Detalhes da mão mostrando microplásticos sobre a água Fotografia: Maxshoto/Alamy
Arthur Neslen em Bruxelas
25 de abril de 2022
Até 12.000 substâncias podem ser abrangidas pelo novo ‘roteiro de restrições’
Milhares de produtos químicos potencialmente nocivos podem em breve ser proibidos na Europa sob novas restrições, que os ativistas saudaram como as mais fortes até agora.
No início deste ano, cientistas disseram que a poluição química cruzou uma “fronteira planetária” além da qual se encontra o colapso dos ecossistemas globais.
Acredita-se que a praga sintética esteja levando as espécies de baleias à beira da extinção e tem sido responsabilizada pelo declínio das taxas de fertilidade humana e 2 milhões de mortes por ano.
O “roteiro de restrições” da UE publicado na segunda-feira foi concebido como um primeiro passo para transformar esse quadro usando as leis existentes para proibir substâncias tóxicas ligadas a câncer, distúrbios hormonais, distúrbios dos sistemas reprodutivos, obesidade, diabetes e outras doenças.
Grupos da indústria dizem que até 12.000 substâncias podem acabar se enquadrando no escopo da nova proposta, que constituiria a “maior proibição de produtos químicos tóxicos do mundo”, de acordo com o European Environmental Bureau (EEB).
Tatiana Santos, gerente de política de produtos químicos da agência, disse: “Os controles químicos da UE geralmente são dolorosamente lentos, mas a UE está planejando a desintoxicação mais ousada que já vimos. Os lobistas da indústria petroquímica estão chocados com o que está agora na mesa. Promete melhorar a segurança de quase todos os produtos fabricados e diminuir rapidamente a intensidade química de nossas escolas, casas e locais de trabalho.”
O plano concentra-se em classes inteiras de substâncias químicas pela primeira vez como regra, incluindo todos os retardadores de chama, bisfenóis, plásticos de PVC, produtos químicos tóxicos em fraldas descartáveis e PFAS, que também são conhecidos como “químicos para sempre/forever chemicals” por causa do tempo eles levam para se degradar naturalmente.
Todos eles serão colocados em uma “lista contínua” de substâncias a serem consideradas para restrição pela Agência Europeia de Produtos Químicos. A lista será revisada e atualizada regularmente, antes de uma revisão significativa do regulamento Reach/Registration, Evaluation, Authorisation and Restriction of Chemicals da UE para produtos químicos programado para 2027.
Os produtos químicos identificados no novo artigo incluem substâncias em materiais de contato com alimentos, fraldas descartáveis e PAHs (hidrocarbonetos aromáticos policíclicos) em grânulos para parques infantis.
Mas grupos da indústria argumentam que o foco do esquema em grupos de produtos químicos pode afetar produtos de uso externo, como protetores solares e perfumes, que podem empregar uma série de substâncias sintéticas.
“Muitos ingredientes diferentes se enquadram no grupo de sensibilizadores da pele, então uma ampla gama de produtos cosméticos seria potencialmente afetada”, disse John Chave, diretor-geral da Cosmetics Europe, uma entidade comercial. “O efeito sobre os consumidores seria de que haveria potencialmente menos variedade, menos escolha e menos eficácia funcional para produtos cosméticos, sem ganhos de segurança, porque os ingredientes eram seguros em primeiro lugar”.
Além dos cosméticos, os produtos afetados podem incluir tintas, produtos de limpeza, adesivos, lubrificantes e agrotóxicos.
O sistema Reach da Europa já é o registro de produtos químicos mais extenso do mundo, e novas proibições podem atingir mais de um quarto do faturamento anual da indústria de cerca de € 500 bilhões (£ 420 bilhões) por ano (nt.: como uma certa paridade entre dólar e euro, o valor poderia ser de 495 bilhões de dólares), de acordo com um estudo do grupo comercial Cefic (nt.: European Chemical Industry Council).
“Algumas das restrições podem ter um impacto significativo na indústria e nas cadeias de valor”, disse Heather Kiggins, porta-voz do Cefic.
A indústria defende uma abordagem mais restrita às restrições e incentivos e controles de importação para ajudar a desenvolver produtos alternativos mais seguros.
No entanto, a Agência Europeia de Produtos Químicos (nt.: European Chemicals Agency) é a favor de lidar com produtos químicos em grupos porque as empresas químicas evitaram proibições de produtos químicos individuais ajustando sua composição química para criar substâncias irmãs que também podem ser perigosas, mas que exigem longas batalhas legislativas para regular.
A tática da indústria, conhecida como “substituição lamentável”, tem sido criticada por grupos ambientalistas por permitir a substituição de substâncias como o disruptor endócrino bisfenol A por outros bisfenóis (nt.: esse foi um fato notório e escandaloso por serem os outros, muito mais perigosos) .
Santos descreveu isso como “uma tática cínica e irresponsável da indústria química para substituir os produtos químicos proibidos mais nocivos por outros igualmente nocivos que ainda não estão no radar regulatório. Testemunhamos um padrão de décadas de substituição lamentável para evitar a regulamentação.”
Mais de 190 milhões de produtos químicos sintéticos são registrados globalmente e um novo produto químico industrial é criado a cada 1,4 segundos, em média.
A ONU diz que espera que o valor global da indústria de mais de US$ 5 trilhões (£ 3,9 trilhões) dobre até 2030 e quadruplicará até 2060.
O comissário de meio ambiente da UE, Virginijus Sinkevičius, disse que as novas restrições “visam reduzir a exposição das pessoas e do meio ambiente a alguns dos produtos químicos mais nocivos, abordando uma ampla gama de seus usos – industrial, profissional e em produtos de consumo”.
O comissário de mercados internos da UE, Thierry Breton, disse que alcançar um ambiente livre de tóxicos exigiria transparência e visibilidade da comissão. “O roteiro de restrições fornece essa visibilidade e permite que empresas e outras partes interessadas estejam melhor preparadas para possíveis restrições futuras”, disse ele.
Milhões de toneladas de substâncias químicas foram usadas por gigantes industriais como BASF, Bayer, Dow Chemicals e ExxonMobil sem concluir as verificações de segurança entre 2014 e 2019, de acordo com pesquisas de ambientalistas alemães.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2022.