Uma ilustração mostrando um caminhão basculante verde despejando lodo preto em um campo vazio durante o outono. Um dos aglomerados de lama tem a forma do estado do Maine
https://themainemonitor.org/a-spreading-problem-how-PFAS-got-into-soils-and-food-systems/
23 de outubro de 2022
Os riscos de ‘químicos eternos’ encerraram meio século de propagação de lodo nas terras agrícolas do Maine e levantaram questões sem resposta sobre a contaminação dos alimentos.
“Em geral outros estados têm problemas que nós não temos. Somos abençoados com muita terra e muito lodo limpo.” — Funcionário do Departamento de Proteção Ambiental do Maine em um artigo do Maine Times de 1982, “Sludge as Fertilizer” (nt.: lodo de esgoto como fertilizante), de Jeff Clark
Para muitos burocratas e gestores de águas residuais/esgotos, nas décadas de 1970 e 1980, espalhar lodo municipal e industrial nas fazendas e florestas do estado do Maine parecia uma solução inspirada para um problema irritante.
A reciclagem atraiu muitas pessoas, e devolver ao solo resíduos ricos em nitrogênio poderia aumentar a produtividade agrícola sem a necessidade de fertilizantes caros. Era preciso ter cuidado ao testar metais pesados, observaram os proponentes, mas eles acreditam que espalhar dejetos humanos em campos agrícolas, uma prática antiga em muitas culturas, é seguro e sustentável.
O espalhamento de lodo também era um meio de descarte relativamente barato. Depois que a Lei da Água Limpa foi aprovada em 1972, “o foco estava na limpeza de rios e córregos e não tanto no que fazemos com os resíduos”, disse Steve Page, que foi trabalhar em 1988 para uma nova divisão de reciclagem no Departamento de Proteção Ambiental (nt.: DEP/Department Environmental Protection) do Maine e que supervisionava o esgoto e o lodo (resíduo concentrado bombeado de fossas sépticas).
“Os diagramas das primeiras estações de tratamento de águas residuais mostravam um fluxograma complicado que sempre terminava com a imagem de um caminhão basculante. Fim do problema”, disse Page. Mas para os operadores e reguladores da usina, foi aí que o problema começou. O que fazer com a carga? Esses caminhões carregados de lodo se acumulavam rapidamente e as opções de descarte eram limitadas.
O Congresso proibiu o despejo de lodo no oceano em 1988, e os aterros sanitários e incineradores não queriam esse subproduto úmido do tratamento de esgoto. Era “extremamente caro desidratar o lodo”, disse Page, e transportá-lo para terras próximas ajudava a manter as taxas de esgoto baixas. Era “de longe uma coisa baseada em custos”, acrescentou, “com o benefício altruísta de fornecer o que se pensava ser um fertilizante seguro para os agricultores”.
Ninguém que gerasse esgoto ou gerenciasse lodo no Maine naquela época percebeu que o material continha substâncias per e polifluoralquil/PFAS (nt.: negrito destaque da tradução), uma vasta classe de produtos químicos sintéticos que podem interromper os sistemas hormonal, imunológico e reprodutivo e podem aumentar o risco de vários tipos de câncer. O que parecia na época uma solução econômica para o descarte de lodo, tornou-se uma ameaça ambiental monumentalmente cara, com repercussões que se estendem em direção ao futuro.
Lodo para o solo
Na década de 1970, os PFAS eram um constituinte crescente no fluxo de resíduos, tendo sido usados em produtos de consumo e processos industriais por mais de uma década. Mas os riscos à saúde causados por esses produtos químicos persistentes eram conhecidos apenas por fabricantes como 3M e DuPont (nt.: queremos destacar o que consideramos como uma índole criminosa dos CEOs, acionistas, cientistas e todos os envolvidos e NÃO A CORPORAÇÃO que não tem competência moral nem ética para ser ‘julgada’, COMO OS RESPONSÁVEIS POR TODOS OS EFEITOS SOBRE A VIDA PLANETÁRIA) que conduziram seus próprios estudos de toxicidade.
A Agência de Proteção Ambiental dos EUA (nt.: EPA/US Environmental Protection Agency) acabou pressionando os fabricantes a eliminarem gradualmente a produção de dois produtos químicos PFAS de “cadeia longa” amplamente usados (com muitos átomos de carbono): PFOA e PFOS. As corporações então lançaram uma nova geração de compostos de cadeia curta, que foram comercializados como mais seguros (nt.: destaque da tradução para que nunca esqueçamos a troca muito mais letal do BPA/Bisfenol A pelo BFS, pela indústria, no célebre escândalo das mamadeiras e outros utensílios de crianças e mesmo de adultos), mas agora parecem mais móveis, mais solúveis em água e mais prontamente absorvidos pelas plantas.
O PFOA e o PFOS podem se formar a partir de outros precursores químicos em ambientes como estações de tratamento de águas residuais, disse Jean MacRae, professor de engenharia civil e ambiental da Universidade do Maine. Pesquisadores descobriram que esses dois compostos ‘legados’ tendem a se concentrar no lodo; eles são predominantes entre os compostos PFAS encontrados nos solos agrícolas do Maine, onde o lodo foi aplicado , de acordo com Ellen Mallory, agrônoma da Universidade do Maine.
Durante as décadas de 1980 e 1990, à medida que a dispersão de lodo se expandia por toda a Nova Inglaterra, “a aplicação na terra foi de longe a maior no Maine”, disse Page. Dois terços ou mais de todo o lodo municipal do estado gerado anualmente foi espalhado nos solos e, em alguns anos, esse número subiu mais de 85%. Em 2019, uma única empresa de resíduos envolvida em “aplicação direta no solo” observou que tinha “mais de 200 clientes agrícolas no estado do Maine”.
Essa prática terminou neste ano em curso (nt.: 2022), quando o Maine promulgou a primeira proibição do país sobre a propagação de lodo e a venda de composto derivado do lodo. Mas durante o meio século anterior, o PFAS se infiltrou nos solos e nas águas subterrâneas, criando o que Page chama de “gerações de problemas para a agricultura”.
Como os EUA não exigem testes extensivos de produtos químicos tóxicos antes de sua produção, os PFAS estavam em uso por mais de uma década antes que os testes corporativos internos começassem a revelar alguns dos muitos riscos à saúde associados e por várias décadas antes que os reguladores federais soubessem desses riscos. . Crédito: Conselho Interestadual de Tecnologia e Regulamentação (pfas-1.itrcweb.org)
Tendo possuído e administrado um pomar orgânico, Page sabe em primeira mão que “a agricultura é um negócio difícil o suficiente sem isso”. Irrita-se de que as corporações químicas – por décadas – tenham “obtido lucrar sabendo que havia um problema“, deixando aos outros a descoberta de “como viver com [PFAS] circulando pelo meio ambiente”.
Após seu emprego no estado, Page trabalhou para uma corporação de resíduos fazendo visitas aos agricultores antes que eles recebessem o lodo. Esse papel, ele lembrou, “me deu sensibilidade para o quão raro é o solo bom aqui”. Ele foi cofundador e membro do conselho da Maine Farmland Trust, uma organização sem fins lucrativos dedicada a proteger terras agrícolas e apoiar agricultores.
Tendo trabalhado na ‘reciclagem de resíduos’ de lodo na década de 1990 e como um horticultor orgânico, Steve Page se sentiu pego de surpresa ao saber que o PFAS vinha contaminando o fluxo de resíduos por mais de cinco décadas. Foto de Marina Schauffler.
O PFAS se infiltrou em inúmeros ecossistemas em todo o Maine, mas para Page “é o pedaço das terras que parte meu coração”. Algumas propriedades agrícolas que ele e outros trabalharam para conservar perpetuamente agora estão contaminadas com ‘químicos eternos/forever chemicals‘. Essa, disse ele, “é a ironia que levarei para o túmulo”.
Promoção e oposição
A distribuição de lodo atraiu o apoio da EPA e do DEP, com as agências às vezes promovendo ativamente o que ficou conhecido, após um esforço de renomeação da indústria, como “a aplicação de biossólidos no solo terra”. Um livreto da EPA de 1994, intitulado “Reciclagem de biossólidos: tecnologia benéfica para um ambiente melhor”, afirmou que “a pesquisa está indicando que biossólidos produzidos e aplicados adequadamente podem ajudar a proteger a saúde infantil”, tornando o chumbo no solo ou poeira menos provável de entrar na corrente sanguínea.
A EPA ofereceu apoio técnico àqueles que promoviam o espalhamento de lodo, publicando em 1981, uma compilação de “medidas (que) se mostraram eficazes na aceleração de projetos (aplicação de biossólidos)”, como campanhas de relações públicas e “esquemas de compensação” para oposição, definidos tanto pelos residentes das áreas como pelos funcionários públicos locais. O relatório público era um reconhecimento tácito de que os projetos de espalhamento de lodo muitas vezes enfrentavam forte resistência de moradores preocupados com a potencial contaminação de solos e águas, bem como com a qualidade do ar.
Naquele ano, pesquisadores da Cornell University recomendaram que Nova York estendesse por dois anos a proibição imposta à aplicação de lodo na agricultura porque, nas palavras de Donald Lisk, diretor do laboratório de produtos químicos tóxicos da escola, “o lodo é o produto de praticamente tudo na nossa sociedade e pode conter virtualmente qualquer elemento e uma galáxia de produtos químicos perigosos, dependendo do espectro de indústrias na área. É muito venenoso e imprevisível para ser usado no solo.” Ele também alertou sobre os impactos de longo prazo: “Uma vez que esses elementos estão no solo, eles não desaparecem; alguns viajam para as plantas, enquanto outros lixiviam e podem contaminar as águas subterrâneas”.
O estudo da Cornell recebeu considerável atenção da mídia. Para rebater isso, o DEP do Maine “foi ao ponto bastante incomum de distribuir um comunicado à imprensa refutando-o”, informou o Maine Times em abril de 1982.
O DEP estabeleceu gradualmente um quadro regulamentar para a dispersão de lamas, tanto das estações de tratamento de águas residuais como das fábricas de papel. Em 1983, uma empresa chamada Resource Conservation Services, Inc. (RCS) foi formada e começou a facilitar a reciclagem de lodo industrial e cinzas de madeira em fazendas e florestas. Fundada por Bill Ginn, ex-diretor executivo da Maine Audubon, a empresa de rápido crescimento atraiu funcionários com forte conhecimento ambiental e um profundo compromisso com a reciclagem de resíduos, de acordo com vários ex-funcionários. Nas palavras de um ex-funcionário, “pensávamos que estávamos salvando o mundo”.
Com a ajuda da RCS e outros, quase 50 estações de tratamento de águas residuais do Maine e várias fábricas de papel estavam espalhando seu lodo no solo em 1985. Os métodos para testes químicos de lodo melhoraram nessa época, revelando a presença de dioxinas (nt.: provavelmente essas fábricas de papel estavam empregando o cloro como agente branqueador da celulose como a ex-Borregard e ex-Riocell, às margens do Lago Guaíba, na grande Porto Alegre, no RS) um grupo persistente e altamente tóxico de produtos químicos (nt.: sempre lembrar que a dioxina era a arma de guerra química da IIª Guerra Mundial e que os EUA iriam usar para matar todo o arroz japonês em 1945, mas optaram pelas bombas atômicas de Hiroxima e Nagasaki. Ficou notoriamente famosa pela arma química do Vietnã, chamada de Agente Laranja que o presidente Kennedy dizia, e com razão, ser herbicida e não como era na verdade uma arma química. No entanto só foi quimicamente revelada pelo acidente da fábrica de cosméticos no norte da Itália, em Seveso, em 1975. Tiveram outras contaminações famosas, como na cidade alemã de Rastatt, perto de Strassburg na França).
A oposição dos cidadãos tornou-se mais ativa e organizada em resposta a essa descoberta, com algumas cidades trabalhando para instituir proibições de espalhar lodo. O co-fundador de um grupo da área de Waterville chamado COWS (Cidadãos Opostos à Espalhamento de Resíduos), Jack Gondela, disse ao repórter do Maine Times, Scott Allen, em janeiro de 1986: “Antes de qualquer fazendeiro concordar em despejar esse lixo em suas terras agrícolas, eles devem perguntar a eles mesmos que surpresas o futuro pode trazer.”
Em 1997, um instituto afiliado a Cornell publicou The Case for Caution, pedindo à EPA e às agências ambientais estaduais que instituíssem controles mais fortes sobre a dispersão de lodo no solo para proteger a saúde pública, dada “a persistência de muitos poluentes” no lodo e os desafios de remediação. “Estamos preocupados que a EPA – ao estabelecer regras que são muito menos protetoras do que as de muitas outras nações – tenha feito muitas suposições excessivamente otimistas ou simplistas sobre os impactos dos contaminantes”, observou a diretora do instituto, Ellen Harrison.
Quando a Toxics Action, organização sem fins lucrativos com sede em Portland, publicou um relatório de 2003 alertando sobre os perigos químicos do lodo, a associação comercial regional de gestores de resíduos escreveu em defesa : “Continuamos a reciclar esses resíduos, porque sabemos tanto os benefícios para a fertilidade do solo que superam o mínimo riscos potenciais – como por necessidade.” A necessidade, de fato, era o cerne da questão. Durante décadas, os oponentes da dispersão de lodo expressaram preocupações críveis, mas nunca houve uma alternativa viável e acessível.
Lodo para compostagem no solo
Para converter o lodo em composto comercializável que poderia ser vendido a granel ou ensacado, cerca de uma dúzia de estações de tratamento de águas residuais do Maine estabeleceram operações de compostagem ao lado de cerca de uma dúzia de operações privadas. Em 1990, a RCS construiu a Unidade de Compostagem Hawk Ridge em Unity. A RCS foi vendida no ano seguinte para a Browning Ferris Industries e, em 2000, a Casella Waste Systems, Inc. adquiriu a operação da Unity.
Hawk Ridge é a “maior instalação de compostagem de biossólidos na Nova Inglaterra”, observou Jeff McBurnie, diretor de compliance da Casella. De acordo com os registros do DEP de Maine, Hawk Ridge processou 43.000 metros cúbicos de lodo em 2021, menos de 10% vindo de fontes do Maine. O restante do lodo teve origem fora do estado. A partir desse lodo, a instalação processou quase 73.000 metros cúbicos de composto no ano passado (nt.: 2021).
Desde a sua criação, as instalações de Hawk Ridge geraram mais de 2 milhões de metros cúbicos de composto à base de lodo que foram usados em diversos usos, como recuperação de terras, campos de golfe e campos de jogos escolares. Desde que Casella assumiu a propriedade em 2000, escreveu McBurnie, Hawk Ridge “distribuiu entre metade e dois terços de nossa produção no estado do Maine”.
“Os clientes agrícolas não são uma saída significativa”, observou McBurnie em um e-mail recente. No entanto, historicamente, o composto foi para fazendas e jardins. Um relatório anual da Casella de 2006 indicou que “compostos, solos e coberturas mortas são vendidos e distribuídos para os mercados de agricultura, paisagismo e construção”.
De acordo com as Regras de Gerenciamento de Resíduos Sólidos do Maine para instalações de compostagem (Capítulo 410), os geradores devem relatar anualmente ao DEP, incluindo informações sobre a localização dos materiais distribuídos fora do local. A pedido do DEP, Casella forneceu uma lista de clientes para o composto a granel de Hawk Ridge. De acordo com o porta-voz do DEP, David Madore, mas alguns desses destinatários provavelmente redistribuíram o produto, dificultando o rastreamento do destino final desses materiais.
À medida que o composto se decompõe e diminui de volume, o PFAS geralmente resiste à degradação microbiana, de modo que suas concentrações geralmente aumentam, de acordo com MacRae, professor de engenharia da Universidade do Maine. Quando o DEP em 2019 testou compostos acabados feitos de lodo, 89% das amostras excederam o nível de triagem do estado que rege os suplementos de solo para PFOA e 74% para PFOS.
Na pesquisa de 2021, o Ecology Center em Ann Arbor, Michigan, e o Sierra Club testaram nove fertilizantes ensacados entre 30 compostos e correções de solo feitos de lodo e vendidos em grandes varejistas; oito excederam os níveis de triagem PFAS obrigatórios do Maine. Testado quanto à presença de 33 compostos PFAS, cada fertilizante apresentou níveis detectáveis entre 14 e 20 PFAS.
Solo para colheitas
O DEP está testando as águas e solos onde lodo e sedimentos foram historicamente aplicados, um processo que deve continuar até 2025. No primeiro nível de teste envolvendo locais considerados mais contaminados, as 32 propriedades agrícolas testadas (parte do PFAS- locais afetados) todos excederam os níveis de triagem do solo para PFOS em milho e silagem (mais de 6,4 ppb PFOS) estabelecidos pelo Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC) do Maine. Muitas dessas fazendas ainda conseguiram produzir bens com segurança por meio de medidas de mitigação tomadas em consulta com o Departamento de Agricultura, Conservação e Florestas do Maine, observou o porta-voz do departamento, Jim Britt.
Muito do PFAS encontrado provavelmente está ligado a aplicações históricas de lodo ou septo, mas alguns podem derivar da deposição atmosférica, água de irrigação contaminada e até mesmo água da chuva (um estudo recente encontrou níveis detectáveis na chuva em locais ao redor do mundo).
Em todo o país, um quarto do lodo do país ainda está espalhado em terras agrícolas, de modo que os PFAS estão potencialmente afetando dezenas de milhões de hectares de plantações de alimentos. Como o Maine está na vanguarda dos testes de terras agrícolas que receberam aplicações de lodo, também é pioneiro em pesquisas sobre como as plantas absorvem e armazenam PFAS e quais culturas podem ser mais afetadas pelo solo contaminado.
A forma como os compostos PFAS migram do solo para as plantas depende de muitos fatores, incluindo o tipo químico, as propriedades do solo e as variedades de culturas. Com financiamento do estado, pesquisadores da Universidade do Maine começaram a avaliar como o PFAS se acumula em diferentes plantas e nas partes de cada planta.
Pesquisas iniciais sugerem que a absorção de PFAS pelas plantas é maior nas folhas verdes e nas folhas e caules, em vez das raízes, frutas ou porções de grãos das plantas. Culturas como alface, couve e aipo normalmente têm níveis mais altos do que tomates, pepinos ou ervilhas.
Pesquisas iniciais sobre absorção de plantas indicam que o PFAS é mais facilmente absorvido em vegetais verdes folhosos (como a couve mostrada aqui) e nos caules e folhas de outras culturas, em vez de raízes, frutas ou grãos. Foto de Marina Schauffler.
A variabilidade na absorção de plantas pode permitir que alguns agricultores continuem colhendo em ambientes com contaminação mínima de PFAS por meio de algum tipo de sistema de consórcio.
Na próxima primavera, a Universidade do Maine iniciará estudos em estufa testando plantas consorciadas, como mistura de milho e tomate (que acumulam pouco PFAS nas porções consumidas) com alface e cânhamo (que acumulam PFAS significativo). A esperança é encontrar “um regime de cultivo que seja seguro e eficaz”, disse Linden Schneider, diretor assistente da Estação Experimental Agrícola e Florestal da Universidade do Maine.
Testando alimentos do Maine
Os toxicologistas do Maine CDC estão trabalhando para determinar quais níveis de PFAS podem ser seguros para consumo em vários alimentos. É uma tarefa desafiadora por vários motivos. A FDA/Food and Drugs Adminstration está melhor equipada para definir níveis de ação (limiares para consumo seguro) para contaminantes de alimentos, mas com o PFAS, a agência fez amostragem limitada de alimentos para apenas 16 compostos e não definiu níveis de ação do PFAS.
Em 2016, quando o Maine descobriu pela primeira vez leite com alto teor de PFAS, não havia resposta para “quanto é demais no leite”, disse o toxicologista estadual Andrew Smith, do Maine CDC. “A FDA não tinha nível de ação e não iria fornecer um número, então não tínhamos muita escolha a não ser derivá-lo nós mesmos.”
A forma como os níveis de ação são calculados é, na verdade, “uma fórmula bastante simplista”, disse Smith. Um nível de toxicidade fornecido por agências federais é dividido por uma taxa de consumo de alimentos. Mas calcular o último é complexo e muitas vezes muito trabalhoso, pois envolve a extração de dados sobre o tamanho das porções de um banco de dados federal de equivalentes de padrões alimentares derivado de pesquisas nacionais.
Maine estabeleceu níveis de ação para leite e carne bovina em 2017, mas eles serão reduzidos com base em novos dados toxicológicos federais, disse Smith. “Mais seis níveis de ação serão adicionados para iogurte, ovos, carne de porco, espinafre, alface e batata branca, uma etapa que ele observou que “não indica necessariamente uma preocupação com a presença de PFAS nesses alimentos, mas sim a necessidade de estar preparado para interpretar quaisquer dados que possamos obter no PFAS” neles (nt.: destaque dado pela tradução para chamar a atenção que alimentos estão sendo observados como possivelmente envenenados). O estado forneceu seus níveis recomendados à FDA para uma “verificação de controle de qualidade” no final de agosto, acrescentou ele, e recebeu a notícia recentemente de que “eles estão revisando agora”.
O conjunto expandido de níveis de ação alimentar, uma vez divulgado, cobrirá quatro PFAS diferentes, a partir do único composto coberto agora. Smith disse que PFAS adicionais podem ser adicionados no futuro, dependendo de quais compostos estão aparecendo nas fazendas do Maine e quais dados toxicológicos federais estão disponíveis.
Parte do que torna o processo de teste de alimentos desafiador, observou Smith, é a variabilidade na maneira como cada produto químico PFAS se comporta e “a maneira como eles se comportam com vegetais diferentes”. Em culturas como aspargo e ruibarbo, por exemplo, os pesquisadores descobriram que o PFAS está abaixo dos níveis de detecção, mesmo em locais razoavelmente contaminados. Plantas como o milho absorvem o PFAS nos caules e folhas, mas muito menos nas espigas e grãos.
[NOTA DO WEBSITE: resolvemos colocar esse destaque que não é da matéria para que se consulte onde podemos, nós no Brasil, estarmos sendo envenenados sem termos a mínima noção – Relacionado: PFAS para viagem: recipientes e embalagens para viagem representam riscos à segurança alimentar].
Nem todos os compostos que aparecem no solo são encontrados no feno, e nem todos aqueles medidos no feno são encontrados no leite. Um deles, o PFOS, tende a ser elevado em geral. Mas frequentemente, disse Smith, muito menos compostos são encontrados no leite do que na grama ou no solo. O que o Maine CDC está trabalhando, ele acrescentou, é algum tipo de modelo que poderia ajudar o estado a determinar se, em um determinado nível de contaminação do solo, os vegetais ou forragem de um local para o gado merecem testes.
Ao longo de uma carreira de quase quatro décadas, Smith observou o Maine enfrentar repetidas crises de contaminação química. Questionado sobre suas ideias sobre as lições mais amplas que podem advir da experiência do PFAS, ele disse: “Seu conhecimento é sempre limitado ao que você pode testar e ao que sabe testar”, acrescentando que é problemático ter uma política química nacional que permite que os materiais entrem em uso generalizado sem testes e avaliações de saúde anteriores suficientes. “Não é uma boa ideia colocar produtos químicos no ambiente que são altamente persistentes e móveis, e sobre os quais não sabemos muito.” (nt.: destaque em negrito dado pela tradução).
Ajuda para terras agrícolas contaminadas
A pesquisa começou no Maine explorando o potencial das plantas para ajudar a remover produtos químicos tóxicos dos solos, um processo conhecido como fitorremediação. Em um local fortemente contaminado com PFAS na antiga Base da Força Aérea de Loring em Limestone, a organização sem fins lucrativos Upland Grassroots e a Mi’kmaq Nation trabalham desde 2019 com vários cientistas para ver se as plantas de cânhamo (Cannabis sativa) podem reduzir as concentrações de PFAS no solo .
Os resultados são promissores: o cânhamo está demonstrando capacidade de “puxar uma enorme quantidade de PFAS do solo”, disse Chelli Stanley, fundador da Upland Grassroots, e de água contaminada quando cultivado hidroponicamente.
As plantas de cânhamo (Cannabis sativa) podem absorver PFAS do solo contaminado e armazená-lo em suas folhas, flores, caules, raízes e pólen, potencialmente ajudando a limpar solos contaminados (um processo conhecido como fitorremediação). Foto de Marina Schauffler.
Pesquisas de cientistas da Universidade de Albany, colaboradores do projeto Limestone, mostraram que um único grama de cânhamo pode absorver aproximadamente um milhão de partes por trilhão (1 parte por milhão) de PFAS, disse Stanley.
A fitorremediação levanta o desafio de como descartar com segurança plantas contaminadas, que podem liberar PFAS armazenados por meio de incineração ou descarte em aterros sanitários. O projeto Limestone está cultivando apenas o cânhamo necessário pelas quatro instituições científicas colaboradoras para evitar que as plantas vão para um aterro sanitário, pois, nas palavras de Stanley, “queremos uma solução completa”.
Os pesquisadores de Albany estudam como transformar o cânhamo em biocombustível dentro de um sistema fechado que não permita a fuga do PFAS. Um engenheiro da Universidade de Princeton, que descobriu um micróbio do solo que pode decompor o PFAS em condições específicas, planeja testar se o micróbio funcionará em cânhamo contaminado.
Cientistas da Estação Experimental Agrícola de Connecticut e da Universidade da Virgínia também estão trabalhando com cânhamo de Limestone para entender melhor como as plantas armazenam PFAS e quanto dos produtos químicos podem tolerar.
Stanley espera que mais colaborações possam ser desenvolvidas com o estado e a Força Aérea, que ela disse ter sinalizado a disposição de adotar um plano de fitorremediação no local de Loring se o projeto piloto for bem-sucedido.
O potencial do cânhamo para ajudar solos contaminados é algo que Steve Page, agora aposentado, está pesquisando longamente, juntamente com outros caminhos para curar terras agrícolas. “As ideias vêm à mente às 2 da manhã e tenho que anotá-las”, disse ele. “Gostaria de passar o resto da minha vida ajudando nos esforços de remediação do PFAS da maneira que puder. Eu vivi o início dessa história e gostaria de contribuir para resolver as consequências.”
A aprovação da Lei da Água Limpa em 1972 levou a rios e águas costeiras nitidamente mais limpos, mas como o subproduto do processo de tratamento de água – lodo – começou a se acumular, as agências ambientais incentivaram a prática de espalhá-lo na terra. Ilustração por MollyMaps.
Este projeto foi produzido com o apoio do Doris O’Donnell Innovations in Investigative Journalism Fellowship, concedido pelo Center for Media Innovation da Point Park University em Pittsburgh, Pa. O autor agradece a Beedy Parker e Steve Page por compartilhar arquivos guardados.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2023.