Harvard compra 300 mil hectares de terras e gera conflitos com comunidades locais

A Universidade de Harvard é uma instituição privada norte americana, fundada em 1636, sendo hoje o centro acadêmico norte-americano mais famoso do mundo.

 

 

https://www.brasildefato.com.br/2018/09/06/harvard-compra-300-mil-hectares-de-terras-e-gera-conflitos-com-comunidades-locais/

 

 

Relatório divulgado por organizações não governamentais denunciam esquema do fundo patrimonial da universidade

Lilian Campelo

Brasil de Fato | Belém (PA)

,

A Universidade americana se tornou uma das maiores proprietárias de terra no mundo - Créditos: José Cícero da Silva/Agência Pública
A Universidade americana se tornou uma das maiores proprietárias de terra no mundo / José Cícero da Silva/Agência Pública

 

A Universidade de Harvard é detentora de 300 mil hectares de terras agrícolas no Piauí e na Bahia, no cerrado brasileiro, o que equivale, aproximadamente, a 300 mil campos de futebol. Para burlar a legislação brasileira a universidade americana, por meio de seu fundo patrimonial, mantém uma cadeia de negócios com empresas brasileiras e subsidiárias. É o que aponta a denúncia publicada em relatório da Grain e da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos.

De 2008 até 2016 a universidade se tornou um dos maiores proprietários estrangeiros de terras aráveis do país, contudo a compra do domínio não é feita de forma direta, envolve estruturas comercias nada transparentes, o que dificulta o caminho dessa verificação.

A diretora da organização da Rede Social de Justiça e Direitos Humanos, Maria Luísa Mendonça, explica que, são criadas empresas que têm como única função serem instrumentos para negociar a compra de terras e explica como é construída essa cadeia.

“São empresas brasileiras que são criadas para fazer a negociação com terras só que o fundo, o recurso para essa compra, vem de empresas estrangeiras. No caso o fundo de terras de Harvard ou outros fundos de pensão e muitas vezes essas empresas brasileiras e estrangeiras negociam ações ou outros produtos financeiros no mercado financeiro para burla a lei e dificultar o monitoramento de onde na verdade vem o recurso”.

A pesquisa ainda revela que a universidade adquiriu terras em várias partes do mundo como África do Sul, Rússia, Ucrânia, Nova Zelândia, Austrália e também nos Estados Unidos. O fundo patrimonial gastou em torno de US$ 1 bilhão para compra de terras em estimados 850.000 hectares de terras agrícolas espalhadas em escala global. Em menos de uma década Harvard conseguiu acumular um patrimônio que a tornou uma das maiores detentoras de terras agrícolas do mundo utilizando de mecanismo complexos do mercado financeiro.

Especulação + agrotóxico = violações

No Brasil se observa que a compra de terras por fundos estrangeiros tem se concentrado na região de Matopiba, que engloba as divisas dos estados do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia, área de expansão do agronegócio para a monocultura de commodities como mostra em outras reportagens feitas pelo Brasil de Fato.

Contudo, Mendonça pontua que grande parte das terras serve apenas para fins especulativos e “o objetivo central não é a produção de mercadorias agrícolas”. Quando a monocultura é implantada a demanda é o uso intensivo de agrotóxicos, o que vem acompanhado de conflitos com as comunidades tradicionais. Altamiran Ribeiro, agente da Comissão Pastoral da Terra (CPT) no Piauí acompanha as comunidades no sul do estado, Santa Filomena, Baixa Grande do Ribeiro e Bom Jesus, e relata algumas dessas tensões.

“As plantas que as comunidades têm, quando eles jogam lá de cima o veneno, lá no monocultivo, a praga que está lá em cima da chapada desce para os baixões e devora e acaba com as plantações das famílias e perdem seu pezinho de caju, laranja, e quando é no período de chuva eles não fazem contrição, as enxurradas descem matando peixe, contaminando água e muitas outras coisas“, narra.

 

José Cícero Silva/ Agência Pública 

 

Os 300 mil hectares de terras do fundo de Harvard – uma área maior que Luxemburgo como aponta a pesquisa – se concentram no sul do Piauí e oeste da Bahia, regiões onde apresentam intenso conflito fundiário. Ainda segundo o relatório as aquisições de terras “violariam restrições jurídicas à propriedade estrangeira no Brasil, que limitam a quantidade de terra que uma empresa estrangeira pode adquirir em um município”.

Grilagem

Na Bahia uma das parceiras de Harvard é o grupo Granflor, que administra outra empresa, a Caracol Agropecuária, constituída pelos mesmos proprietários do grupo, Romualdo Maestri e Victor Hugo Silveira Boff, como apresenta o relatório.

A Caracol foi criada em 2008 e a Harvard Management Company (HMC) detém 100% do patrimônio da empresa, mas não de forma direta, e sim através das subsidiárias Guara LLC ou Granary Investments, registradas, conforme denúncia, “em paraísos fiscais, como o estado norte-americano de Delaware”.

De acordo com o documento a HMC faz parte do fundo patrimonial, chamado de endowment e que quer dizer doação. O patrimônio acumulado provém de um capital doado à Harvard, gerenciado pela HMC, subsidiária da universidade.

Ainda segundo informações do relatório são as empresas em paraísos fiscais que direcionam o dinheiro para os países onde se encontram as terras agrícolas para as empresas, a exemplo da Caracol, e são “Esses grupos empresariais locais identificam as terras, fazem as compras e administram as fazendas”.

A gleba Campo Largo, em Cotegipe na Bahia, foi comprada pela Caracol e é uma área que compreende 140 mil hectares, onde viviam cerca de 200 famílias, que foram expulsas por pistoleiros. No relatório é apontado que “O aumento da especulação em terras agrícolas por empresas estrangeiras exacerbou os conflitos de terra na área”. Martin Mayr, coordenador na ONG 10envolvimento, acompanha a disputa desde o início da denúncia feita pela Associação de Pequenos Produtores de Bom Jesus.

Casa de agricultores destruída por jagunços em 2010 / Foto: Divulgação

 

“A polícia na época não acolheu da maneira adequada a denúncia, a partir disso eles acompanharam o grupo para a delegacia regional, mas aos poucos eles descobriram que essa associação fazia parte da terra que estava sendo negociada por um antigo grileiro da região para uma empresa de fora”.

Em reportagem publicada pelo site da Mongabay o fazendeiro José Oduvaldo Oliveira Souza foi quem negociou para a Caracol as terras, ele é apontado como grileiro muito conhecido na região. Na avaliação de Mendonça o país que perde o controle sobre a soberania de seu território coloca em risco a segurança alimentar e afirma que a reforma agrária seria a forma de acabar com a alta concentração de terras e com a desigualdade social no Brasil.

“Então seria necessário a reforma agrária, acabar com a concentração da terra, o Brasil é um dos únicos países do mundo que nunca fez uma reforma agrária, é um dos países que tem maior concentração de terra e isso gera desigualdade pobreza, fome e claro dependência também”.

Ainda conforme Mendonça o relatório faz parte de uma campanha internacional que vem denunciado a especulação com terras no Brasil e em outros países e cujo objetivo é “fortalecer as comunidades rurais que estão sendo despejadas e vendo sua terra devastada”.

A reportagem do Brasil de Fato procurou a empresa Granflor para que pudesse se pronunciar, mas não houve retorno.

Em resposta as perguntas sobre suas terras agrícolas à agência de notícias  Bloomberg, a universidade Harvard informou que considera as implicações ambientais e sociais de seus fundos de investimentos. Em um comunicado, a Harvard afirma que “instituiu uma abordagem mais proativa para trabalhar com gerentes de ativos novos e remanescentes – uma parceria que fornece mais supervisão e garante que podem deixar a terra e a comunidade melhor do que quando investiram pela primeira vez”

 

Edição: Juca Guimarães