atrazina não é permitido para a monocultura da palma no Brasil, mas agricultores familiares do Pará se referem à atrazina como um dos principais pesticidas usados na cultura da palma, disseram pesquisadores à Mongabay.

Na região de Tailândia, os maiores produtores de óleo de palma são a Agropalma, segunda maior produtora e exportadora do país, e a Belem Bionergia Brasil (BBB).

A Agropalma é a única empresa brasileira certificada pela Roundtable on Sustainable Palm Oil (RSPO), principal esquema de certificação mundial de sustentabilidade de óleo de palma. A empresa é subsidiária do conglomerado Alfa, grupo que atua nos setores de finanças, seguros, agronegócio, materiais de construção, comunicações, couro e hotelaria no país.

A BBB tinha como um de seus principais acionistas a Petrobras, pivô do escândalo de corrupção Lava Jato que levou o ex-presidente Lula à prisão. Atualmente, a empresa é controlada pela Ecotauá Participações e pela empresa de petróleo portuguesa Galp.

O estudo da UFPA, de autoria de Rosa Helena Ribeiro Cruz, coletou nove amostras de água nos afluentes das sub-bacias dos rios Anuerá e Aui-Açu. Os testes toxicológicos, realizados pelo IEC, encontraram “níveis significativos de glifosato”, mas ainda dentro dos limites regulamentares, em dois pontos de coleta em igarapés oriundos das plantações da BBB, segundo Cruz.

Atrazina dentro do limite regulatório do Brasil de 2 μg/L também foi detectada em dois pontos — fluxos de saída de água de plantações da BBB e no Vicinal Jandira, comunidade mais próxima às plantações da Agropalma, observou Cruz — incluindo uma interseção entre as plantações de dendê, milho e soja. Banido na UE, o herbicida ainda é frequentemente detectado em amostras de água duas décadas depois de seu uso ter sido proibido. A atrazina é bastante tóxica e potencialmente carcinogênica para os humanos e persiste no meio ambiente, principalmente em corpos d’água.

“Não tem como não dizer que não existe contaminação da água”, disse Cruz. “A gente chegou à conclusão [de que] esse agrotóxico glifosato está sendo levado. Mas como são agrotóxicos que ficam embaixo do solo, da água, ele vai se diluindo”. Ela acrescentou que não há dados anteriores disponíveis sobre a contaminação dos rios para Tailândia.

Não foram detectados traços de agrotóxicos nos pontos de coleta dentro das plantações da Agropalma, onde os pesquisadores foram acompanhados por funcionários da empresa.

“A BBB não deixou a gente entrar na empresa [área de plantio], só a Agropalma. Mas fomos acompanhados o tempo todo”, disse Cruz à Mongabay, acrescentando que os pontos de coleta foram escolhidos pela empresa. “Foram designadas duas pessoas para nos acompanhar e, no mesmo ponto em que a gente fazia a coleta, eles faziam também. Mas aí paira essa dúvida: não sei se realmente nos levaram nos pontos em que há lixiviação desse solo… Eles queriam que nós fizéssemos a minha análise dentro do laboratório deles, queriam que ficássemos lá dentro da Agropalma, pagando almoço, café, jantar, todo apoio, e a gente também não aceitou”.

O diretor de sustentabilidade da Agropalma, Tulio Dias Brito, disse que a empresa não usa atrazina. Ele também contestou a pesquisa, alegando que os pontos onde Cruz detectou atrazina não têm nenhuma ligação com a área da Agropalma.

“Eles estão longe da Agropalma e (…) estão a montante (…) Então, não tem como, mesmo se tivesse jogado (…) um caminhão de atrazina lá no igarapé da Agropalma direto, nesse ponto não ia pegar”, disse Brito à Mongabay em uma entrevista em fevereiro deste ano.

O geógrafo Daniel Sombra, coordenador do Laboratório de Análises Ambientais e Representações Cartográficas da UFPA, discorda. Embora a ordem natural do curso d’água seja a montante, afirmou, também pode ocorrer um fluxo a jusante, dado o alto nível de variação das marés dos rios amazônicos.

“[Esse ponto] fica 2 km a montante, rio acima, do Rio Aiu-Açu (…).Pode ser que eles [os agrotóxicos] venham de plantações a montante, acima, que são de outras propriedades, inclusive de familiar que tem a dendeicultura, algumas ligadas à BBB. Mas também não é impossível que os efeitos depositados a jusante, rio abaixo, possam andar para cima 2 km”, observou Sombra, que construiu os mapas para a tese de Cruz. “Então, fica indeterminado se realmente veio da montante ou da jusante. O fato é: são resíduos típicos de monocultura de palma”.

Brito também contestou as alegações da pesquisa sobre a presença de plantas aquáticas como indicativo de poluição da água por fertilizantes à base de nitrogênio, fósforo e potássio. Ele afirma que as fotos do estudo não mostravam superpopulação de macrófitas e que a existência de vários fatores na área poderiam ter desencadeado o seu crescimento, como a incidência solar e uma estrada próxima, deveriam ter sido levados em consideração. Brito também argumentou que faltaram análises laboratoriais para essas substâncias e que nenhum dos pontos de coleta é próximo à Agropalma.

Brito afirma que, desde 2015, a Agropalma coleta amostras de água em igarapés dentro da área da empresa para verificar a presença de fósforo e nitrogênio em oito pontos pré-selecionados, como uma das exigências do Palm Oil Innovation Group (POIG), grupo constituído pela indústria da palma para a adoção de práticas sustentáveis. Os resultados das análises são publicados no relatório anual de sustentabilidade da empresa.

“Quando compara igarapé que atravessa a plantação de palma, a gente compara com igarapé que só atravessa floresta primária. Não é igual, mas, ecologicamente falando, a função é cumprida. A composição de espécies não é exatamente a mesma: algumas populações são favorecidas, outras são desfavorecidas, mas a função ecológica é cumprida. E a qualidade da água é adequada, é boa”.

Além disso, Brito afirma que a Agropalma monitora os cursos d’água de suas fazendas em parceria com a ONG Conservação Internacional e o departamento de ciências biológicas da UFPA, que monitoram a qualidade da água e da fauna aquática nas propriedades da empresa. “Não registramos indícios de qualquer anormalidade”, observou. Ele também citou um estudo da UFPA que constatou que as plantações de dendezeiros “parecem ser uma das menos deletérias para a fauna nativa” em comparação com as diferentes opções de uso do solo disponíveis na bacia amazônica.

Segundo Brito, a Agropalma só usa herbicidas, principalmente glifosato, mas está testando outros compostos. “A nossa missão é não usar mais [glifosato]. Mas é muito difícil porque a gente tem que manter a coroa das plantas limpa. E a gente publica também todo ano [no relatório de sustentabilidade] a quantidade de ingrediente ativo que a gente utilizou”.

Pequenos produtores citados na pesquisa de Cruz disseram que o glifosato, conhecido localmente como “mata-mato”, é o principal agrotóxico usado no cultivo de dendê em Tailândia, embora afirmem que não têm conhecimento dos riscos do produto.

Brito afirma que a Agropalma só fornece glifosato após realizar o devido treinamento dos agricultores.

Em nota, Gilberto Cabral, porta-voz da BBB, disse que a empresa observa “as melhores práticas aplicáveis em termos ambientais” e “sem alteração substancial do uso do solo”. Segundo ele, as árvores foram plantadas entre 2011 e 2015 em áreas que antes eram utilizadas como pastagens ou que já estavam degradadas antes de 2005.

Ele observou, porém, que as terras agrícolas de Tailândia também são utilizadas por produtores de palma independentes e por produtores de outras culturas, como milho e soja, “com uso recorrente de pesticidas na totalidade das áreas semeadas”.

Como forma de monitoramento ambiental, disse Cabral, a empresa analisa periodicamente as águas superficiais, a montante e a jusante, e subterrâneas, a fim de detectar quaisquer alterações. “A empresa observa rigorosamente as dosagens e demais instruções expressas nos rótulos e bulas dos poucos agrotóxicos que usa, já que priorizamos em larga escala os meios de luta preventivos, mecânicos (roçagens) e biológicos (Bacillus thuringiensis)”, escreveu.

Em nota, o presidente da Associação Brasileira dos Produtores de Óleo de Palma (Abrapalma), Roberto Yokoyama, disse que, se de fato ocorreu a contaminação de cursos d’água no Pará, é necessária “a intervenção dos órgãos oficiais para investigar causas, extensões e responsáveis.”

Yokoyama também questionou a pesquisa de Cruz, alegando que os níveis de atrazina encontrados nos cursos de água e sua relação com o período de fertilização foram deturpados. Ele também questionou a metodologia utilizada pela pesquisadora, argumentando que ela não isolou a área de coleta ou apresentou evidências sobre o uso de atrazina pelas empresas de dendê da região.

A pesquisa também apresenta outras falhas, segundo ele, por não isolar a área de coleta para análise de glifosato e macrófitas, o que a deixa sujeita a diversos fatores de interferência. “Os dados e os resultados que a tese de mestrado apresentam, na verdade, não permitem indicar que plantios de palma foram responsáveis pela aplicação de atrazina e glifosato em seus plantios”, escreveu Yokoyama.

Evidências científicas de danos à saúde

Vários estudos fornecem evidências dos impactos nocivos à saúde dos contaminantes encontrados na Turé-Mariquita e em Tailândia. Níveis de endosulfan de 0,01 μg/L (um terço da concentração detectada no estudo de Damiani), por exemplo, mostraram ser letais para peixes. Pesquisas também detectaram graves problemas de saúde relacionados à exposição a resíduos de herbicidas à base de DDT, diuron e glifosato. Também há evidências crescentes do potencial carcinogênico da atrazina.

Outra preocupação é a possível proliferação de cianobactérias e geração de cianotoxinas em rios e igarapés contendo herbicidas à base de glifosato. As cianotoxinas são venenos naturais poderosos e alguns podem causar morte rápida por insuficiência respiratória.

A legislação para o uso de agrotóxicos no Brasil aplica-se apenas aos princípios ativos e não considera a toxicidade da formulação completa, nem a interação entre contaminantes, cujos impactos à saúde podem ser piores, mas muitas vezes não são estudados ou são mal compreendidos. Testes de laboratório usando células humanas mostraram que as formulações de glifosato podem ser até mil vezes mais tóxicas do que apenas o ingrediente ativo sozinho, o que significa que a análise individual dos ingredientes ativos pode subestimar os riscos para os organismos vivos.

O Brasil proibiu o uso do endosulfan em 2010 e do DDT em fases, entre 1985 e 2009, devido à sua alta toxicidade e capacidade de bioacumulação e persistência no meio ambiente. Ambos são considerados poluentes orgânicos persistentes pela Convenção de Estocolmo, um tratado global.

Suspeita-se que o DDT encontrado nas amostras da Turé-Mariquita pode estar ligado ao uso generalizado para controlar mosquitos transmissores da malária na Amazônia.

Pelo menos sete herbicidas e 16 inseticidas são usados atualmente no cultivo de dendezeiros no Brasil e em outros países que plantam a palmeira. Damiani observa a falta de transparência em relação aos agroquímicos usados pelas empresas brasileiras de óleo de palma, bem como as quantidades e períodos de aplicação — uma falta de transparência que pode ocultar uma exposição muito maior das comunidades amazônicas aos agrotóxicos usados na monocultura da palma.

Damiani obteve acesso a dados de agrotóxicos usados pela Biopalma e outras empresas de óleo de palma coletados pelo Ministério Público do Estado Pará. “A pesquisa científica corrobora a fala dos Tembé”, disse ela. Mas “esses dados que a gente obteve são um recorte de uma realidade [para a qual] é necessário um monitoramento mais frequente”.

Relatório de 2014 do Instituto Evandro Chagas (IEC) encontrou resíduos de endosulfan e cianobactérias, mas nenhum resíduo de agrotóxico, em outra área de cultivo de dendê. Segundo Mendes, o pesquisador do laboratório, é necessária uma análise mais sistemática dos impactos do uso de agrotóxicos nas plantações de dendezeiros no Pará, mas não houve liberação de recursos para dar continuidade às pesquisas.

Embora os indígenas da TI Turé-Mariquita tenham o estudo de Damiani para corroborar suas afirmações, seus vizinhos da TI Tembé expressaram as mesmas queixas sobre contaminação e doenças, mas carecem de evidência científica para apoiar seus relatos.

Suas terras ancestrais são margeadas por plantações de dendê pertencentes e operadas pela BBB. Os indígenas da TI Tembé afirmam que a BBB está se esquivando de suas obrigações ao negar a existência de um afluente do Rio Acará-Mirim que corre dentro de uma de suas plantações. Mongabay visitou a área e constatou a existência de um rio dentro da propriedade.

Na aldeia Acará-Mirim, a Fundação Nacional do Índio (Funai) instalou um sistema de abastecimento de água no centro da comunidade. Mas a água não chega à casa de Nazaré Coutinho Pereira, às margens do Rio Acará-Mirim. “Continuamos bebendo essa água porque não há [outra] opção”, disse Pereira. “A água, a gente consome muito né? Pra beber, pra lavar, sempre dá coceira no corpo. Aí [tem que tomar] remédio … pra limpar a coceira”.

“Essa água, a gente enche dentro de uma vasilha, em poucas horas a gente pode ver, ela tem um dedo de lama no fundo da panela”, acrescentou. Na estação chuvosa, ela relata, “todos os venenos, toda a sujeira que vem de lá é jogada dentro desse rio. Boi, esses bichos que jogam na água, que matam, que morre, jogam tudo na água… muito peixe podre… e nós bebemos tudo desse suco… Mas nós temos que beber porque ninguém vai morrer de sede”.

Pereira conta que sente sintomas, como diarreia, depois de beber a água do rio, algo que não acontecia no passado. “Sinto [que] meu estômago fica grande, fica cheio, fico sem vontade de comer”, disse ela. “Eu também sinto muito aquele negócio de infecção na urina”. Moradores que bebem água do sistema da Funai também descrevem sintomas semelhantes, acrescentou ela.

Em nota, a BBB negou o uso de agrotóxicos, afirmando que utiliza apenas “fertilizantes minerais que contribuem para o crescimento das plantas, tanto as cultivadas, como as nativas”. A empresa reconheceu a existência de um rio denominado “Rio Pequeno” próximo à sua fazenda, mas disse que suas plantações “estão em distância regulamentar desse corpo hídrico”.

A empresa acrescentou que seus técnicos estão investigando as denúncias, incluindo “a análise rigorosa de todos os corpos hídricos próximos aos plantios”. A empresa informou estar apurando uma reclamação recebida em 18 de fevereiro da Associação Indígena Tembé do Vale do Acará sobre o carreamento de efluentes líquidos, aplicados nos plantios como adubo orgânico complementar, para igarapés que deságuam no rio que a comunidade depende para subsistência.

Uma década de batalha judicial

Para garantir seus direitos, as comunidades locais têm feito protestos contra as principais empresas de óleo de palma do país. A Biopalma tem sido alvo do povo Tembé da TI Turé-Mariquita, comunidades quilombolas e pequenos agricultores.

Os Tembé afirmam que não foram devidamente consultados antes de o empreendimento de dendê da Biopalma ser implantado na região. “Não fomos ouvidos para a construção desse projeto; quando a gente viu, o projeto já estava instaurado em torno do nosso território”, disse Lúcio Tembé. O procurador da República Pontes Júnior aponta para uma brecha na legislação brasileira que exige uma zona de amortecimento de 10 km e um estudo de impacto socioambiental para empreendimentos em unidades de conservação, mas não para reservas indígenas.

Para grandes empreendimentos, como barragens, essa zona de amortecimento também é obrigatória para terras indígenas, devido ao potencial impacto desse tipo de projeto. Mas as plantações de dendê são consideradas “cultura agrossilvopastoril” e de “baixo potencial poluidor/degradador” pelo Conselho Estadual do Meio Ambientedo Pará (Coema) e, por isso, não precisam passar pelo mesmo processo de licenciamento, podendo ter um processo de licenciamento simplificado.

O Brasil é signatário de tratados internacionais que exigem consulta prévia e consentimento das comunidades indígenas e tradicionais que serão afetadas por grandes projetos empreendimentos. Nesse caso, porém, não houve consulta prévia e o impacto não foi avaliado, disse Pontes Júnior. “Tudo depende dessa perícia. A partir dessa perícia, você desencadeia uma série de outras ações. Sem a perícia eu fiquei de braço atados nessa ação”, disse ele.

Em nota, o Tribunal Regional Federal da Primeira Região em Brasília informou que o processo “possivelmente” será julgado na sessão de 22 de março.

Outro fator que deixa brecha para as violações ambientais da indústria do dendê remete ao processo de licenciamento para plantações de palma. O governo do Pará ignorou a presença de comunidades indígenas etradicionais na concessão de licenças para o cultivo de dendê, afirmam procuradores da República.

A TI Turé-Mariquita, por exemplo, foi demarcada em 1991, 16 anos antes da chegada da Biopalma à região. Os Tembé estão presentes no Pará desde a segunda metade do século 19, quando foram obrigados a migrar do Maranhão.

Desde o primeiro contato registrado com colonizadores portugueses em 1615, no Maranhão, os Tembé enfrentaram ação missionária, escravidão, doenças infecciosas, perseguições, conflitos e secas extremas que devastaram o país. Ramo da família Tupi-Guarani, chamavam-se Tenetehara mas no processo de migração passaram a ser chamados de Tembé no Pará; os que permaneceram no Maranhão são chamados de Guajajara.

A presença de várias comunidades quilombolas, estabelecidas também há mais de um século, foi igualmente ignorada durante o processo de licenciamento. Os Ministérios Públicos Federal e Estadual afirmam que isso invalida o processo, dada a falta de atenção aos impactos nessas comunidades. Pontes Júnior e os promotores de Justiça Eliane Cristina Pinto Moreira e Raimundo Moraes enviaram uma recomendação ao Coema para alterar sua política de licenciamento de óleo de palma e deixá-la mais rígida, mas os pedidos foram rejeitados.

Pesquisadores da UFPA descobriram que a usina Castanheira da Biopalma, próxima ao Rio Acará, recebeu duas licenças separadas — uma do município do Acará e outra do estado — mas nenhuma delas estabelece requisitos de zona de amortecimento. “As condicionantes são ridículas, como, por exemplo, relatórios anuais de atividades, coisa que a legislação já estabelece. Simplesmente não fazem monitoramento para aferir as condições ambientais daquele licenciamento (…), o órgão ambiental se baseia no automonitoramento que é feito pelas empresas”, disse à Mongabay o pesquisador Elielson Pereira da Silva. Ele acrescentou que a Secretaria de Meio Ambiente do Acará só lhe mostrou os documentos com a condição de que ele não fizesse nenhuma cópia ou fotografasse.

Em nota, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade do Pará (Semas-PA) informou que realizou vistorias de maio a dezembro de 2019 em seis municípios, entre eles Acará e Tomé-Açu e, na ocasião, “não se observou infrações  às normas ambientais vigentes”.

Em relação à poluição dos cursos d’água, a Semas-PA informou que planeja uma ação para fiscalizar a área e que há vistorias programadas nas fazendas de dendê de Tailândia. Sobre a contaminação da água na área da Turé-Mariquita, o órgão informou que o monitoramento dos rios e córregos dentro das TIs é de responsabilidade da União.

O Ministério da Saúde, a Funai e as prefeituras de Acará e Tailândia não responderam a diversos pedidos de resposta para esta reportagem.

‘Tentativa desesperada’ para ter voz

Empresas como a Biopalma retratam suas operações como sustentáveis para os consumidores na América Latina, Europa e Estados Unidos. Mas as empresas de óleo de palma em todo o mundo há muito são acusadas de destruir meios de subsistência de comunidades locais, deixando um rastro de pobreza e privação social. No Pará, a indústria tem feito com que muitos indígenas e comunidades tradicionais se sintam alheios à sua cultura, profundamente entrelaçada com o mundo natural.

Em 2019, as plantações da Biopalma cercavam as terras ancestrais dos Tembé e a resistência local se transformou em ações diretas contra a empresa. Cansados de quase uma década de campanhas infrutíferas buscando reparação pelos meios oficiais, os Tembé apreenderam veículos da empresa, na esperança de obrigar a Biopalma a ouvir seus pleitos. A líder indígena Uhu Tembé contou à Mongabay como ela e seu marido apreenderam um trator da Biopalma durante a ação e o usaram para derrubar dendezeiros perto da aldeia Yriwar, na Turé-Mariquita.

“A gente há muito tempo vem pedindo ajuda pra eles limparem a área pra nós plantarmos. Nunca atenderam. E a gente decidiu pegar o maquinário deles pra gente [mesmo] fazer… Porque a gente está há dez anos pedindo pra eles e eles não atendem a gente”, disse Uhu Tembé, apontando para o trator que permaneceu do lado de da sua casa por três meses. “Isso aqui nós estamos tirando para plantar nossa auati, que é mandioca, milho, auati-apó, que é arroz. Isso aí nós não comemos, não”, acrescentou ela, apontando para as palmeiras de óleo. “Eles não obedeceram a nossa terra, a nossa área. É por isso a nossa revolta”.

A frustração com as empresas de óleo de palma aumentou nos últimos anos em toda a região. A apreensão de bens da empresa pelos moradores da Turé-Mariquita não é um caso isolado.

Assim como as comunidades indígenas, os quilombolas também protestaram contra a Biopalma, bloqueando estradas para solicitar reparação dos danos causados pela palma. Mas tais ações podem ter provocado violência, incluindo o assassinato de um líder quilombola em 2018 e um incêndio criminoso na casa de outro quilombola.

A equipe da Mongabay visitou a aldeia Acará-Mirim, na TI Tembé, um dia após os moradores terem apreendido tratores e um carro da BBB. O líder indígena Valdevan Evangelista dos Santos Tembé disse que o objetivo é estabelecer um diálogo com a empresa e que eles devolveriam os veículos assim que fosse feito um acordo. Nesse ínterim, os moradores usaram o maquinário para preparar a área para o plantio.

“Todas as lideranças da Acará-Mirim e do Cuxiu-Mirim entraram em acordo sobre fazer a nossa reivindicação. Vamos nos pintar, vamos pegar nosso preparo, arco e flecha, e vamos buscar os tratores,” disse Valdevan Tembé. “Qual é o objetivo? Para que o gerente venha dentro da nossa comunidade pra que a gente possa conversar e assinar no papel. Só entregamos as máquinas quando nós vermos eles fazendo a obra que eles prometeram”.

Os protestos tiveram alguns êxitos. Para Valdevan Tembé e os moradores da aldeia, a BBB se comprometeu a realizar um estudo de impacto socioambiental para averiguar se as plantações prejudicaram as comunidades indígenas. A BBB disse que o estudo foi contratado e está sendo executado, com conclusão prevista para o primeiro semestre deste ano e será “a base para a adoção de medidas mitigadoras de eventuais impactos”.

A BBB também fez algumas obras de reparação na estrada solicitada pelos moradores da Acará-Mirim, disse Lúcio Tembé.

Na Turé-Mariquita, a Biopalma acionou a Justiça para reaver seus equipamentos. Os moradores os devolveram três meses depois de apreendê-los e a empresa concordou em pagar a cada comunidade R$ 30 mil trimestralmente, durante três anos, para financiar projetos de desenvolvimento local, de acordo com o líder indígena Urutaw Turiwar Tembé, cacique da aldeia Yriwar. “É pouco para nós, mas foi o que nos deram de valor. A gente brigou por mais, mas não conseguiu”, disse.

Mas nenhum desses projetos foi concluído até agora, disse Urutaw Tembé, devido aos custos mais altos em meio à pandemia de COVID-19. Segundo ele, em vez de pagar o valor trimestral, a Biopalma pagou o montante acordado apenas anualmente.

Os indígenas tentaram fechar um novo acordo para substituir o valor negociado pela obrigação de execução dos projetos, independentemente do custo, mas “ficou muito complicado negociar” após a venda da Biopalma para a BBF, observou Urutaw Tembé.

Em um comunicado, a BBF disse que sua relação com as comunidades indígenas próximas às áreas de plantação de palma “é mantida sempre em espírito de cooperação técnica e social” sob acordos feitos no ano passado que incluíam fornecimento de água potável, garantia de segurança alimentar e esquemas educacionais e culturais.

Em novembro de 2015, ocorreu a primeira grande mobilização de indígenas, quilombolas, ribeirinhos e moradores de comunidades vizinhas contra as empresas de óleo de palma. Cerca de 140 pessoas se reuniram e ocuparam a Fazenda Vera Cruz da Biopalma, paralisando a empresa por 11 dias.

O protesto eclodiu quando a Biopalma começou a operar uma balsa no Rio Acará, próximo à comunidade quilombola de Vila Formosa. Os quilombolas solicitaram à empresa o uso da balsa para se deslocar para outras comunidades ou mesmo ir à cidade, mas foram impedidos, levando à ocupação. Dias depois, um juiz interveio e os manifestantes saíram pacificamente. A Biopalma denunciou a ocupação, alegando que sua propriedade havia sido saqueada, e um juiz do Acará ordenou a prisão dos líderes das associações envolvidas na ocupação. Um líder quilombola foi preso por oito meses.

No entanto, em um recurso de apelação assinado no início de 2020 em defesa dos protestos dos Tembé de novembro de 2019 contra a Bioplama, o procurador da República Felipe de Moura Palha e Silva disse que a manifestação foi um ato legítimo de resistência indígena feito em resposta “aos anos de conduta ilícita da empresa, que lesiona fortemente a saúde dos índios”, e foi realizada como “uma tentativa desesperada de ao menos serem ouvidos, sob pena de omissão e não tratamento da causa como ‘disputa pelos direitos indígenas’”.

No documento, o procurador da República ressaltou a omissão da Biopalma quanto aos impactos ambientais e a necessidade de licenciamento ambiental corretivo. “Por essas questões, a empresa se omite e tenta criminalizar a manifestação dos indígenas mediante ações judiciais e procedimentos policiais”, escreveu Silva.

Em nota, a Biopalma disse que entrou com um processo de reintegração de posse devido às “reiteradas apreensões indevidas de maquinários agrícolas” por meio de “grave ameaça, como porte de armas brancas contra os empregados da Biopalma”.

Escassez de animais de caça, mais pragas

A chegada das plantações de dendezeiros na Amazônia expulsou espécies de animais que comunidades indígenas e tradicionais usavam para subsistência e deu início à proliferação de insetos transmissores de doenças e cobras venenosas, afirmam as comunidades.

Antes de as plantações cercarem a TI, “nós íamos bem pertinho aí… era paca, era tatu, era muito peixe”, disse Nazaré Coutinho Pereira, da aldeia Acará-Mirim.

“A caça mudou, porque não tem mais, está difícil a gente encontrar. Não está tendo mais nada, nem caça, nem peixe”.

Na aldeia Yriwar, os moradores afirmam que animais selvagens como a anta e a tartaruga desapareceram desde a chegada da Biopalma. E mesmo quando avistam esses animais, eles têm medo de comê-los devido ao risco de envenenamento por agrotóxicos. Os poucos animais que sobraram, como as raposas, também apresentam sintomas como queda de pêlo, enquanto muitos outros foram encontrados mortos sem causa aparente, segundo Lúcio Tembé.

O cultivo de dendezeiros perto de terras indígenas afeta os meios de subsistência e a qualidade do estilo de vida de outras maneiras, além de privar os residentes da caça e da pesca. Urutaw Tembé também relata um aumento no número de insetos e cobras.

O projeto da palma “encostou em nosso território, não respeitou a zona de amortecimento. Isso tem trazido muitos prejuízos para nós: insetos, lagartos (…) que a gente nunca tinha visto [antes]. Cobras venenosas, muitas espécies de cobras (…), moscas, moscas que ferram a gente. Acaba ferindo o corpo das crianças, dando alergia”, disse.

Segundo os indígenas, as infestações de pragas são causadas pela perda da vegetação nativa e pela grande quantidade de roedores atraídos pela queda das folhas das palmeiras. As cobras, por sua vez, são atraídas pela abundância de roedores, o que representa uma grave ameaça à saúde dos moradores, pois o posto de saúde mais próximo fica a uma hora de carro e o hospital mais próximo a cerca de quatro horas.

Urutaw Tembé também se queixa dos danos causados pelo plantio da puerária (Pueraria phaseoloides), uma cultura da família da ervilha usada pelas empresas de dendê para fixar nitrogênio no solo, controlar ervas daninhas e reduzir a erosão. Durante a estação seca, os Tembé dizem que o pó da planta entra na pele e vira uma ferida.

Florestas desmatadas para a palma

A Biopalma afirma que suas plantações foram estabelecidas apenas em terras previamente desmatadas, mas indígenas e pesquisadores contestam esse argumento.

Sandra Damiani, pesquisadora da UnB que investigou o uso de agrotóxicos na área, disse que encontrou evidências de cerca de 300 hectares de áreas desmatadas no entorno da Turé-Mariquita que deram lugar aodendê. Nessa área, florestas antigas foram derrubadas pela invasão de madeireiros, seguido por colonos agrícolas, uma empresa de mineração cujo gasoduto atravessa a terra indígena e, finalmente, pela Biopalma.

Outros estudos mostram que a conversão de florestas em plantações de dendezeiros é um problema grave em todo o nordeste do Pará. Uma pesquisa estima que entre 9% e 39% da produção de dendê ocorreu em áreas desmatadas no estado entre 1989 e 2014, levantando preocupações sobre futuras expansões. Isso põe em dúvida a alegação da Biopalma e de outras empresas de que sua produção de dendê decorre apenas de terras previamente desmatadas.

Outro estudo constatou que 40% da expansão do dendê no Pará substituiu a vegetação nativa, apesar da proibição do governo de expandir as plantações de dendê para áreas de florestas e terras desmatadas antes de 2008.

O uso de maquinário pesado nas plantações também tem impacto sobre a biodiversidade ao afugentar os animais selvagens, afirma Damiani. A redução da abundância e da diversidade de animais, segundo ela, foi percebida imediatamente pelos indígenas após o plantio de dendezeiros na fronteira com suas terras. Numerosas espécies de pássaros, por exemplo, não foram mais vistas após a conversão para o dendê.

A vegetação nativa do já desmatado território ao redor da Turé-Mariquita era uma fonte importante para a comunidade coletar produtos como ervas e mel, que são usados como remédios, cipó para fazer utensílios, sementes para artesanato e frutas como pequiá (Caryocar villosum), uxi (Endopleura uchi), bacuri (Platonia insignis) e bacaba (Oenocarpus bacaba).

Os indígenas inicialmente viram como positiva a melhoria de acesso aos centros urbanos que as novas estradas construídas pela Biopalma facilitaram. Mas as estradas também aumentaram a exposição a forasteiros, fazendo-os sentir que estavam perdendo o controle de seu território. Outra consequência do maior número de estradas foi o aumento da extração ilegal de madeira na área. Numerosos estudos na Amazônia identificaram a construção de estradas como um importante vetor de desmatamento e a equipe do Mongabay testemunhou caminhões carregados de madeira passando regularmente pela área.

Em nota, a BBF disse ter identificado “a atuação de quadrilhas de desmatamento ilegal em áreas próximas às suas fazendas” desde que assumiu o controle da Biopalma em novembro de 2020 e denunciou o fato às autoridades. Segundo a empresa, sua área de plantio de dendê foi “implantada nas parcelas de terras autorizadas nos termos de legislação ambiental aplicável”.

O desmatamento em áreas quilombolas também está ocorrendo como resultado direto da expansão do dendê. Quase 4.800 hectares de floresta foram desmatados entre 2007 e 2018 para dar lugar a dendezeiros no município do Acará, segundo pesquisa de Jamilli Medeiros de Oliveira da Silva, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). O estudo analisou imagens de satélite do Mapbiomas — rede de ONGs, universidades e empresas de tecnologia que incluem o Google — e as comparou com os dados dos satélites Landsat 5 e 8 da Nasa, a agência espacial americana.

Isso também desmente as afirmações das empresas e do governo de que as plantações de dendezeiros foram estabelecidas apenas em terras previamente desmatadas.

Em 2010, o governo federal lançou um programa de zoneamento agroecológico para o cultivo de óleo de palma em áreas desmatadas nos estados que compõem a Amazônia brasileira. Chamado de ZAE-Dendê, o programa ofereceu benefícios às empresas de óleo de palma que atendessem a determinados requisitos de sustentabilidade. Mas como demonstrado nas pesquisas de Damiani e da Silva, algumas áreas foram desmatadas e sobrepostas às comunidades quilombolas tradicionais.

Adriano Venturieri, pesquisador que coordenou o programa de zoneamento agroecológico do óleo de palma, disse que as comunidades quilombolas não constam no zoneamento porque sua presença não foi formalmente reconhecida na época. Ele informou, porém, que o programa pode ser atualizado a qualquer momento para incluir esses dados, mediante requerimento oficial.

Quilombolas impactados

Assim como as comunidades indígenas impactadas pelas plantações, as comunidades quilombolas do Acará —terceiro maior município produtor de óleo de palma do país — reclamam de problemas semelhantes decorrentes das plantações, incluindo desmatamento, redução do nível da água dos igarapés e contaminação por agrotóxicos.

“Eles queriam plantar aqui dentro o dendê. Nós não deixamos”, disse à Mongabay José Renato Gomes de Gusmão em sua casa na comunidade quilombola 19 de Massaranduba, na região de Tomé-Açu. “O pessoal que fica mais perto de lá ficou com doença, é muito veneno. As águas se acabaram com tanto veneno que jogam. Os igarapés que tinham, acabou. Hoje em dia não existe mais”.

“Não gosto dele [do dendê] não”, acrescentou. “A palma, ela trouxe muito rendimento, muito emprego que não tinha… [Mas] ela não traz saúde não”.

Os pesquisadores Brian Garvey e Jamilli Medeiros de Oliveira da Silva disseram ter ouvido histórias semelhantes de contaminação da água em comunidades quilombolas próximas ao Rio Acará. Em 2016, um derramamento de óleo de palma deixou uma mancha amarela na superfície da água do rio por mais de uma semana. Comunidades quilombolas, incluindo a de Vila Formosa, onde o protesto contra a balsa da Biopalma começou, foram devastadas quando os peixes de que dependiam para subsistência morreram. Desde então, a pesca diminuiu e até os botos desapareceram, afirmam os moradores.

Em 2019, dois derramamentos de óleo de palma próximo às usinas da Agropalma em Tailândia poluíram o Rio Acará e seus afluentes. O diretor de sustentabilidade da empresa, Tulio Dias Brito, disse que todo o óleo foi coletado e o impacto foi “virtualmente inexistente”.

“Temos as barreiras flutuantes que a gente cerca o óleo no rio.. A gente conseguiu cercar o óleo ali e a gente conseguiu recolher até a última gota”, disse Brito à Mongabay. “Não morreu nenhum peixe, nenhuma árvore. Então, assim, não houve nenhum impacto ambiental. Foi uma situação assim interessante que, embora o volume tenha sido de algumas toneladas de óleo vazado, que é um volume relativamente expressivo, o impacto ambiental foi zero, objetivamente falando. O que morreu de fauna? Nada. Flora? Nada… A gente tem toda a comprovação: a foto antes, a foto depois”.

Elielson da Silva, pesquisador da UFPA, visitou a área dias após o segundo derramamento de óleo, em outubro de 2019, e documentou os impactos ambientais, incluindo contaminação da água e morte de animais e peixes. “Teve contaminação, sim. Eu estive lá. Fotografei pessoas, presenciei [os impactos do] derramamento de óleo”, disse ele à Mongabay, acrescentando que os moradores relataram que houve três derramamentos de óleo naquele ano.

Problemas de contaminação da água, tanto de agrotóxicos quanto de vazamento de óleo, são enfrentados por comunidades quilombolas próximas à concessão da Agropalma há várias décadas, mas a situação piora a cada ano, principalmente o grau de contaminação dos peixes, relatou à Mongabay um quilombola, que falou sob condição de anonimato por ter sofrido tentativas de assassinato.

“A água ela é barrenta, ela é escura, mas é tão escura que a gente não consegue ter visibilidade nenhuma”, disse a fonte.

Depois dos derramamentos de óleo em 2019, observou o quilombola, um dos principais impactos foi a escassez de peixes. Segundo a fonte, os peixes só estão voltando agora. “O peixe come o óleo de dendê, ele enche a barriga. Aí depois, se você for pescar, você vai abrir o peixe, de onde termina o bucho do peixe até na guelra dele, está tudo cheio do dendê. O óleo endurece dentro do peixe (…) e não sai mais. O peixe morre com aquilo dentro.”

Fotografias de uma inspeção ambiental do município de Tailândia e vistas pela Mongabay corroboram as alegações de impactos ambientais negativos do derramamento de óleo da Agropalma. O documento, datado de maio de 2019, requeria a adoção de medidas de reparação nos rios e igarapés.

Em nota, a Semas-PA informou que registrou um auto de infração contra a Agropalma, mas sem fornecer mais detalhes.

Impactos em toda a comunidade

Durante nossa apuração em campo, testemunhamos como as plantações de dendê impactam o dia a dia das pessoas que vivem na região de maneira mais ampla, como uma escola, por exemplo, que está ilhada por plantações de palma. Embora as empresas digam que os agrotóxicos que usam não são tóxicos, essa escola em particular teve que ser fechada por três dias durante o período de pulverização da empresa, relataram residentes à Mongabay.

“A escola ficou três dias sem aula. [Interditaram] o acesso, de ninguém poder passar dentro da área”, afirmou o agricultor Alex de Oliveira Pimentel. “[A empresa] falava que era orgânico, que não fazia mal… Como é que fala que não faz mal, se não pode passar 48 horas dentro [da área]?”.

Além da contaminação do solo e da água, Pimentel disse que os agricultores tiveram perdas em suas plantações devido à disseminação de pragas e doenças das plantações de palma, incluindo infestações de borboletas, que destruíram plantações de frutas como pitaia e caju.

Quando as grandes empresas de palma chegaram à região de Tomé-Açu, elas abordaram muitos pequenos agricultores com uma oferta de arrendar suas terras para o cultivo de dendê. Alguns resistiram, pois não queriam usar suas terras para uma cultura até então desconhecida.

Entre eles estava José Edimilson Ramos Rodrigues, um dos muitos agricultores de sua comunidade que rejeitou a oferta de arrendamento. Mas isso não impediu a comunidade de sentir o impacto das plantações, que agora os cercam. Os moradores reclamam regularmente da contaminação da água, redução da pesca e morte de animais desde que as palmeiras foram plantadas perto do rio.

Rodrigues disse ter notado algumas mudanças nas culturas locais, incluindo uma palha que agora cresce em coqueiros, o que segundo ele não ocorria antes. Ele disse que o dano causado supera em muito qualquer benefício da oferta de arrendamento. “Não tem mais como, né? O que devemos fazer é procurar evitar outros e outros. Pra que não venha mais se suceder”, disse ele.

Falha no controle de agrotóxicos

A disseminação do uso de agrotóxicos em comunidades indígenas e tradicionais lança os holofotes sobre o fraco arcabouço regulatório que rege a venda e o uso de produtos químicos prejudiciais no Brasil. Apenas uma empresa é oficialmente aprovada pelo estado do Pará para vender agrotóxicos em Tailândia, mas há um próspero mercado ilegal que vende glifosato sob o nome local de “mata-mato”.

O Sindicato dos Trabalhadores da Agricultura Familiar de Tailândia (Sintraf), disse à pesquisadora da UFPA, Rosa Helena Ribeiro Cruz, que as empresas de óleo de palma não descartam as embalagens de maneira adequada e que essas embalagens são usadas indevidamente para acondicionar outros produtos, inclusive alimentos. O descarte adequado de embalagens é regulamentado por uma lei federal, que responsabiliza o agricultor, o vendedor e o fabricante por qualquer uso indevido.

Os agricultores de Tailândia também disseram que só receberam equipamentos de proteção individual da Agropalma e BBB no início de suas operações, embora os agricultores tenham adoecido devido ao uso de pesticidas.

Brito, diretor da Agropalma, negou todas as acusações. Segundo ele, a empresa coleta todas as embalagens de agroquímicos, que são incineradas. Ele disse que a Agropalma também controla todo o glifosato fornecido aos agricultores e fornece equipamentos de segurança adequados.

Cabral, porta-voz do BBB, disse que a empresa contraindica o uso de glifosato para agricultores familiares, mas é comum eles plantarem outras lavouras em áreas adjacentes a palmeirais, que são manejadas separadamente. As embalagens de agrotóxicos fornecidas pela empresa são “inertes e recicláveis” e são coletadas pelas empresas locais após o uso; o uso de equipamentos de segurança adequados também é inspecionado, acrescentou.

O Sintraf também relatou a Cruz que o uso de agrotóxicos pelas empresas de óleo de palma levou muitos agricultores locais a adotar novas práticas, fortemente dependentes do uso de agroquímicos, e a abandonar os métodos tradicionais de cultivo. Isso agravou a poluição dos rios, já que metade dos agricultores em algumas comunidades passaram a usar pesticidas.

O Ministério da Saúde lançou na década de 1990 um sistema de monitoramento de casos de pessoas expostas a agrotóxicos, mas nenhum relatório foi produzido para Tailândia, observou Cruz.

Para o MPF, os problemas causados pela expansão da indústria de óleo de palma na Amazônia na última década são uma repetição do modelo adotado pela criação de gado, plantações de soja, projetos de mineração e todos os projetos de desenvolvimento.

“O [setor] da palma não difere nem um pouco das outras monoculturas implantadas aqui na Amazônia”, disse à Mongabay o procurador da República Felipe Moura de Palha e Silva. “Então, o modus operandi também, ele segue uma cartilha, que é uma cartilha de violação de direitos das comunidades”.

Em Tomé-Açu, já houve abundância de animais selvagens e peixes. Agora só crescem as palmeiras de óleo, em alguns casos a poucos metros das terras indígenas.

“A empresa de palma deixou a gente em um espaço como se fosse um ovo. Só eles lucrando”, disse Urutaw Tembé, apontando para dendezeiros a poucos metros de sua casa na aldeia Yriwar. “Nós só morrendo com agrotóxico, com contaminação das águas, nossas caças se afastando. Como é que uma empresa dessa que vem lá de fora para enriquecer em cima da nossa terra? Nós não aceitamos isso. A gente vai continuar lutando”.

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