Um tratado global de plásticos para proteger a saúde endócrina

Plástico Obra De Arte

https://www.thelancet.com/journals/landia/article/PIIS2213-8587(22)00216-9/fulltext

Leonardo Trasande, Departamento de Pediatria, Departamento de Medicina Ambiental e Departamento de Saúde da População, Escola de Medicina da Universidade de Nova York, Nova York, NY 10016, EUANYU, Wagner School of Public Service, Nova York, NY 10016, EUA

22 de julho de 2022

Os plásticos estão sobrecarregando cada vez mais os sistemas de água e a vida selvagem. 

A ONU respondeu em 30 de maio de 2022, lançando negociações do tratado em Dakar, Senegal, para um instrumento juridicamente vinculativo internacionalmente para acabar com a poluição plástica. A saúde mal foi mencionada no anúncio do processo do tratado, e a OMS tem estado visivelmente silenciosa. No entanto, a proliferação de plásticos produziu consequências em larga escala para doenças e disfunções endócrinas.

Os plásticos são uma fonte crucial de produtos químicos disruptores endócrinos, comumente conhecidos como EDCs/endocrine-disrupting chemicals. Esses EDCs incluem ftalatos (usados ​​em embalagens de alimentos), bisfenóis (usados ​​em revestimentos de latas) e substâncias perfluoroalquil e polifluoroalquil (usadas em utensílios de cozinha antiaderentes)(nt.: esses são os chamados ‘forever chemicals’=químicos para sempre. E afetam o desenvolvimento saudável do SNC/sistema nervoso central dos embriões e daí dos fetos, favorecendo que nasçam com retardos mentais). Estudos em todo o mundo documentaram a exposição generalizada a EDCs usados ​​em materiais plásticos e sua contribuição para a infertilidade e doenças não transmissíveis, incluindo obesidade, diabetes tipo 2, doenças cardiovasculares e alguns tipos de câncer.1

Além disso, a queima de plástico para descarte cria mais problemas, produzindo dioxinas cancerígenas. Os plásticos aprofundam as desigualdades raciais e étnicas na saúde. Não é nenhum segredo que a produção química está se movendo para países de baixa e média renda (LMICs/low-income and middle-income countries), como em regiões da América Latina, Ásia, África e Oceania que estão se industrializando rapidamente. Além disso, os aterros sanitários em LMICs estão cada vez mais repletos de resíduos plásticos. A catação de resíduos tornou-se cada vez mais um modo de vida para as pessoas nestas comunidades. As mulheres em idade fértil constituem uma proporção substancial dos catadores. Por causa das consequências epigenéticas conhecidas da exposição ao EDC e da transmissão da epigenética entre gerações, os efeitos da produção e consumo de plástico podem reverberar por gerações. Espera-se que o processo de negociação do tratado se desenrole rapidamente, conforme elaborado no projeto de resolução publicado pela Assembleia das Nações Unidas para o Meio Ambiente em 2 de março de 2022. E deve levar 2 anos em vez dos habituais 5 ou 10 anos devido à reconhecida urgência da crise do plástico. O curto prazo gera um foco nas soluções existentes, algumas das quais são problemáticas. A reciclagem, que tem sido lamentavelmente inadequada – menos de 10% de todos os plásticos produzidos até hoje foram reciclados – foi apresentada como uma solução fácil. No entanto, a reciclagem em si consome muita energia e é mais cara do que criar plástico a partir de combustíveis fósseis. Garrafas plásticas de polietileno reciclado também foram identificadas por conterem níveis mais altos de bisfenóis, ftalatos e metais do que as garrafas recém-produzidas devido à contaminação cruzada durante o descarte, coleta e reprocessamento.2

Em outras palavras, os próprios plásticos reciclados apresentam ameaças à saúde.

Plásticos à base de plantas e outros plásticos de base biológica também foram apontados como uma alternativa amiga do planeta e uma forma de inovação sustentável. No entanto, esses plásticos exigem altas temperaturas para serem reciclados e, quando os altos custos forçam os bioplásticos a serem depositados em aterros, eles produzem metano, que é mais potente que o dióxido de carbono na condução das mudanças climáticas. Estudos de laboratório também sugerem maior estresse oxidativo e antiandrogenicidade causados ​​pelos produtos químicos encontrados em líquidos obtidos de garrafas de bioplástico do que plásticos virgens.3

Muitos leitores já devem ter ouvido os três R’s da gestão de resíduos: reduzir, reu,tilizar e reciclar. Muitos participantes do tratado usarão essas três palavras no processo de negociação. O principal objetivo deste Comentário é que dois dos R’s (reutilizar e reciclar) falharam em proteger a saúde humana e não representam soluções sustentáveis ​​para o futuro. Os plásticos ultrapassaram os limites planetários e seus resíduos químicos estão em nossos corpos, contribuindo para doenças e deficiências. A solução não é a gestão de resíduos, mas a prevenção primária, restringindo o uso do plástico ao uso essencial. O próprio sistema de saúde contribuiu para a crise do plástico e é parte da solução. Alguns plásticos de policloreto de vinila/pvc e policarbonato são essenciais para o bom funcionamento de dispositivos médicos, como bolsas de sangue, bolsas de nutrição, tubos, cateteres venosos umbilicais, equipamentos de hemodiálise, incubadoras neonatais, seringas e nebulizadores (nt.: discordando do articulista, não adianta nada serem ‘essenciais’ para a medicina se eles, exatamente os dois, são e com isso levam outro tipo de ‘doença’, insalubridade para os pacientes. Não é possível que não se encontrem outros meios naturais para isso!). Mas muitos usos no atendimento ao paciente são opcionais. Felizmente, as unidades de saúde começaram a apoiar iniciativas de sustentabilidade que reduzem o uso de plástico, principalmente aqueles com riscos químicos. 

A Practice Greenhealth, uma rede de mais de 1.400 hospitais nos EUA, implementou iniciativas de sustentabilidade e estratégias de clima inteligentes em suas instalações. A rede também inclui parceiros do setor (fabricantes, fornecedores, prestadores de serviços e outros parceiros da cadeia de suprimentos). 

Cuidados de saúde sem danos apoia os parceiros hospitalares na recomendação de produtos médicos mais seguros e outros materiais que as organizações de saúde e os hospitais devem adotar. Esse esforço precisa ser expandido globalmente. As principais organizações médicas também alertaram sobre produtos químicos usados ​​em materiais plásticos, incluindo a Federação Internacional de Ginecologistas e Obstetras, a Endocrine Society, a Academia Americana de Pediatria e a Federação Mundial de Obesidade.Os principais fabricantes de plástico podem enquadrar o afastamento dos plásticos como uma ameaça à economia. As doenças causadas por produtos químicos usados ​​em materiais plásticos são substanciais, custando US$ 296 bilhões a cada ano somente nos EUA.4

A mortalidade devido aos ftalatos é substancial, com mais de 90.000 mortes atribuíveis nos EUA anualmente.5

A OMS fez uma declaração conjunta com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente sobre EDCs, e a OMS deve manter essa declaração e apoiar o esforço global para reduzir os plásticos, que são uma fonte substancial de EDCs.

Os líderes em saúde global precisarão alertar os negociadores de tratados para que não se concentrem em resíduos ou poluição. As indústrias usam intencionalmente produtos químicos apesar dos danos conhecidos. Regulamentações são urgentemente necessárias para reduzir a produção de plásticos, tanto devido à enorme carga ecológica e à pressão que exercem sobre o planeta, quanto por seus danos à saúde humana. A ênfase deve estar no afastamento do plástico tanto quanto na sua reutilização.

Reduzir a produção e o consumo de plástico também podem apoiar o esforço global de combate às mudanças climáticas. Quase todos os plásticos são feitos de matérias-primas de combustível fóssil – por exemplo, os plásticos de polietileno são produzidos pelo craqueamento do etano, que é facilmente separado do gás natural. O refino de plástico também consome muita energia. Em 2030, as emissões da produção de plástico podem ser equivalentes às emissões de 295 usinas a carvão.6

Os microplásticos no oceano também reduzem a capacidade do planeta de sequestrar dióxido de carbono. Apesar dos desafios políticos e sociais, os líderes científicos e médicos forjaram avanços cruciais para aproximar a sociedade da normalidade, apesar da ameaça do COVID-19. Enquanto nosso planeta continua sendo assolado por essa pandemia infecciosa, também é assediado por ameaças ambientais. A comunidade endócrina deve emprestar sua voz unificada para garantir que os negociadores de tratados reduzam a dependência do planeta do plástico, em vez de tentar mexer em sua composição química, esperando que a indústria reconheça o que é melhor para a saúde humana e o meio ambiente.

Referências

  1. Gore AC, Chappell VA, Fenton SE et al. ‘EDC-2: The Endocrine Society’s second scientific statement on endocrine-disrupting chemicals – Endocr Rev. 2015; 36: E1-150
  2. Gerassimidou S, Lanska P, Hahladakis JN et al. ‘Unpacking the complexity of the PET drink bottles value chain: a chemicals perspective’ – J Hazard Mater. 2022; 430128410
  3. Zimmermann L, Dombrowski A, Völker C, Wagner M. ‘Are bioplastics and plant-based materials safer than conventional plastics? In vitro toxicity and chemical composition’ -.Environ Int. 2020; 145106066
  4. Attina TM, Hauser R, Sathyanarayana S et al. ‘Exposure to endocrine-disrupting chemicals in the USA: a population-based disease burden and cost analysis’ – Lancet Diabetes Endocrinol. 2016; 4: 996-1003
  5. Trasande L, Liu B, Bao W. ‘Phthalates and attributable mortality: a population-based longitudinal cohort study and cost analysis’ – Environ Pollut. 2022; 292118021
  6. Center for International Lawplastic & climate: the hidden costs of a plastic planet.https://www.ciel.org/reports/plastic-health-the-hidden-costs-of-a-plastic-planet-may-2019/ Date: 2019 Date accessed: June 1, 2022

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2022.