Uma aldeia indígena trabalha para salvar<br>uma floresta brasileira, semente por semente

Xavante

Ronaldo, um indígena Xavante em uma expedição de coleta de sementes com outros de sua pequena aldeia brasileira, volta para o grupo depois de procurar certas plantas perto de uma cachoeira na savana densa.

https://www.washingtonpost.com/climate-solutions/interactive/2022/an-indigenous-village-works-save-brazilian-forest-seed-by-seed

História de Daniel Grossman e Dado Galdieri

Fotografia de Dado Galdieri

8 de abril de 2022

[NOTA DO WEBSITE: matéria importantíssima porque contrapõe o que a doutrina militar vem pregando desde os tempos da ditadura, nas décadas de 60, 70 e 80, e que agora se repete na ‘revolução da caneta‘ do ex-capitão. De que os nossos irmãos dos não têm ‘nada’ a oferecer aos seus conterrâneos euro-descendentes que invadem as florestas, desde o século XVI. E invadem muito mais em busca de tudo o que possam se apropriar porque outros, povos originários (?), ainda não haviam feito esse esbulho. Assim, enquanto alguns ‘pregam’ de que sugar e devorar tudo por dinheiro é um passo de desenvolvimento, os povos originários se mantêm coesos e sempre preservando o patrimônio que é de toda a Humanidade e não só de alguns. E a tal ideia de que tudo o que está nas áreas chamadas de ‘reservas indígenas’ é de todos os brasileiros e por isso devem ser ‘exploradas’ (ou usurpadas?), relembremos alguns fatos. Quando nos anos 60 chega a soja no Rio Grande do Sul, foi para ocupar o planalto sulriograndense, desnudado pela retirada de toda a floresta do bioma da Mata Atlântica que cobria dos Aparados da Serra, do leste do estado, próximo ao Oceano Atlântico, até a fronteira, a oeste, com a Argentina. Se essa floresta toda era um patrimônio de todos os brasileiros, para onde terão ido as toras das essências nobres da vegetação originária? Para a construção de moradia do povo nacional? Para benefício de toda a comunidade do país? Pois, lastima-se em dizer que não. Toda ela foi levada para a Europa para sua reconstrução do pós guerra. E os que derrubaram e enviaram esse patrimôno nacional todo, compartilharam os ‘ganhos’, descontando os custos de derrubada e de preparação das madeiras, com toda a população dona desse patrimônio? Parece que, infelizmente, também não. E o que hoje é propalado como patrimônio de todos os brasileiros, – minérios, essências nobres amazônicas e tudo o mais -, diferente do Rio Grande do Sul, como no caso da madeira, está sendo compartilhado com todo o povo brasileiro? E os minérios, como está o país, como um todo, lidando com esse patrimônio? E a biodiversidade, das mais ricas do planeta, com o chamado ‘agronegócio’, seja soja/milho, seja a pecuária, está preservando e valorizando esse presente que a Vida nos presenteou? Estamos todos cuidando dele? Essas deverão ser as questões que se NECESSITARIA colocar quando se confronta o discurso dos euro-descendentes, supremacistas brancos eurocêntricos, com as práticas e as ações dos Povos Originários. O resto é ideologia, arrogância, ecocídio e etnocídio. AH! POR UM ACASO NOTARAM QUE ESSE ARTIGO É DE UMA PUBLICAÇÃO ESTRANGEIRA E NÃO NACIONAL? Será que não estamos cegos para as realizações de nossos irmão originários?]

Durante as jornadas de colheita, os Xavante coletam sementes nativas para replantar uma das regiões biologicamente mais ricas do mundo

RIPÁ, Brasil — Os homens e mulheres partiram com seu chefe de caminhão, percorrendo vários quilômetros até que a estrada de sua pequena aldeia ficou mole demais para os pneus carecas do veículo. Eles então continuaram a pé, andando em fila indiana por uma planície abafada de grama esmeralda na altura do joelho.

As pequenas árvores da savana (nt.: denominação dada pelos autores ao Cerrado) ofereciam pouca sombra, mas o calor não importava, dada a sua missão.

“Ouça-me com atenção”, disse a filha do cacique, Neusa Rehim’Watsi’õ Xavante, a um forasteiro que acompanhava o grupo. “O amor que sentimos pelas plantas e pelas sementes nos faz caminhar sob o sol escaldante sem reclamar.”

A maioria dos cerca de 20.000 Xavante vive em um mosaico de florestas ralas e campos arborizados conhecidos como Cerrado, que cobre quase metade do estado de Mato Grosso (nt.: observem que é da mesma região do artigo). Embora mais seca e menos densa do que a Bacia Amazônica ao norte, possui flora e fauna exóticas vistas em nenhum outro lugar. Biólogos conservacionistas a chamam de savana mais rica biologicamente do planeta, com 5% das espécies de plantas e animais do mundo.

A expedição, ou dzomori, sai de Ripá para um dia de coleta de sementes nativas no Cerrado de Mato Grosso, Brasil. A Serra do Roncador, no Brasil, paira sobre o Cerrado enquanto as mulheres Xavante continuam sua expedição a pé. Gabriela colhe frutos de buriti de um córrego alagado nas profundezas do território indígena. Os frutos maduros do buriti lembram pequenas joias redondas.

No entanto, durante as últimas três décadas, Mato Grosso tornou-se um ponto quente global para o desmatamento. Cerca de 12% de seu Cerrado – uma área maior que a Dinamarca – foi desmatado desde 2000. Vastas áreas foram desmatadas e substituídas por plantações industriais de soja, milho e algodão (nt.: sem dúvida cultivos importantes para a ‘economia’ do País. Mas jamais serão o que irá alimentar o povo brasileiro. No discurso de alguns também é citado como ‘dono’ do Cerrado e não só os que têm a propriedade muita vezes por grilagem e esbulho). A destruição só se acelerou desde que o presidente de direita Jair Bolsonaro, líder de torcida das fazendas corporativas, assumiu o cargo. As terras indígenas têm sido um alvo particular.

Há sete anos, Ripá aderiu a um movimento para ajudar a restaurar a vegetação do Cerrado e fortalecer a própria sorte sombria da comunidade vendendo sementes colhidas em suas terras. Seus aldeões fazem frequentes viagens de colheita chamadas dzomoris, longas expedições que aprimoraram suas excelentes habilidades de coleta de sementes.

“Com as sementes, vamos reflorestar”, explicou o cacique José Serenhomo Sumené Xavante. “É por isso que precisamos de sementes nativas.”

O movimento fez algum progresso, com 7.500 hectares de floresta sendo replantadas até agora. Ironicamente, as pessoas e empresas que compram as sementes no centro do esforço são as culpadas pelo desmatamento da terra. E as agências governamentais que pressionam o reflorestamento estão entre as que falharam em impedir a destruição da floresta em primeiro lugar.

Uma cascavel bloqueou o caminho, o cacique bateu nela e o grupo continuou. O terreno subia suavemente em direção à Serra do Roncador, um cume rochoso que é sagrado para os Xavante. Perto do afloramento, as árvores ficam mais próximas e mais altas, e o ar esfria.

As sementes de Jatobá estão entre as muitas riquezas que crescem no estado central brasileiro de Mato Grosso.

Eles pararam em um pântano em um cume entre penhascos, e as mulheres se espalharam por riachos labirínticos de água. Eles colheram punhados de frutas do tamanho de morangos gigantes do chão encharcado em cestas tecidas com fibras de folhas de palmeira. As drupas maduras e ovais caíram das palmeiras de buriti – também conhecidas como palmeiras do pântano – que vivem onde o solo está encharcado.

Heloisa carrega sua cesta de frutas e sementes, com a corda nas alças enrolada na cabeça. 

O buriti é um dos preferidos do povo Xavante. A pele escamosa descasca facilmente e a carne macia é refrescante. A fruta é vendida fresca em muitas partes da América do Sul tropical. Também é macerado em fábricas e transformado em suco, sorvete e geleia.

Cestas de frutas, sementes e ervas do Cerrado aguardam o retorno da expedição à aldeia.

Uma cascavel bloqueou o caminho, o cacique bateu nela e o grupo continuou. O terreno subia suavemente em direção à Serra do Roncador, um maciço rochoso que é sagrado para os Xavante. Perto do afloramento, as árvores ficam mais próximas e mais altas, e o ar esfria.

Eles pararam em um pântano em um cume entre penhascos, e as mulheres se espalharam por riachos labirínticos de água. Eles colheram punhados de frutas do tamanho de morangos gigantes do chão encharcado em cestas tecidas com fibras de folhas de palmeira. As drupas maduras e ovais caíram das palmeiras de buriti – também conhecidas como palmeiras do pântano – que vivem onde o solo está encharcado.

O buriti é um dos preferidos do povo Xavante. A pele escamosa descasca facilmente e a carne macia é refrescante. A fruta é vendida fresca em muitas partes da América do Sul tropical. Também é macerado em fábricas e transformado em suco, sorvete e geleia.

De volta à Ripá, Verônica verifica e separa as sementes colhidas naquele dia.

Mas as mulheres Ripá não vendem sua colheita; eles vendem as sementes. A renda que produz não é muito – cerca de US$ 1.200 por ano para toda a comunidade – mas complementa o que eles ganham vendendo artesanato e o que recebem em modestos subsídios governamentais.

As sementes da árvore mirindiba são dispostas em folhas de bananeiras gigantes.

A renda não é o ponto, no entanto. “Os não indígenas estão destruindo o Cerrado e não entendem a natureza”, disse Neusa. Cada dzomori coletando sementes ajuda a curar o dano que foi feito.

Nessa viagem de um dia inteiro, a busca se estendeu além do buriti.

Uma mulher escalou a copa retorcida de uma árvore de murici atarracada. Ela apertou com força. Frutas firmes que parecem maçãs amarelas caíram da chuva. A pouca distância, outras mulheres arrancavam frutas pálidas do tamanho de uma manga dos galhos finos de uma árvore angelim.

Tudo isso, com sementes comercializáveis, eles jogavam em suas cestas. À tarde, cada um havia coletado quase dois hectares de frutas.

Mudas de árvores nativas são cultivadas no viveiro da Rede de Sementes do Xingu.

A derrubada do Cerrado e da floresta amazônica é um problema não apenas em terras indígenas. O Código Florestal do Brasil e as leis estaduais exigem que os proprietários deixem parte de sua propriedade em seu estado nativo como reserva florestal, variando o percentual por região e tipo de vegetação. Em Mato Grosso, entre 35% e 80% da floresta deve permanecer intacta.

Uma funcionária do viveiro faz o levantamento das muitas espécies de plantas e árvores da Rede de Sementes do Xingu. 

As mudas são cuidadosamente cuidadas como parte dos esforços críticos de reflorestamento em Mato Grosso.

Proprietários que desmatam ilegalmente, ignorando a exigência de retirada, devem replantar árvores nativas. Isso cria a necessidade de sementes como buriti, murici e angelim.

A maior parte da demanda vem de grandes fazendas de commodities. O Código Florestal dá alta prioridade à proteção e replantio das margens dos rios. A construção de estradas e outros projetos de obras públicas muitas vezes são necessários para substituir a vegetação danificada.

Um trabalhador da Rede de Sementes do Xingu pesa um saco de sementes de peroba.

Ripá e outras 24 comunidades indígenas do estado vendem o que coletam para uma rede conhecida como Rede de Sementes do Xingu, a maior fornecedora de sementes nativas do Brasil. Uma coalizão de indígenas e não indígenas a fundou em 2007 para reflorestar a orla dos rios da bacia do rio Xingu, afluente do Amazonas. A RSX envia sementes e fornece ajuda para plantá-las. Agricultores dentro e fora dos territórios indígenas estão envolvidos, assim como alguns moradores da cidade.

Cerca de 200 espécies de sementes nativas são exibidas para os clientes da rede.

Em seus 15 anos, a RSX vendeu mais de 300 toneladas de 220 espécies de sementes, incluindo a semente do tamanho da noz do pequi e a da embaúba, uma semente menor que um grão de arroz. Quase tudo isso foi comprado dentro do Mato Grosso.

A quantidade de terra que replantou até hoje é notável – uma área um pouco maior que Manhattan. Mas em Mato Grosso, o maior produtor de grãos do Brasil e lar do maior rebanho bovino do país, 7.500 hecatares não podem compensar o que foi perdido. Cerca de 25.000 hectares foram desmatados apenas no ano passado.

Para as mulheres Xavante, um dzomori para coletar sementes nativas é uma missão profundamente sentida.

Bruna Ferreira, diretora de longa data da RSX, admite que a tarefa de Sísifo de trazer as florestas de volta “às vezes parece sem esperança”. Mas, disse ela em entrevista, que as conquistas não devem ser julgadas apenas pela pequena porcentagem de terras restauradas. O esforço é “um trabalho de resistência, tornando essas comunidades mais fortes”.

Depois que o cacique, sua filha e as outras mulheres voltaram para sua aldeia, havia mais trabalho a fazer com o que havia sido coletado. Djanira Pe’Wee Xavante catava os frutos de murici que trouxera, escolhendo os melhores para comer e quebrando as partes podres.

Depois de descascar a fruta, ela deixava as sementes secarem. Os compradores as combinariam com dezenas de outras espécies de sementes em uma mistura que, lançada à mão, deveria dentro de uma década crescer em uma extensão que imitasse a floresta nativa.

Restaurar o Cerrado muitas vezes parece principalmente um trabalho de amor, disse Neusa. Mas vale a pena, ela acrescentou. “Se você ama o Cerrado, ele te devolve.”

A reportagem e a fotografia para esta história foram apoiadas em parte por uma doação do Pulitzer Center.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2022.

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