Bebidas açucaradas aumentam o risco de câncer?

Prateleiras de supermercados repletas de bebidas açucaradas e a Nestlé e outras cias. rejeitando a ciência.

https://portugues.medscape.com/verartigo/6503771

Zosia Chustecka

17 de julho de 2019

O consumo de bebidas açucaradas, inclusive de suco de frutas, foi associado ao risco global de e ao risco de câncer de mama em um grande estudo prospectivo realizado na França.

Embora o estudo seja observacional e, portanto, não possa estabelecer causalidade, os pesquisadores sugeriram que “as bebidas açucaradas, que são amplamente consumidas nos países ocidentais, podem ser um fator de risco modificável para a prevenção do câncer”.

O estudo foi publicado on-line em 10 de julho no periódico BMJ.

Os especialistas em nutrição que reagiram aos achados disseram que o estudo foi bem projetado, e concordaram que ele aporta munição para as políticas de saúde pública, como a imposição de impostos que desestimulem o consumo excessivo de bebidas açucaradas.

Um especialista, entretanto, questionou alguns dos resultados, e disse que a principal mensagem do estudo deveria ser o fato de o consumo de bebidas adoçadas artificialmente (diet) não ter sido associado ao risco de câncer.

Estudo com > 100.000 adultos franceses

Os autores franceses, liderados por Eloi Chazelas do Centre de Recherche Epidémiologie et Statistique Sorbonne Paris Cité, indicaram que as “bebidas açucaradas estão eloquentemente associadas ao risco de obesidade que, por sua vez, é reconhecida como grande fator de risco de muitos tipos de câncer”.

Os pesquisadores partiram para investigar se existe alguma relação entre o consumo de bebidas açucaradas e o câncer – e encontraram uma associação positiva.

A equipe analisou dados do estudo de coorte NutriNet-Santé, com a participação de 101.257 adultos franceses saudáveis (21% homens e 79% mulheres; média de idade de 42 anos).

Os participantes preencheram pelo menos dois questionários validados sobre hábitos alimentares, que ficaram disponíveis on-line por 24 horas, projetados para quantificar a ingestão habitual de 3.300 itens diferentes de alimentos e bebidas.

A equipe avaliou especificamente o consumo diário de bebidas açucaradas (bebidas adoçadas com açúcar e sucos 100% de frutas) e bebidas adoçadas artificialmente (diet). Os pesquisadores descobriram que os homens tomaram um pouco mais bebidas açucaradas do que as mulheres (consumo diário médio de 90,3 mL versus 74,6 mL).

Os participantes foram acompanhados em média durante cinco anos e por um período máximo de nove anos (2009 a 2018).

Durante esse tempo, foram registrados 2.193 casos de câncer primário. Os casos foram validados pelos prontuários médicos e foram ligados aos bancos de dados nacionais de seguro de saúde.

Este total contemplou 693 casos de câncer de mama, 291 casos de câncer da próstata e 166 casos de câncer colorretal. A média de idade dos participantes no momento do diagnóstico foi de 59 anos.

Associação positiva

A partir desses resultados, a equipe calculou que um aumento de 100 mL/dia do consumo de bebidas açucaradas foi associado a um risco global 18% maior de câncer (subdistribuição da razão de risco ou hazard ratio, HR, para o aumento de 100 mL/dia = 1,18; intervalo de confiança, IC, de 95% de 1,10 a 1,27; < 0,001).

Comentando este achado, o Dr. Graham Wheeler, Ph.D., estatístico sênior do Cancer Research,do Reino Unido, e da University College London, observou que a média de consumo diário de bebidas açucaradas entre todos os participantes foi de cerca de 93 mL.

O aumento de 100 mL na ingestão diária de bebidas açucaradas foi associado a um aumento de 18% do risco de algum tipo de câncer. Os participantes foram acompanhados, em média, por cerca de cinco anos; 22 participantes a cada 1.000 tiveram algum tipo de câncer.

“Então, isso significa que se 1.000 participantes semelhantes aumentarem a ingestão diária de bebidas açucaradas em 100 mL, espera-se que o número de casos de câncer aumente de 22 para 26 por 1.000 pessoas em um período de cinco anos. No entanto, isso pressupõe a existência de um verdadeiro nexo de causalidade entre a ingestão de bebidas açucaradas e o câncer, o que ainda precisa ser mais investigado.

“Os autores corretamente advertiram que serão necessários grandes estudos prospectivos adicionais para confirmar seus resultados”, comentou o Dr. Graham. Os pesquisadores franceses observaram que houve também uma associação positiva especificamente para o câncer de mama, com aumento de 22% do risco (HR = 1,22; = 0,004).

Essa relação foi mais forte para o câncer de mama antes da menopausa (= 0,02) do que para o câncer de mama depois da menopausa (= 0,07), embora a mediana de consumo de bebidas açucaradas foi menor entre as mulheres após a menopausa (88,2 mL/dia) do que entre as mulheres antes da menopausa (43,2 mL/dia), observou a equipe.

Não houve associação com o câncer de próstata e o câncer colorretal, mas houve menos casos desses tipos de câncer.

As bebidas açucaradas incluíram os sucos feitos com 100% da fruta. Quando considerado separadamente, o consumo de suco de frutas foi associado a maior risco de morte por câncer em geral, assim como as outras bebidas açucaradas.

Muitos fatores de confusão considerados, mas ainda há limitações

Em contraste, o consumo de bebidas adoçadas artificialmente (diet) não foi associado a aumento do risco de câncer. No entanto, os autores pediram cautela ao interpretar este achado, porque o consumo dessas bebidas foi baixo.

“Este é um estudo observacional, portanto a causalidade das associações observadas não pode ser comprovada, e os fatores de confusão residuais não podem ser inteiramente descartados”, reforçaram os autores.

Embora reconhecendo as limitações do estudo, os pesquisadores também indicaram que ajustaram por uma ampla gama de fatores de confusão, e fizeram muitas análises de sensibilidade, e que nada disso modificou as observações de modo significativo, que permaneceram estatisticamente significativas e estáveis.

Além disso, dados mecanicistas respaldaram estes achados epidemiológicos, comentaram os pesquisadores. Bebidas açucaradas contribuem para a , mas também podem aumentar a gordura visceral, os níveis de glicemia e dos marcadores inflamatórios, que são conhecidos fatores de risco de câncer.

Em conclusão, os pesquisadores afirmaram: “Esses dados corroboram a relevância das atuais recomendações nutricionais para limitar o consumo de bebidas açucaradas, inclusive os sucos feitos com 100% da fruta, bem como as ações políticas, como a tributação e as restrições de comercialização visando bebidas açucaradas, que teriam o potencial de contribuir para a redução da incidência do câncer”.

Reações ao estudo

Vários especialistas em nutrição postaram suas reações ao estudo em tela no site do Science Media Center,do Reino Unido.

Este é “um grande estudo de boa qualidade. Os autores estão cientes dos fatores de confusão, estão cônscios das limitações de suas técnicas de medição da alimentação, e as conclusões foram bem descritas”, comentou a Dra. Amelia Lago, Ph.D., palestrante em nutrição na saúde pública da Teesside University em Middlesbrough, no Reino Unido.

A pesquisa acrescenta “ao quadro geral da importância do movimento atual para reduzir a nossa ingestão de açúcar” e destaca que “controles sobre a comercialização de produtos da indústria do açúcar são tão importantes, não somente em termos da obesidade, como também, possivelmente, da prevenção do câncer”, acrescentou.

Catherine Collins, nutricionista do National Health Service do Reino Unido, sugeriu que um dos pontos fortes deste estudo é a forma como os detalhes sobre a alimentação foram coletados.

Os participantes registraram on-line o equivalente a três dias de informações alimentares a cada dois anos, o que constitui “uma avaliação alimentar mais robusta do que a estratégia de “o que você comeu ontem?” em 24 horas, adotada por muitos grupos de pesquisa semelhantes”, observou.

“Mesmo assim, todos os relatos de ingestão alimentar feitos pelos próprios participantes são limitados, na medida em que dependem da honestidade e da exatidão dos participantes.”

Mas os achados são biologicamente plausíveis?

Catherine também levantou algumas dúvidas sobre a plausibilidade biológica das conclusões.

“Os achados sugerem aumento de 30% em ‘todos’ os diagnósticos de câncer entre aqueles com maior ingestão de bebidas açucaradas, quando comparados aos que tiveram menor consumo”, observou.

“Os participantes cuja ingestão de bebidas açucaradas ficou na média não tiveram aumento significativo do risco de câncer de mama ou de qualquer outro tipo de câncer.”

“Qual é a quantidade de açúcar necessária para ser associada a este aumento do risco? Os participantes no grupo de menor de consumo ingeriam aproximadamente 3 g (cerca de metade de uma colher de chá) de açúcar em suas bebidas. Aqueles no grupo de maior consumo ingeriam, em média, 19 g por dia – o equivalente a quatro colheres de chá de açúcar.”

“O risco pareceu ser maior ao atingir cerca de 10 g de açúcar nas bebidas por dia”, comentou. “Poderiam 7 g de açúcar do mais baixo para o terceiro quartil, equivalente a 1,5 colheres de chá de açúcar, ou um adicional de 28 kcal por dia, realmente fazer alguma diferença para o risco de câncer, especialmente na ausência de obesidade no grupo?”

“Eu acho essa plausibilidade biológica difícil, dado que não houve diferença significativa entre os grupos em relação ao peso ou à incidência de diabetes, que é frequentemente citado como risco associado. Para todos, as calorias provenientes do açúcar das bebidas variaram de quase 0% para cerca de 4% do total de calorias, bem dentro do intervalo aceitável de ingestão associado às recomendações de uma alimentação saudável”.

Catherine continuou: “O maior consumo de açúcar proveniente de bebidas foi na faixa etária de adultos jovens, achados semelhantes aos de outros grupos de pesquisa em todo o mundo. O maior risco de incidência de câncer de mama nesse grupo mais jovem é preocupante, mas pode representar outros fatores não considerados no artigo em pauta. Por exemplo, o percentual de mulheres antes da menopausa tomando contraceptivo oral foi maior com o aumento da ingestão de açúcar. O rastreamento do câncer de mama antes e depois da menopausa não foi discutido, mas poderia ter contribuído para uma maior incidência de diagnóstico precoce e definitivo nas mulheres fazendo o rastreamento antes dos sintomas se tornarem aparentes – diferentemente de outros tipos de câncer, nos quais os sintomas aparecem primeiro, levando a uma investigação mais aprofundada. Essas situações clínicas não foram abordadas no artigo”, ressaltou Catherine.

“Aqueles no grupo de maior ingestão de bebidas açucaradas também ingeriram mais calorias, mais sal e menos calorias provenientes de bebidas alcoólicas. Todos esses fatores sugerem diferenças alimentares das quais a ingestão de bebida açucarada pode ser apenas um marcador substituto e não a causa da associação”, acrescentou.

A principal mensagem deve se concentrar nas bebidas diet

Catherine concluiu seu comentário se voltando para um dos achados que não recebeu destaque por parte dos pesquisadores franceses.

“A principal mensagem é a ausência de risco de câncer ao consumir bebidas diet contendo adoçantes artificiais”, ressaltou.

“Por muito tempo o mito nutricional de que os edulcorantes são um risco para a saúde se manteve na cultura popular. Todos os edulcorantes em uso passaram por rigorosos testes de segurança antes de serem considerados aceitáveis para uso humano. Este estudo mostra não haver impacto das bebidas adoçadas artificialmente no risco de câncer, acrescentando ao corpo de conhecimento dos dados laboratoriais para os estudos com humanos comprovando isso.”

“O acréscimo de açúcar em bebidas quentes ou frias não adiciona nenhum benefício nutricional e contribui para a carga calórica total”, e esta nova pesquisa traz “provas para a escolha sem açúcar em vez das bebidas açucaradas,” concluiu.

O estudo NutriNet-Santé foi financiado por várias instituições públicas francesas, como detalhado no artigo. Os autores e comentaristas informaram não ter conflitos de interesses relacionados com o tema. Dr. Graham Wheeler recebeu honorários da empresa Novametrics Consulting Ltd.

BMJ. Publicado on-line em 10 de julho de 2019. Texto completo

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2 Comments

  1. Ola Jacques, este site é um dos raros que posta estes assuntos em Portugues, parabens. Minha pergunta é sobre os sucos de fruta citados no texto. pelo que entendi o suco de fruta natural, sem adição de sacarose tambem pode aumentar as chanches de cancer ou de cancer de mama?
    abraço Celso

    1. Oi, Celso. Pois, tenho visto muita reflexão sobre o uso de suco de frutas como viemos todos nós, voltados para uma melhor nutrição tanto para nós como nossos filhos, incluindo em nosso dia a dia. A questão básica é que o suco nunca é igual à ingestão da fruta completa. Ou seja, será que comeríamos o mesmo número de frutas completas, que utilizamos para fazer o suco? Observo que usamos um número muito maior de frutas do que iríamos ingerir, seu sumo, se comêssemos inteira. Com isso, passamos a colocar açúcar na forma de frutose em quantidades muito mais expressivas do que comeríamos normalmente. E em certos casos, até trocamos o suco pela água, por ser o suco ‘muito mais nutritivo’ do que um simples copo d’água. Penso, como leigo, que um suco eventualmente, como quaisquer outras fontes de açúcares, seja saudável, mas fazermos como temos feito, criamos condições propicias para um desequilíbrio nutricional que nunca imaginamos estar gerando. Principalmente em nossos filhos. E ainda por cima, damos a eles suco industrializado com tudo o que tem por trás! Grato por tua mensagem, abraços para ti e tua família, Jacques.