Um cheque em branco para as mineradoras.

Projeto de lei do novo Marco Regulatório da Mineração pode ser aprovado sem a participação da sociedade civil. Três textos sobre a questão da mineração no Brasil e no mundo.

 

 

http://www.ihu.unisinos.br/noticias/522597-um-cheque-em-branco-para-as-mineradoras

 

 

A reportagem é de Maíra Gomes e publicada pelo Brasil de Fato, 08-08-2013.

No dia 18 de junho foi apresentado o projeto de lei do novo Marco Regulatório da Mineração (PL 5.807/13), em debate no governo federal há cerca de quatro anos. De acordo com o Ministro de Minas e Energia, Edison Lobão, o objetivo é incentivar o investimento no setor, além de atualizar a legislação em vigor, que remonta a 1967, quando foi sancionado o Código da Mineração, ainda durante o regime militar.

O projeto foi apresentado em regime de urgência constitucional. Ou seja: 45 dias na Câmara mais 45 dias no Senado. Movimentos sociais e entidades do setor da mineração denunciam que o caráter de urgência impossibilita o amplo debate pela sociedade civil. “O momento é favorável para a discussão de muitos temas, inclusive da mineração. Mas o que está em jogo é a riqueza do país para as gerações futuras e a sociedade não teve participação nenhuma no debate do novo marco”, afirma Maria Júlia Gomes de Andrade, militante do Movimento Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração (MAM).

Em conjunto com diversas outras entidades, o MAM compõe o Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, fórum de diálogo e iniciativas comuns entre diversos grupos frente à expansão minerária no Brasil, criado em maio deste ano. O Comitê exige o fim do regime de urgência e que o novo código passe a ser discutido com a sociedade, afetada diariamente pela mineração.

Os principais pontos do novo código são:

Compensação financeira

Entre as principais propostas está a mudança na Compensação Financeira pela Exploração Mineral (Cfem), tarifa que as empresas exploradoras pagam ao poder público para compensar a retirada dos recursos minerais do território. Essa tarifa incide atualmente sobre o faturamento líquido das empresas, e passará a considerar o valor bruto, o que representa um aumento da arrecadação. A porcentagem da incidência do tributo é variável, de acordo com o minério extraído, e definida por decreto. Atualmente, pode variar de 0 a 3%, e com o novo código pode chegar a 4%.

A pesquisadora e militante Alessandra Cardoso, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), destaca que mudança proposta é positiva, mas abaixo das possibilidades. “Realmente é um ponto positivo do projeto a mudança da base de cálculo da alíquota do Cfem. Os materiais extraídos são de natureza patrimonial, e esse imposto é uma compensação ao Estado pela exploração de um recurso que é bem da União. No entanto, o aumento da arrecadação ainda é muito tímido. Há dois anos, o governo cogitava o valor de 8%, mas recuou em função de lobby”, declara.

A distribuição do Cfem deve ser a mesma: 65% para municípios, 23% para estados e 12% para o governo federal. Alessandra aponta que existe uma concentração do recurso no âmbito municipal, o que desconsidera áreas impactadas que ficam fora destes limites. “A mineração atinge municípios do entorno, além de outros que fazem parte da cadeia de produção, como locais por onde passam trens ou minerodutos. De acordo com a regulação atual, nenhuma das comunidades atingidas recebe compensação e isso deve mudar”, afirma.

O Comitê propõe que a distribuição seja feita sob a perspectiva da cadeia de escoamento, ou seja, avaliando todas as comunidades envolvidas, de acordo com o grau de impacto em cada uma, garantindo que elas recebam uma parte justa da compensação. “Há também a questão do uso do recurso. Os municípios têm menor transparência, diferente do governo federal. Hoje, não sabemos para onde estão indo os royalties e, quando identificamos, vemos que está sendo gasto com infraestruturas ligadas à mineração, como estradas. Poderiam ser investidos em saúde, educação, saneamento, áreas que de fato dariam retorno àquela população atingida pela mineração”, complementa.

Criação de entidades fiscalizadoras e reguladoras

O documento propõe a criação do Conselho Nacional de Política Mineral (CNPM), que deve auxiliar a presidência na elaboração de políticas para o setor, tratando da questão de forma ampla, como planejamentos a médio e longo prazos, estratégia macro e outros. O atual Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) deve ser substituído pela Agência Nacional de Mineração (ANM), que funcionará como outras agências reguladoras, detalhando processos, definido políticas e normas específicas.

Para Carlos Bittencourt, pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase), a criação dos órgãos deve ser mais debatida. “Estão sendo criadas apenas orientações gerais e quase tudo fica para decretos, a serem feitos pelo Parlamento, presidência ou a agência. O novo código é bem mais enxuto que aquele que está substituindo. Cria um alto índice de arbitrariedade”, explica. Carlos conta que não está especificado o método de participação no Conselho, deixando incerta a participação da sociedade civil nas decisões acerca da política de mineração do país.

Método de Concessão

Outra grande mudança proposta está relacionada à concessão para pesquisa e extração das áreas, que funciona atualmente em regime de prioridade e sem prazo para exploração. O documento exigirá que seja cedida uma autorização, com prazo de 40 anos e possibilidades de renovações de 20 anos. Serão três diferentes formas de concessão: chamamento público, licitação e autorização. As autorizações serão para exploração de minério destinado à construção civil, argila, água mineral e minérios utilizados em correções de solos agrícolas. A licitação será usada nas áreas especiais, que são grandes jazidas ou áreas consideradas estratégicas pelo governo. Já o chamamento público será para áreas que não são estratégicas.

“Não está claro no texto como cada um destes mecanismos vai atuar no processo de requerimento. Teremos o controle da presidência, mas não está claro como será feito este controle. Assim, sobram brechas para que as concessões sejam excessivas”, declara Maria Júlia, integrante do MAM. “A justificativa é pelo crescimento da economia que gira em torno da mineração, para tornar o mercado mais competitivo. Mas isso pode ser perigoso, pois trará mais impactos sociais e ambientais”, afirma Carlos.

Método de Concessão

Outra grande mudança proposta está relacionada à concessão para pesquisa e extração das áreas, que funciona atualmente em regime de prioridade e sem prazo para exploração. O documento exigirá que seja cedida uma autorização, com prazo de 40 anos e possibilidades de renovações de 20 anos. Serão três diferentes formas de concessão: chamamento público, licitação e autorização. As autorizações serão para exploração de minério destinado à construção civil, argila, água mineral e minérios utilizados em correções de solos agrícolas.

A licitação será usada nas áreas especiais, que são grandes jazidas ou áreas consideradas estratégicas pelo governo. Já o chamamento público será para áreas que não são estratégicas.

“Não está claro no texto como cada um destes mecanismos vai atuar no processo de requerimento. Teremos o controle da presidência, mas não está claro como será feito este controle. Assim, sobram brechas para que as concessões sejam excessivas”, declara Maria Júlia, integrante do MAM. “A justificativa é pelo crescimento da economia que gira em torno da mineração, para tornar o mercado mais competitivo. Mas isso pode ser perigoso, pois trará mais impactos sociais e ambientais”, afirma Carlos.

Deficiências do novo código

As organizações ligadas ao debate da mineração têm sido excluídas das discussões do texto desde o início, de acordo com denúncias das próprias entidades.

“Estamos impressionados com o nível de centralização das decisões propostas no novo texto. O governo não quis fazer um debate público, fez em sigilo e, quando apresentou o documento, já o fez em regime de urgência. O código do regime militar era menos centralizador que esse. Nos parece uma contradição”, denuncia Carlos.

O Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração afirma que, por ser tratar de riquezas naturais, ou seja, recursos não renováveis, deve-se ter maior cuidado com as questões sociais e ambientais envolvidas. “Devemos ter um debate complexo sobre o projeto, o texto tem uma série de lacunas. Não apresenta, por exemplo, a questão ambiental. Trata o tema apenas como algo que deve ser recuperado, e do ponto de vista estrutural não há como recuperar. Deve-se ter uma política de contenção de danos, prevenção”, detalha Maria Júlia. Ela afirma ainda que o documento não trata de questões sociais, como o relacionamento com as comunidades atingidas. “O código é desumano, produtivista”, completa.

Embate dos movimentos

O Comitê realiza um encontro nacional com diversas entidades de todo o país, desde a quarta-feira (7), para debater o projeto. Até a sexta-feira (9), mais de 120 pessoas, representantes de comunidades quilombolas, sindicatos, camponeses, ONGs se reúnem em Brasília (DF). Um dos objetivos do encontro é tentar derrubar o caráter de urgência do projeto de lei.

“Apresentamos os pontos principais que criticamos e outros que consideramos que devam ser incluídos para o presidente e o relator da comissão especial do governo que discute o projeto. Achamos que a pressão da sociedade tem surtido efeito. Esse é um tema que eles vão ter que levar com mais pressão para o Planalto. Temos boa chance de conseguir vitoria parcial”, afirma Alessandra Cardoso.

Nesta quinta-feira (8), a presidenta Dilma Rousseff autorizou a liderança do PT na Câmara dos Deputados a aceitar, se necessário, acordo para a retirada do regime de urgência no qual tramita o novo código da mineração, segundo declarou o senador Wellington Dias (PT-PI).

Documento revela ligações financeiras entre políticos e

Na segunda-feira (5), foi publicado o documento intitulado “Quem é quem nas discussões do novo código da mineração”, de Clarissa Reis Oliveira. Dados de financiamento das campanhas de diversos atores políticos envolvidos no debate são apresentados no documento. A publicação é uma tentativa de revelar os vínculos entre os políticos eleitos e as empresas mineradoras, pois estas investem grandes valores nas campanhas eleitorais.

Um exemplo é o do redator da Comissão Especial que debate o código, deputado federal Leonardo Quintão (PMDB-MG). Cerca de 20% do total do financiamento eleitoral do deputado foi doado por mineradoras.

O pesquisador Carlos Bittencourt explica que durante a criação do Comitê pensou-se na necessidade de auxiliar na construção de uma política frente ao novo código e a forma como estava sendo elaborado, sem os movimentos. Foram pesquisados dados públicos, sistematizados e publicados. “Quando um juiz vai julgar uma causa na qual ele está pessoalmente envolvido, ele é retirado do caso. No caso do Leonardo Quintão, o mínimo seria exigir que ele não pudesse legislar em uma campanha que vai afetar diretamente as empresas financiadoras de sua campanha”, declara Carlos.

 

Relator sinaliza que não pretende atender reivindicações de movimentos sociais em novo marco da mineração

 

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Deputado afirma que temas como impactos socioambientais e consulta a comunidades já têm legislação própria e não devem ser tratados no relatório sobre PL 5.807/2013.

A reportagem é do portal do Instituto Socioambiental – Isa, 07-08-2013.

O relator do novo marco regulatório da mineração, em tramitação na Câmara, sinalizou ontem que não pretende incorporar reivindicações e temas apontados por movimentos sociais em seu parecer.

Em entrevista ao ISA, Leonardo Quintão (PMDB-MG) disse que temas como impactos socioambientais, consulta a populações tradicionais e direitos trabalhistas já têm legislação própria e que não pretende inclui-los no relatório sobre o Projeto de Lei (PL) 5.807/2013.

“Já temos leis sobre isso. Não tem como debatermos isso. Esse projeto é muito técnico. Não é um projeto abrangente. Temos no Brasil as leis que devem ser respeitadas e isso o relator, o presidente e os membros da Comissão [Especial-CE] estão abertos a debater”, disse o deputado. “Esse projeto vai tratar de propostas, de projetos da área de mineração. O impacto da mineração é discutido em lei específica por parte do governo.”

Quintão negocia com o Planalto a retirada do regime de urgência do PL. O acordo prevê o fim da urgência, mas uma tramitação rápida. A votação na Câmara seria finalizada até o fim de outubro, a tempo de o projeto ser aprovado pelo Senado até o fim do ano.

Segundo a Agência Câmara, em audiência na Câmara, o ministro de Minas e Energia, Édison Lobão, disse que a presidenta Dilma dará uma resposta sobre o assunto até amanhã – ela tem a prerrogativa de retirar a urgência do projeto. Questionado por deputados sobre impactos da exploração mineral, Lobão respondeu que a legislação ambiental será contemplada no novo marco regulatório, evitando-se “excessos” que prejudiquem a atividade econômica.

O PL foi enviado pelo Planalto à Câmara em junho e tranca a pauta do plenário desde a segunda (5/8). Os parlamentares tiverem apenas cinco dias para propor emendas. Foram apresentadas 372, sendo mais de 80 do líder do PMDB, Eduardo Cunha (RJ).

Pressa em aprovar proposta

A pressa em aprovar a proposta é criticada pelo Comitê Nacional em Defesa dos Territórios Frente à Mineração, fórum de mais de 140 organizações da sociedade civil, entre elas o ISA faz parte. Membros do grupo argumentam que o projeto foi debatido dentro do governo, nos últimos quatro anos, apenas com empresas de mineração, sem a participação de trabalhadores do setor, comunidades atingidas e ambientalistas.

O comitê cobra a inclusão no relatório de questões como a definição de áreas livres de mineração, garantias financeiras para cobrir danos ambientais e direitos de comunidades impactadas, inclusive o de serem consultadas previamente à instalação das minas.
Ontem, integrantes do grupo entregaram a Quintão uma análise do projeto e propostas de emendas. Eles voltaram a fazer denúncias de violações de direitos humanos cometidas por mineradoras.

No encontro, Quintão repetiu que não poderia incluir em seu parecer questões trabalhistas e disse que não sabia como fazer isso em relação a temas ambientais.

O relator e Gabriel Guimarães (PT-MG), presidente da CE que analisa o projeto, destacaram os dois pontos que consideram prioritários na discussão: a criação e fortalecimento da futura Agência Nacional de Mineração e o reajuste, de 2% para 4%, da Contribuição Financeira sobre Exploração Mineral (CFEM).

“Não queremos que se crie no novo Código de Mineração uma legislação paralela específica sobre questões trabalhistas e licenciamento ambiental”, informa Alessandra Cardoso, assessora do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc).

“O que queremos é que o texto reconheça que a mineração tem impactos sobre trabalhadores, comunidades e meio ambiente e que ele tenha a capacidade de remeter, de forma clara, para a necessidade de construção de regulamentos, de acordo com a legislação pertinente, que possam regular e mitigar esses impactos”, conclui.

Cardozo acrescenta que a nova lei pode, sim, avançar em algumas questões trabalhistas e socioambientais que não foram bem resolvidas na legislação vigente. Ela cita como exemplo a necessidade de elaborar um zoneamento ecológico-econômico da mineração.

Audiências

Quintão garantiu que vai ouvir os movimentos sociais e pode encaminhar suas recomendações ao governo. Ontem, na primeira reunião da CE, ele aprovou um plano de trabalho que prevê audiências em Brasília e em pelo menos 13 estados para ouvir governos locais, empresas e sociedade civil.

O primeiro encontro será na Câmara, na próxima terça (13/8), com membros do Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM). No dia 15/8, acontece uma audiência no Pará. Também deverão ser visitados Espírito Santo, São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Ceará, Maranhão, Amapá e Rondônia.

Cerca de 100 representantes das organizações que integram o comitê protestaram na reunião da CE. Eles participam de um encontro de dois dias, em Brasília. O grupo avaliou como positiva a disposição do relator em dialogar.

A batalha para incluir no projeto salvaguardas socioambientais, porém, será dura. O lobby das empresas mineradoras é um dos mais fortes no Congresso. “Eles chegam a retirar deputados de comissões”, afirma um parlamentar petista.

Quintão e Guimarães estão entre os políticos que receberam doações de campanha do setor. A informação consta do documento “Quem é quem nas discussões do novo código da mineração”, lançado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase).

A NOAA destaca que todos esses dados já eram conhecidos e que esse novo relatório tem como grande mérito apresentá-los em conjunto e de forma interligada. “É como estivéssemos verificando o pulso do planeta.

 

Deus e a bauxita em Niyamgiri

 

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“Os Dongria Kondh vivem numa montanha chamada Niyamgiri e em outras vizinhas. O minério de bauxita estaria na parte mais alta dessas montanhas, que possuem mais de mil metros de altura. Ali cai e se recolhe naturalmente a chuva, e não é uma boa ideia realizar enormes escavações para a mineração a céu aberto. Em dezembro de 2006, eu mesmo subi essa montanha, esse era ainda no início da luta. Muitos outros acadêmicos, jornalistas, ativistas e eco-turistas têm visitado o lugar, desse que já é um conflito tipicamente “glocal” (é dizer, ao mesmo tempo local e global). A Anistia Internacional e a Survival divulgaram o problema e participaram das manifestações em Londres (onde a mineradora Vedanta Ltd. tem sua sede)”, escreve em artigo Joan Martinez Alier, economista e ecologista catalão, é professor no ICTA-Universitat Autònoma de Barcelona, e publicado no seu  blog de Felipe Milanez, 07-08-2013.

Eis o artigo.

Este é um caso que parece estar chegando a um desenrolar vitorioso, mas que pode ser provisório porque o capitalismo extrativista é um monstro gigante que pisa forte e é quase imparável.

Depois de 10 anos de disputa, um caso de características especiais está sendo vencido em Odisha (um estado no leste da Índia, antes chamado de Orissa). O estado é fornecedor de carvão, minério de ferro, bauxita, hidroeletricidade. É também um estado com uma porcentagem relativamente alta de população tribal. Entre seus grupos tribais estão, nos distritos de Rayagada e Kalahandi, os Dongria Kondh.

Há mais de trinta anos que ocorrem, em Orissa, lutas rurais e populares contra a mineração de bauxita, feita por empresas estatais ou privadas. Essa resistência tem sido esplendidamente documentada em livros e vídeos de Felix Padel e Samarendra Das.

Os Dongria Kondh vivem numa montanha chamada Niyamgiri e em outras vizinhas. O minério de bauxita estaria na parte mais alta dessas montanhas, que possuem mais de mil metros de altura. Ali cai e se recolhe naturalmente a chuva, e não é uma boa ideia realizar enormes escavações para a mineração a céu aberto. Em dezembro de 2006, eu mesmo subi essa montanha, esse era ainda no início da luta. Muitos outros acadêmicos, jornalistas, ativistas e eco-turistas têm visitado o lugar, desse que já é um conflito tipicamente “glocal” (é dizer, ao mesmo tempo local e global). A Anistia Internacional e a Survival divulgaram o problema e participaram das manifestações em Londres (onde a mineradora Vedanta Ltd. tem sua sede).

Uma vez por ano os ativistas visitam em Londres os acionistas, quando eles se reúnem em assembleia geral para fazer a distribuição dos lucros e os novos planos de investimento. Os ativistas os recebem com buzinas e panfletos. Nesse ano, 2013, a assembléia de acionistas da Vedanta Ltd. ocorreu na quinta-feira 1 de agosto, no Hotel Mariott, em Mayfair, em Londres. Houve protesto. E as notícias que chegaram de Odisha foram ruins para os acionistas.

Após longos processos administrativos e judiciais, no dia 10 de agosto de 2010, o Ministério de Florestas e Meio Ambiente suspendeu a licença para extrair bauxita que havia conseguido Vedanta Ltc. A montanha Niyamgiri fornece sustento para várias aldeias dos Dongria Kondh. Além de ser uma montanha sagrada. Mais do que isso, essa montanha é uma divindade, um deus no panteão local. É, além de tudo, um lugar bonito, com árvores chamadas “sal” (shorea robusta) e de grande biodiversidade.

Há muita bauxita nessa montanha. Vedanta Ltd. construiu, já faz seis anos, uma refinaria em Lanjigarh, aos pés da montanha, para fabricar alumínio. O resíduo é o que se chama de lama roxa, e é muito tóxico. Nesse processo, a Vedanta Ltd. cometeu algumas infrações à legislação florestal que acabaram lhe saindo caras. Essa fábrica, de um milhão de toneladas anuais, tem funcionado intermitentemente com bauxita de outros lugares, localizados bastante distantes para o minério ser trazido por trem e por estrada. Isso é caro, e também muito poluente. Construir a fábrica só teria sentido se fosse possível dispor rápido de uma bauxita próxima. Para isso, a Vedanta Ltd. construiu prematuramente a fábrica em Lanjigarh, eliminando alguns pequenos povoados e investindo muito dinheiro.

A Vedanta Ltd. afirma: como se vai desperdiçar tanto investimento em uma economia sedenta de alumínio como a da Índia? Como se atrevem vocês a afirmar que o morro de onde chegaria a bauxita por minérioduto não é nada menos do que “Deus”?

A decisão do Ministério de 2010 não se baseou em questões sacras, mas em infrações administrativas à legislação especial de florestas e para grupos tribais (adivasis, na Índia), também protegidos pela Constituição. A longa luta judicial terminou, no momento, em abril de 2013, quando a Corte Suprema decidiu que a mina só poderia seguir adiante se os próprios Dongria Kondh, nas suas assembleias locais, estivessem de acordo.

Esse procedimento de consulta aos Dongria Kondh está sendo realizado entre julho e agosto de 2013. No final de julho, as oito primeiras aldeias consultadas (com cerca de dez a 20 famílias cada aldeia) recusaram a mineração diante de oficiais de justiça, funcionários administrativos, jornalistas e ativistas. E essa é a tônica geral. Eles falam seu idioma, Kui. Mas nessas assembleias também se fala Oriya (idioma de Odisha), Hindi e sem dúvida um pouco de inglês.

E nas discussões locais, nacionais e globais se apresentam, nestes e em outros conflitos, e em muitos idiomas, as diversas linguagens de valoração: o dinheiro e as compensações materiais que as empresas dariam; as obrigações legais, os direitos territoriais indígenas, até os Direitos da Natureza; o sustento dos humanos no mercado ou fora do mercado, o valor para a vida da água, da madeira, das plantas medicinais, dos alimentos silvestres ou cultivados; os valores ecológicos, as espécies protegidas.

Também intervém políticos, logicamente interessados em conseguir votos, incluindo Rahul Gandhi que defende os Dongria Kondh. E com toda a complexidade geológica, técnica, econômica, biológica, e sócio-política do caso, porque também não falar da importância dos deuses? Como a montanha Wirikuta, no México, ou a cachoeira Joropari Kõbie, no rio Tapajós, sagrada para o povo Munduruku, e onde o governo do Brasil quer instalar uma usina hidrelétrica? Podemos concluir que, ao menos desta vez, a justiça ambiental e o ecologismo dos pobres e indígenas está conseguindo obter uma importante vitória.