Transcrição da Palestra da Dra. Vandana Shiva.

Conferência “Food Otherwise” (Outra Forma de Produção de Alimentos)

 

http://www.voedselanders.nl/en/voedselanders_en/Start_files/Transcript%20speech%20Vandana%20Shiva.pdf

 

VANDANA SHIVA

Universidade de Wageningen, Holanda, 21 de fevereiro de 2014 .

  Quero agradecer aos organizadores porque estava começando a perder as esperanças na Holanda. Lembro que os anos oitenta costumavam ser tão vibrantes. Realmente, minha primeira conferência sobre solo que assisti foi em Amsterdam. Foi tão inspiradora e estimuladora. José Lutzenberger, que se tornou secretário do meio ambiente do Brasil, estava lá bem como a organização anterior de onde nasceu o Grupo Etecetera [ETC Group]. Chama-se por sua sigla RAFI, ‘Rural Advancement Fund International‘. Depois o movimento ecológico passou, um pouco, como se para uma hibernação, pelo menos para nós que vivemos tão longínquos. Assim, eu quero agradecer a todos vocês, aos organizadores por este encontro. É maravilhoso ver o número de pessoas e de organizações que se uniram para isso. Então minha pergunta é: por que são necessários outros sistemas de produção de alimentos e de se praticar a ? Simplesmente porque estes que estão ai nunca foram pensados para esta função. Cada ferramenta destes atuais sistemas foi projetada para a guerra. Por isso nunca deveriam ter entrado no nosso sistema alimentar. Os agrotóxicos foram projetados para serem usados em campos de concentração das gerações anteriores. Ou seja, foram concebidos para serem armas de guerra tanto química como biológica. Isto é, a indústria resolve dar uma nova repaginada neles exclamando: WOW! Podemos já, já fazer belas propagandas como: ‘DDT é bom para mim’. E assim tudo vira propaganda… Se formos vê-las neste período, logo que a guerra terminou, elas mostram como se transforma uma indústria de guerra numa indústria agroquímica. Os fertilizantes sintéticos foram feitos pelas fábricas de explosivos. E é isso que se lê todo dia por trás de dos ataques terroristas, seja no Afeganistão, Índia ou Oklahoma (nt.: a bomba que matou mais de 150 pessoas nesta cidade dos EUA, em 1995, foi construída a partir do fertilizante nitrato de amônio e combustível) quando se lerá numa entrelinha qualquer que foi uma ‘bomba de fertilizante’. Lembram de Oslo quando um rapaz comprou uma empresa de fertilizantes (nt.: o ativista de extrema direita, Anders Breivik, matou em torno de 68 pessoas em Oslo/Noruega em julho de 2011, tinha esta empresa de adubos para poder construir bombas sem suspeitas) e explodiu tanto os edifícios públicos como também atirou em pessoas inocentes numa ilha nas cercanias? Eram armas de guerra e eram tanto tóxicas como venenosas. Assim a primeira razão por que nós precisamos outro sistema de produção de alimentos é simplesmente esta: precisamos sim de um sistema agrícola, mas sem venenos, sem tóxicos. Nesta manhã Pablo (nt.: Pablo Tittonell, professor de Ecologia dos Sistemas Agrícolas da Universidade de Wageningen, Holanda, também palestrante) mostrou as propagandas de DDT e como o mesmo cientista que o promovia, agora admite seus danos. E exatamente neste momento estas indústrias estão liberando 6 mil novos químicos não testados a cada ano. E lembrem-se que naquele tempo as indústrias não controlavam governos, nem controlavam a pesquisa nas universidades e nem mesmo a mídia. Não podemos, então, permitir a continuação destes venenos. Outra razão do porque precisamos outro sistema de produção alimentar é em razão de que um sistema agrícola que foi projetado para lucros e que veio da própria guerra, somente poderia funcionar com ­­­­­­­­monoculturas. Se tudo o que eu penso é nitrogênio, fósforo e potássio, conjunto tratado pela sigla ‘NPK’ (nt.: nitrogênio phosphurus/fósforo e kalium/potássio), então só posso lidar com doses fixas, pré-determinadas pela mente. Ao passo que se eu cultivar, consorciados, milho e feijão (como foi mostrado nos slides anteriores), então eles podem compartilhar suas qualidades. O feijão fixa nitrogênio para mim (nt.: toda leguminosa tem uma relação de simbiose com bactérias em suas raízes que fixam o nitrogênio da atmosfera). E assim os dois podem crescer juntos. Entretanto se aplicarmos fertilizantes sintéticos, as plantas começarão, em vez disso, a competir. Temos esta maravilhosa interação entre o guandu (nt.: leguminosa tropical, Cajunus cajan, muito conhecida no Brasil que alguns comem como se fosse ervilha), chamado de ‘Toor Dal‘, que cresce bastante alto, e o ‘Ragi’ que é um milheto ou painço. Os dois crescem como companheiros por milênios. O ‘Ragi’ fornece o cálcio, o ferro e as fibras enquanto o ‘Toor Dal’ contribui para o solo com o nitrogênio, e ao mesmo tempo nos traz a proteína. Quando eu estava montando minha coleção de sementes (nt.: ou espermoteca), estive em todos os campos universitários que pude visitar. Os encarregados desta área, no campus da Universidade de Agricultura de Karnataka (nt.: estado do sul da Índia onde a capital é Bangalore onde está a universidade), tiveram durante um tempo dificuldades de manterem uma convivência entre estas duas culturas. Eles me mostraram em torno de 60 canteiros de experimentos onde um ou outro tornava-se dominante. Então lhes perguntei: ‘Estão adubando orgânica ou sinteticamente?’ Eles responderam: ‘Não, não. Estamos usando nitrogênio sintético (nt.: mais conhecido entre nós como ‘ureia’)’. É claro que uma poderia ir bem e a outra não. Eles não estavam cultivando corretamente, porque não favoreciam o estabelecimento da cooperação tanto no próprio solo como a colaboração entre as plantas como nem mesmo permitiam que a Inteligência em cada um destes sistemas vivos desempenhassem seus papéis. Cada sistema vivo é um sistema que se auto-organiza, e é isso que faz os sistemas vivos, vivos. E quando algo é auto-organizado, este processo está baseado na cooperação. É como as pessoas que estão cozinhando para este grupo de 800 congressistas como aqui, por exemplo… Precisam uma grande cooperação! Qualquer sistema que for organizado de fora (nt.: grifo nosso) precisa ser competitivo. Isso se aplica a fornecimentos externos tanto na agricultura como em sistemas sociais. Quando nós pararmos de nos definirmos o que somos, o que queremos, o que amamos fazer e o que nos traz alegria também.. Os graus dados pelas Universidades catalogam os estudantes em ‘BT’, ‘IT’ e ‘MBA’ (nt.: BT=biotechnology–bioteclogia; IT= information technology–tecnologia da informação; e MBA=master in  bussiness administration-mestre em administração de negócio). Ou seja, a Biologia acabou encolhendo para ‘biotecnologia’, Conhecimento recuou para ‘tecnologia da informação’ e Organização minguou para ‘administração de negócios’. Não acredito que o mundo precise somente destas três habilidades. Ele precisa muito mais. Ele definitivamente necessita de habilidades sobre como cuidar realmente deste planeta. Uma habilidade que não seja gerada pela agricultura industrial. Tudo o que a agricultura industrial gerou tem sido a destruição de todos os presentes que a natureza nos deu através do solo, da biodiversidade, da água e o mesmo do ar e do clima. Cresci na Índia onde a água no deserto estava a uns 3 metros. A ‘revolução verde’ exigiu não somente fornecimentos e entradas externos, mas como a monocultura é também muito sedenta, ela é um processo aqua-intensiva. Em Punjab, 90% da água vêm sendo usada para irrigação. Em termos globais a monocultura exige 75%. E o que vem de volta, deste método agrícola, é água poluída, cheia de nitratos que criam zonas mortas nos rios, nos aquíferos e nos oceanos. Estas monoculturas que estão baseadas em tóxicos, estão destruindo a biodiversidade pelo deslocamento de cultivos, de variedades como de espécies. Costumamos consumir em torno de 8.500 espécies de plantas, como seres humanos. Na Índia antes da ‘revolução verde’ existiam 200 mil variedades de arroz, 1.500 variedades de mangueiras, de feijões. Lembro como eu fiz a espermoteca de trigo. Peguei 1.500 variedades de trigo naquilo que viria a ser o banco de sementes de Cambridge que foi depois privatizado pela Unilever e dai para a Monsanto. Foi desta coleção que as corporações tomaram o trigo livre de glúten e o patentearam. Tivemos que lutam neste caso de patenteamento em razão de ter se originado em uma espermoteca indiana. Em 1995, a FAO organizou uma conferência sobre recursos genéticos de plantas em Leipzig. Uma avaliação então era de que 75% da biodiversidade haviam desaparecido na agricultura em função das monoculturas e pela introdução de variedades desenvolvidas para somente responderem à resposta química. Minha estimativa é que hoje, esta perda está em torno de 90%, já que naquela época a Argentina não havia sido destruída, a floresta amazônica brasileira não havia sido derrubada, em larga escala, para o plantio de soja e o meio oeste dos EUA não era uma imensa monocultura de soja e milho . Assim, minha avaliação está em torno de 90% da biodiversidade das culturas, estar perdida. A aplicação generalizada destes químicos destroem mais ainda, 75% do desaparecimento das abelhas e gerar o colapso de desordem das colmeias. Mas não são só as abelhas. Fizemos um estudo em áreas com o plantio de algodão Bt (nt.: algodão que tem em seu organismo o gene que produz a toxina do microrganismo Bacillus thuringiensis e assim controla insetos que ao comerem suas folhas morrem intoxicados) e em quatro anos de cultivo, 22% dos organismos benéficos do solo foram mortos através da liberação desta toxina. Há um novo estudo que mostra que a aspersão do Roundup (nt.: nome comercial do princípio ativo glifosato da soja transgênica) para os cultivos estavam matando a erva ‘oficial de sala’ (nt.: nome científico Asclepias curassavica) que estava mantendo as borboletas Monarca (nt.: célebre inseto que faz uma verdadeira epopeia em suas vidas migrando entre Canadá, EUA e México). Da mesma forma existem estudos da Universidade de Cornell que mostram que o milho Bt também mata as lagartas da borboleta Monarca. Assim não é surpresa que 75% destas borboletas já tenham se ido. Sua migração para o México e a área que elas costumavam passar era um campo de cores, Mas tudo isso encolheu dramaticamente. Com os animais em geral está acontecendo o mesmo. Árvores não existem para a agricultura industrial. Em Punjab não se vê árvores porque com as substâncias químicas e as monoculturas em larga escala veio a mecanização. E todas as plantas perenes e as cercas vivas que nós precisamos como um banco de vida a campo aberto está parecendo como um empecilho para a marcha do trator. Qualquer sistema industrial mecanizado em larga escala, é a visão de um deserto em um amplo sentido. Solos vivos têm milhões e bilhões de organismos que estão criando a fertilidade de nossa terra. O verdadeiro livro de Darwin foi aquele que escreveu sobre as minhocas. Ele disse, naquele tempo em que estava escrevendo a história da evolução, que nós, um dia, iríamos reconhecer que nenhuma outra espécie fez tanto por este planeta como as minhocas. Elas criam a fertilidade da terra e transformam nossos solos em reservatórios onde a água pode ser armazenada­. Fazem o trabalho de um trator, de um poupador e de uma fábrica de fertilizante. Tudo ao mesmo tempo. Agora o que estamos fazendo é desperdiçando ureia e, ao mesmo tempo, matando-as. Faça um pequeno experimento e borrife sal de ureia sobre uma minhoca. Morrerá, é claro. Eu fiz isso, mas nunca deixei que ela morresse definitivamente. Quando éramos crianças e subíamos as montanhas, éramos atacados por sanguessugas. Sempre levávamos conosco, sal. Esta era a única maneira que tínhamos para nos livrarmos delas. E todos estes fertilizantes sintéticos são sais. Fizemos estes testes em nosso laboratório onde solos químicos foram comparados com solos orgânicos. Nossos agricultores trazem estes solos e quando voltam, dois a três anos depois, veem num canteiro como a saúde do seu solo está melhorando. Minha avaliação é de que 75% dos solos do mundo estão sendo depauperados de sua matéria orgânica, de seu húmus vivo, de seus organismos do solo. Estão sendo compactados e assim não criam possibilidades de formarem-se os agregados. Isso acaba levando à sua erosão e dai sempre há a ameaça de degradação da terra e de desertificação. Por isso é um problema tão sério. Escrevi um livro chamado ‘Soil, not Oil‘ (nt.: Solo, não petróleo), já que nas preliminares da Cúpula de Copenhagen, a agricultura nunca fazia parte, de maneira séria, no horizonte das discussões sobre mudanças climáticas. Fiz todos os cálculos com base nas estimativas do IPCC (nt.: Intergovernanmental Panel on Climate Changes – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU). Se adicionarmos todos os dados numéricos, de toda a verticalização do processo, a contribuição geral da agricultura industrial e seus negócios globalizados, agrega 40% dos gases de efeito estufa. Isto inclui tanto as emissões de CO2 dos quilômetros da mecanização no campo, do tráfego dos alimentos como também estão ai os óxidos de nitrogênio dos adubos sintéticos. O óxido de nitrogênio é avaliado em 300 vezes mais desestabilizante para o clima. E ainda tem o metano de todas as fábricas de engorda de boi, nos confinamentos. Assim a agricultura industrial está causando 75% de toda a devastação ecológica do planeta. A despeito destes 75% de devastação dos sistemas vivos e dos ecossistemas, o mito que é propagado é de que sem a agricultura industrial o mundo não poderia ser alimentado. Os números estão agora sendo repetidos diariamente: 70% dos alimentos, no mundo, estão sendo produzidos hoje, em 2014, não há um século ou 50 anos atrás, mas agora, 2014, pela pequena propriedade. Esta é a razão porque a ONU declarou este ano como o ano da agricultura familiar. É em função destes números. A sustentação mais importante para a seguridade alimentar, está nas pequenas propriedades e nas hortas, nas hortas urbanas. 30% vêm da agricultura industrial e ainda estes 30% estão destruindo 75% do planeta. Somente para extrapolar: se este sistema pudesse se expandir para os 25% remanescente, teríamos mais comida ou zero? Um planeta destruído não poderia fornecer alimentos de maneira nenhuma. Solos mortos, desparecimento das águas, um clima totalmente caótico, nada de sementes – esta é a receita, não só um desastre, mas uma receita para extinção absoluta da humanidade. E por quanto tempo ainda pode se aguentar isso? A ‘revolução verde’ foi levada para a Índia em 1965. Estamos então falando de mais ou menos uns 50 anos e os 75% do planeta foi destruído. Será preciso então somente mais uns 10 anos para o aniquilamento do resto de um monte de outras espécies. E a espécie humana certamente terá seu fim. Assim, a razão de precisarmos outro sistema é porque eu penso que nós devemos tentar e sobreviver a um futuro como espécie. Nenhuma espécie tem projetada deliberadamente sua extinção. No entanto através da agricultura industrial nós teremos. Isso está no projeto deste sistema agrícola, porque ele está destruindo a base de uma interação agrícola: os sistemas ecológicos. Está em seu projeto porque ele na verdade não é muito produtivo e eficiente no emprego dos recursos naturais. Vamos refletir sobre alguns números. Supomos que somos mais produtivos, mas se usa 10 unidades de energia para produzir 1 unidade de alimentos, ao passo que os sistemas ecológicos empregam 1 unidade de energia para produzir 2 unidades de alimentos. Ou melhor, vamos a alguns fatos… Como eu entrei nisso tudo? Entrei porque em 1984 tivemos dois mega desastres na Índia: um a tragédia da cidade de Bhopal onde uma fábrica de agrotóxicos – pertencente à multinacional Union Carbide e agora à Dow Chemical – teve um vazamento. Este escapamento ocorreu no meio da noite de 02 de dezembro. A noite fria estava com uma camada de inversão térmica muito baixa. Assim o gás se moveu exatamente em direção aos assentamentos e às zonas periféricas, matando muita gente. 3.000 morreram imediatamente e 30 mil foram morrendo aos pouco. A partir daí, centenas de milhares de pessoas começaram a nascer aleijados. Estive em Bhopal no ano passado e tem um local cheio de crianças que nasceram deficientes. Assim, o desastre ainda não acabou. E não termina porque justo na semana passada, a Dow que deveria estar compensando pelos estragos, entrou com uma ação judicial contra os sobreviventes para continuar com este litígio. Naquele mesmo ano, tivemos um levante extremista em Punjab, que era a terra da revolução verde. Esta revolução verde recebeu o prêmio Nobel da Paz, mas em Punjab 30 mil pessoas foram mortas. Estava muito envolvida com meu trabalho de doutorado sobre física quântica, assim eu não tive muita ideia do que estava acontecendo com a revolução verde. Mas decidi em 84 estudar sobre isso e estava fazendo uma importante consultoria para a Universidade da ONU sobre paz e transformação global além de conflitos sobre recursos naturais. Então eu disse de que acreditava que algo havia ali. Porque estavam acontecendo conflitos quanto aos rios. Os agricultores protestaram e o governo enviou o exército. Ele foi enviado para o santuário mais sagrado da etnia Sikhs, o ‘Golden Temple‘. Como resultado disso, Indira Gandhi, primeira ministra neste tempo, foi assassinada por seu segurança que era Sikhs. No dia seguinte, 3 mil Sikhs foram mortos num programa projeto para violência. Este caso não morreu, o fato desta injustiça aos Sikhs não desapareceu, assim decidi ir à Punjab para ler tudo que tive por lá, cada pequeno texto, cada livro sobre cultivo de plantas, sobre irrigação, sobre controle de insetos, sobre solos. Dentro de 10 anos, constatei que metade dos solos de Punjab estava doente e morrendo. 10% estavam mortos, salinizados, e desertos sem água. Escrevi um livro chamado ‘The Violence of the Green Revolution‘ e decidi então comprometer minha vida para a agricultura não violenta. Então eu me dei conta, neste processo, que na verdade estávamos falando que a revolução verde havia tirado a Índia da condição de fome para a condição de excedente. Mas nós não tínhamos fome em 1965! Já tinha idade suficiente para saber das coisas. Já estava na escola. Tivemos uma alta de preço em razão de uma seca e de os EUA não ter enviado o trigo como vinha fazendo. Afirmavam que teríamos que fazer alterações em nossa agricultura e introduzir os agroquímicos. Não quero entrar agora em detalhes do que aconteceu naquele tempo, aqueles de vocês que queiram conhecer estes aspectos, poderão ler o meu livro ‘The Violence of the Green Revolution’. Eu queria conhecer os campos de Punjab, já conhecia o processo de produção na minha região e em outras partes do país. Pude ver com meus olhos que haviam campos depauperados. Então eu comecei a fazer estudos científicos. Cada vez que observamos a monocultura, não importa quão intensiva, sempre vai produz menos do que um cultivo misturado numa fazenda com biodiversidade, naquelas que eu chamo de intensificação ecológica e com biodiversidade. E os números são muito, muito dramáticos. Nós sempre estávamos falando que a produção aumentou, mas o que nunca falávamos sobre a queda que ocorreu com os outros cultivos. Os painços agora estavam zerados, o grão de bico (nt.: esta expressão pode ainda ser entendida como lentilha, feijão fava ou outra leguminosa, como não temos condição de saber qual, escolhemos o que nos parecia mais indiano) tinha desaparecido, todas as sementes haviam se ido e os alimentos básicos que eram vitais para o equilíbrio nutricional não estavam mais sendo produzidos. Assim tínhamos aqueles grandes volumes e 21 milhões de toneladas deles apodreceram porque o alimento deixou de ser alimento. Tornei-me voluntária do ‘Chipko’, um movimento onde as mulheres saíram em defesa das florestas do Himalaia e clamavam: ‘vocês podem nos matar antes de matarem as árvores’, e elas abraçaram as árvores. Acabei levando-as para Chandigarh por alguma razão que não lembro e então elas puderam ver aqueles imensos armazéns quando me perguntaram: ‘o que é isso aí?’ e eu respondi que era ‘trigo’. E foi quando colocaram: ‘por que estão insultando o alimento desta maneira?’ Isso porque alimento somente pode estar sendo gestado em pequena escala. Os alimentos só podem ser gerados em sistemas descentralizados. A centralização da produção e com isso a centralização da distribuição por sua necessidade intrínseca, significa desperdícios. Não há desperdícios em sistemas vivos. Não há sobras em sistemas agrícolas ecológicos. Não há lixos em sistemas locais de produção de alimentos. Cultivo muitas culturas, todas elas têm seu destino: algumas para o solo, outras para as vacas. Digo que na Índia nada se torna sobra: as vacas estão sempre na espreita. Ou as minhocas. Somente há lixos quando tanto podem ser enviados a grandes distâncias e forem estocados em sistemas centralizados de alimentos como em Punjab. Ou tomados pelas redes como a Walmart. Já começam mandando: ‘joguem metade fora já que as maçãs não estão exatamente com o tamanho certo’. Um agricultor sul-africano disse-me que de uma hora para outra, eles tiveram que arrancar todas as árvores de uma variedade de maçã porque a Walmart havia mudado o tamanho dos caminhões. E, é claro, todos nós conhecemos o famoso tomate, ‘favour savr’ (nt.: este tomate transgênico é uma propriedade da Calgene-Monsanto e que não é plantado no Brasil até a presente data, julho de 2014), que nunca fez isso ao mercado porque foi projetado para ser transportado (nt.: usa-se a expressão aumentar a ‘vida de prateleira’) e não para ser comido, como muita comida é atualmente. A produção hoje é para caminhões, não para seres humanos. Mas quanto tempo ela pode ficar num caminhão? Então tudo precisa ser de tamanho idêntico para o transporte. É por isso que o sistema não gosta de tomates redondos. A Universidade de Berkley, Califórnia, tinha um projeto completo sobre tomates quadrados, de novo para embalamento e transporte. Li num jornal indiano que a Universidade de Wageningen está trabalhando com problemas relacionados com solos e alimentos. Eles estão na verdade planejando cultivar alimentos em Marte. Eles têm um projeto de pesquisa acontecendo nesta Universidade. Nossos sistemas de pesquisa estão sendo brilhantes fazendo aquilo que não é preciso como também em não fazer sobre aquilo que deve ser feito! Em razão do movimento de ‘Navdanya’ ter começado a conservar a biodiversidade e as sementes, nós intensificamos a biodiversidade. Questionamos os agricultores para que plantassem tanto quanto possível maior variedade que pudessem em suas propriedades e então comessem o mais que pudessem de seus espaços. Assim quando as pessoas me dizem que o produto orgânico é mais caro, eu sempre respondo: ‘não para o agricultor que plantou’. E eles têm o direito prioritário de consumir alimentos orgânicos. Tendo feito a conservação da biodiversidade e a intensificação da biodiversidade, decidimos começar a medir o rendimento, não medir a saída da monocultura que é a colheita por hectare e que é repetidamente falado sobre isso. Este rendimento é para uma ‘commodity’ sozinha, ou seja, o que sai da fazenda. Assim o grão de trigo é que é a medida do rendimento, mas não a palha que fica. O mesmo com o grão do milho que é medido como um rendimento, mas não a sua palha. Deveria ser reciclada na fazenda, mas é tratada como sobra e não é permitido que retorne ao solo. Em Punjab, dentro deste pacote tecnológico, significa que nesta monocultura tem que ser colhida por colheitadeiras e, como sabemos, estas grandes colheitadeiras deixam um imenso estoque de palha que eles devem queimar. Se qualquer dos ouvintes quiser ir à Delhi no inverno, poderá não poder aterrissar em razão do ‘smog’, da neblina da fumaça das queimadas. Isto é parte do legado deste pacote. Então quando fazemos as análises da biodiversidade e da produtividade, sem exagero, uma fazenda com biodiversidade produz mais. Pablo também mostrou uma estimativa com milho e guandu em consórcio. O que ele encontrou foi que com mais biodiversidade, maior a produtividade e para o agricultor, mais lucros. Antes de tudo porque o agricultor não está em estado de aflição e, em segundo, porque o agricultor é resiliente. Tivemos uma seca em 2009 e uma enchente que não se tem ideia no ano passado. Perdemos 20 mil pessoas em nossa região por causa deste desastre climático do ano passado, alguma coisa que nem tocou em nada a mídia internacional. Ao termos uma cultura diversa, uma coisa ou outra vai prosperar e não vai se aniquilar. Uma cultura com entradas externas e grande exigência de água, será menos resiliente: muito pouca chuva ou muita chuva e já teremos zero de rendimento. Então nós dizemos que o que importa não são os quilogramas do que se vai comer, mas o que contêm, qual sua capacidade nutritiva. E nossos alimentos vêm sistematicamente perdendo sua capacidade de nos nutrir em razão da aplicação de somnte nitrogênio, fósforo e potássio. Nenhum outro micronutriente e elementos traço estão indo para o solo. Nossas plantas estão sendo privadas deles e em consequência nós também. Dados dos EUA e do Reino Unido, nos últimos sessenta anos, mostram o declínio do conteúdo de cálcio. 29% nos EUA e 19% na Inglaterra. Magnésio 21% e 35% e potássio em 6% e 14%. Fósforo 11% e 6%, ferro 32% e 22%. Sobre o zinco, eles não estavam pesquisando, naquele momento. Tenho encontrado mais e mais médicos que me dizem que a deficiência de zinco está se manifestando em uma maior perturbação mental. Estive com um médico que disse que 50% dos jovens na Austrália estão deprimidos. Quando estudam a química cerebral, estão detectando deficiência de zinco. Nós nem imaginávamos, mas os solos precisam de zinco e daí nós também. Assim, nós começamos a medir saúde por hectare que é nutrição por hectare. Não quero ficar percorrendo os números de diferentes fazendas porque isso tomaria toda minha noite. Mas os sistemas foram projetados para aniquilar a nutrição, primeiro aniquilando a biodiversidade, para então esgotar o solo de seus nutrientes, as plantas de seus nutrientes e nosso alimento de seus nutrientes. E o foco é o rendimento de ‘commodities’ únicas, sozinhas. Assim, é claro, tem havido deficiências quando não há ervas nos campos. Com a aplicação agora com ‘Round Up’ mata todos os verdes que acabam tendo contato com este herbicida. As crianças têm deficiência de vitamina A. A solução é deixar as ervas crescerem novamente! 20 mil unidades comparadas às 350 no ‘Golden Rice” (nt.: arroz transgênico que foi desenvolvido por cientistas alemães e suíços, em 1990, com o intuito de ter maior quantidade de betacaroteno substância precursora da vitamina A). Sei que tem um sujeito que se fingiu estar atuando no Greenpeace no Canadá. Tenho uma carta do Greenpeace, Canadá, informando que ele foi expulso porque era um ‘lobbyist’ a favor das indústrias da energia nuclear, das indústrias dos transgênicos e daquelas ligadas aos xistos betuminosos – tudo negativo. E ele sempre esteve apoiando na defesa destas propostas. Ele se fingia ser um ecologista que tinha vindo para acordar os europeus porque vocês estão envolvidos num crime contra a humanidade ao não quererem os OGMs (nt.: os GMOs, em inglês, genetic modified organisms, ou transgênicos). Era o ‘golden rice tour’ (nt.: o giro turístico do arroz transgênico ‘gonden rice’). Fiz um ensaio há algum tempo sobre isso; era o ano de 2000 quando primeiramente eles começaram a falar sobre isso, porque nós sabíamos de diferentes alimentos que podem prover centenas de vezes mais vitamina A do que este arroz. E não só vitamina A, mas o zinco, o magnésio, o ferro e tudo aquilo que precisamos. No último ano, apareceu tudo sobre uma criança pobre que estava ficando cega e aquela mulher na Índia que estava morrendo por causa da deficiência de ferro. E agora eles inventam uma banana transgênica. A pergunta então é: a banana tem ferro? Ela tem ótima quantidade de potássio e ela é muito boa quando se tem uma doença renal, mas não é a melhor fonte de ferro: ela tem somente 0,44 mg. A cúrcuma que nós usamos na alimentação indiana tem 67 mg. O ‘neem’ (nt.: planta que tem múltiplos usos, entre eles, inseticida e também bactericida) tem 25 mg, o trigo mourisco tem 15 mg, a maravilhosa árvore Moringa (nt.: árvore indiana, Moringa oleífera, considerada como um milagre por suas qualidades nutricionais) que é rica em vitamina A e rica em ferro, tem 28,26 mg. O farelo de arroz tem 35 mg. Não há morte originária de deficiência de ferro se nós permitirmos a diversidade florescer tanto em nossas fazendas como em nossas cozinhas. A monocultura da mente, como eu chamei isso, pode pensar em termos de 4 ou 5 ‘commodities’ nos quais se pode obter lucros. A razão de nós estarmos esta tão expansão do milho e da soja transgênicos é pela razão deles estarem conectados a ‘royalties’. Não é isso o que os agricultores da Argentina dizem, dando-nos a soja transgênica. De fato, os agricultores do Brasil acionaram juridicamente a Monsanto em 2,2 bilhões de dólares por arrecadação injustificada de ‘royalty’. A Monsanto arrecadou ‘royalties’ sobre as sementes conservadas pelos agricultores. Assim, outra razão porque nós necessitamos um sistema de alimentos é porque nós não podemos permitir esta cegueira para o presente de abundância que a natureza nos dá, o presente da biodiversidade. Isso já nos custa muitíssimo. Agora nós precisamos trabalhar com a biodiversidade para produzir mais comida e nutrição enquanto se esgota menos os recursos da terra. Uma impressão menor de nossa pegada e um maior rendimento. O atual sistema tem uma imensa impressão de sua pegada com um rendimento negativo. Tem outra grande razão porque precisamos alterar para outro sistema alimentar e que tem a ver com ciência e conhecimento. Para mim como cientista, ao observar um sistema agrícola, a primeira coisa que eu quero estudar é como o solo, as plantas e os animais além da comunidade humana relacionam-se uns com os outros. Quais são as conexões? O conhecimento desta conexão é ecologia, uma ciência de relações e é por isso porque a agroecologia – sem ninguém ter que pagar para mencionar ‘agroecologia’, todo mundo está falando agroecologia – é um movimento que está crescendo sem um ‘lobbyist’. Duas áreas de como o sistema industrial lida com a fertilidade do solo: uma é aquela que não tem nem ideia o que o solo contém e a outra é a que não tem ideia o que os organismos do solo fazem. Tudo o que sabem é que podem fazer fertilizantes sintéticos e nitrogênio sintético em fábricas de explosivos. Deixam-nos empregá-los de uma ou outra forma, sem conhecimento do que eles fazem para o sistema vivo do solo que nos fornece a real fertilidade. Chamo isso de ciência da ignorância. A fertilização industrial é a ciência da ignorância. Em relação à vida do solo, é zero conhecimento. Esta ciência é o conhecimento químico sobre como criar uma substância química, inicialmente para a guerra, e agora para a agricultura. De maneira similar, se eu quero entender como os insetos são controlados, devo fazer o que Albert Howard fez (nt.: cientista inglês que desenvolveu, na Índia, nos anos trinta, um sistema de compostagem, conhecido como Método Indore, já que defendia de que a fertilidade e daí a saúde das plantas, vinha da matéria orgânica e do húmus do solo). Ele foi enviado pelo Império Britânico, à Índia, como um botânico economista, no ano de 1905. Ao chegar observa não haver pragas nas lavouras. “Joguei fora minhas armas de aspersão e tornei as ‘pragas’ e os agricultores, meus professores. E tendo recebido as lições deles, entendi então que a emergência de ‘pragas’ já é um sinal de um sistema agrícola falho. Porque um sistema sadio não deve existir pestes. Haverá insetos, mas em função do equilíbrio, nenhum deles se transformará numa peste, exatamente como nenhum organismo se tornará uma doença.” No entanto, o que é o controle de pestes no sistema industrial? Fazemos algumas substâncias químicas para a guerra e dissemos: vamos agora descobrir um jeito de aspergi-las sobre os insetos. Mas não sabemos o que isso fará a outras espécies, não temos ideia do que isso faz aos seres humanos. Novamente é a ignorância das relações entre pestes e predador. A ciência é a química de produzir venenos, não é a ciência da ecologia do controle de pragas. Assim, eles têm ferramentas muito violentas de outra ciência, aplicada a um território errado, com a ignorância sobre como o sistema de alimento funciona. A indústria da biotecnologia fica louca quando eu digo que a razão da engenharia genética não é tal boa ideia, é porque ela é exatamente uma forma imbecil de termos ferro em nossa alimentação, fazendo isso através da banana transgênica. Que é uma maneira estúpida de ter vitamina A via o arroz dourado (nt.: ‘golden rice’), como é burrice controlar os insetos colocando genes tóxicos nas plantas através das toxinas ‘Bt’ (nt.: toxinas originárias do microrganismo ‘Bacillus thuringiensis’). E mais estúpido ainda é tentar controlar ervas através da resistência a herbicidas. Já há, há menos de 15 anos, resistência em metade das fazendas dos EUA, às superervas. E esta metade são 17 milhões. E o que eles estão querendo fazer agora? Eles estão criando, não! Engenheirando, genes dentro do milho com resistência a um ingrediente do Agente Laranja (nt.: arma química usado no Vietnam até 1972, que tinha dioxina, o mais venenoso produto jamais criado pela humanidade. Até hoje, 2014, nascem muitíssimas crianças vietnamitas aleijadas e dementes), o 2,4-D. E a Dow Chemical é a grande jogadora novamente! Os ‘lobbyists’ vêm trabalhando com a Comissão Europeia para empurrar através do milho Pioneer 1507 (nt.: variedade transgênica que as empresas querem que seja dirigida especificamente para os europeus), agora recentemente. O Pioneer 1507 foi desenvolvido conjuntamente pelas DuPont e a Dow. Sendo que esta, se todos relembram, é a mesma corporação responsável pela injustiça continuada em Bhopal. O movimento no Hawaii tem sido tão forte em termos de tentar ser livre de transgênico mesmo que a Monsanto tenha toda sua produção de sementes na própria ilha. Temos nos movimentado para fazermos com que algumas leis passem, leis sobre rótulos, leis que informem o que há nas aspersões que são feitas sobre as sementes. A Dow está processando o governo local que passou uma lei quanto ao direito de saber. “Nós vamos matar vocês e vocês não vão saber como nós fizemos isso.” Assim estes aspectos genocidas do sistema são uma forte razão – ecocidas e genocidas, conjuntamente. Estamos testemunhando o genocídio através do empurrão dos agricultores em direção à dívida. Tive um grande privilégio de ser convidada para um encontro em 1987 quando a indústria externava muito claramente de que, primeiro, a razão do por que estavam fazendo a engenharia genética era a conquista de patentes. Não estavam interessados na própria engenharia genética, seu interesse eram as patentes. Isso eles podiam, ao dizer: “Eu adicionei um novo gene”, chamando isso de uma nova safra. E então clamavam serem os criadores, os fabricantes, os proprietários, podendo, portanto, cobrar ‘royalties’. A Monsanto diz publicamente que ela escreveu o acordo de direito de propriedade intelectual do tratado de livre comércio, antigo GATT, que se transformou na Organização Mundial do Comércio, conforme artigo 27.3b. Ela diz que foi o paciente, o diagnosticado e o médico todos em um. Nós definimos o problema. O problema que eles definiram foi que os ‘agricultores estavam guardando as sementes’ e a solução que eles ofereceram foi que isso agora poderia ser um crime. Quando eu ouvia respeito de que eram cinco corporações que controlavam nosso alimento e o sistema de saúde através das patentes, esse foi o dia que decidi que deveria guardar as sementes e não reconhecer as patentes. A vida simplesmente não foi criada pela Monsanto. A vida foi criação da própria vida. E a evolução da biodiversidade é o presente que nós recebemos da natureza e de nossos ancestrais. Não foi inventada no dia em que um gene tóxico foi colocado dentro de um ser. Na verdade, isso deveria ser tido com uma poluição em termos de integridade biológica destas espécies particulares. Eu assumi um compromisso: não importa o quanto tempo isso tomará de mim, não aceitarei os transgênicos e não aceitarei patentes sobre as sementes. A expressão ‘GMO’ (nt.: sigla em inglês–genetic modified organisms–organismos geneticamente modificados) de fato pode ser traduzida como ‘God, Move Over’ (nt.: numa tradução livre: ‘Deus, garante espaços’). Nós somos agora os criadores daqui para frente. Uma coisa é o controle, a outra é o dano. Estamos sempre repetindo de que cada uma das pesquisas é segura. No entanto, algumas pesquisas neutras, independente têm detectado algum dano. Árpád Pusztai foi o primeiro pesquisador apoiado pelo governo do Reino Unido a estudar batatas transgênicas em 1998. Não esperava encontrar o que ele detectou. Cérebros reduzidos, pâncreas expandido, sistema imunológico comprometido, dano total ao sistema endócrino. Então seus superiores fizeram uma conferência para a imprensa. Eles disseram: ‘se isso aconteceu em três meses de alimentação, o que irá acontecer aos seres humanos comendo isso durante todas suas vidas?’ Por duas horas a BBC cobriu este fato e então veio o silêncio. O primeiro ministro inglês da época, Tony Blair, certificou-se de que o laboratório de Árpárd tivesse sido fechado. O pesquisador foi embora da Inglaterra, depois de uma guerra contra sua pesquisa, para encontrar liberdade. Ele voltou para Hungria para ter sua liberdade. Mais recentemente, Seralini – um dos maiores cientistas da França – decidiu fazer uma pesquisa de dois anos em razão de exercer a função de regulador oficial. Detectou nos estudos que a indústria vem sendo muito, mas muito negligente. Pensou: ‘devo ter descoberto o que está acontecendo’. Este é o seu famoso estudo enviado ao periódico ‘Food and Chemical Toxicology Journal‘. O estudo foi publicado e houve depois uma tentativa de retirá-lo. Os editores alegaram que o estudo era uma revisão por pares e eles não poderiam tirá-lo. Isso se faz através de uma avaliação sobre cada pesquisa. A partir daí a Monsanto pressionou e apenas montando a troca de editor, para o sr. Goldman. Há a retirada da publicação do estudo por decisão deste novo editor. A isso eu chamo de conhecimento terrorista. É uma séria ameaça tanto à ciência como às pesquisas independentes. É realmente uma séria ameaça. Em termos de custo do monopólio, nós testemunhamos o que isso vem causando na Índia. A globalização permite a corporações como a Monsanto a entrar nos países como na Índia em 1995. E logo eles começaram a se imiscuir com companhias indianas para levá-las a formarem ‘joint-venture’ e arranjos de licenças. Muito rapidamente, 95% das sementes de algodão eram sementes de algodão transgênico. Não quero levar a vocês a história sobre como eu processei a Monsanto por esta entrada ilegal e que não podiam introduzi-las ‘goela abaixo’ do país. Mas o aspecto principal é que eles começaram a dominar o mercado das sementes. Houve um pulo de 8000% no preço da semente. Algo que estava disponível nas próprias fazendas, agora tem que se comprar por um valor 8000% maior. Não há realmente o controle dos insetos para que o algodão transgênico foi desenvolvido. Temos um relato completo disponível em nosso website. Não pude detectar um melhor título do que o do conto de fadas: ‘o rei dos transgênicos está nu’. Isto porque suas três alegações de que a transgenia produz mais, reduz o uso de agrotóxicos e é eficiente no controle de insetos e ervas – nada disso é verdade. Globalmente, isso está sendo desmascarando. Muito rapidamente nossos agricultores começam a cair em dívida, mas é um tipo diferente de débito. A dívida anterior foi com os bancos públicos onde podiam ficar inadimplentes e mesmo protestados, e não pagarem a dívida. Agora é com os agentes da companhia de sementes. Normalmente, os agentes faziam com que assinassem documentos, dizendo que eles iriam ficar milionários se eles só assinassem o contrato e a hipoteca de suas terras. Nunca poderiam imaginar que iriam perder com o algodão, considerada uma cultura onde o dinheiro está na mão. Por isso os agricultores começaram a praticar suicídio. Os números de 95 até hoje são de 284 mil. Mais do que um quarto de milhão de agricultores indianos. A grande maioria deles está no cinturão do algodão, e a maioria do algodão agora é transgênico. Na Índia nós paramos a próxima planta transgênica, a berinjela. Na maior parte do mundo as pessoas não estão querendo aceitar os transgênicos. Portanto, este sonho de coletar um trilhão de dólares de ‘royallties’ anualmente, pela venda das sementes, não funcionou. No entanto o sonho ainda está por aí. Isso é porque a Europa tem uma lei sobre sementes. Se por acaso você não pode colocar os transgênicos na frente de todos, então torne as sementes locais ilegais. Aí então as pessoas serão forçadas a comprar as sementes. Primeiro faça os híbridos e, aberto o caminho, virão os organismos geneticamente modificados, os transgênicos. Isso é sobre a cobrança de ‘royalties’. Trabalhei muito próxima de parlamentares e movimentos que trabalhavam muito próximos um do outro, além de ter estado com comitês de meio ambiente e de agricultura. Pois estas estruturas mandaram de volta a proposta [da lei de sementes europeia]. Nunca deveria ter retornado já que as sementes são boas somente quando são diversificadas. Só nesta condição evoluem e são resilientes. É quando elas têm qualidade, sabor e são nutritivas. A uniformidade é a medida equivocada para a biodiversidade. A centralização é um sistema errado de manejo para as sementes que podem crescer de acordo com o solo e o clima. Como podem ser impostos os mesmos padrões tanto à Noruega como à uma ilha da Grécia, por uma agência lotada em Bruxelas? Monopólios, centralização e monoculturas podem ir lado a lado, transformando-se no que são: instrumentos de poder. Temos que criar instrumentos de democracia, de diversidade e de resiliência. As razões finais porque devemos trocar o velho sistema, é porque este velho sistema realmente não pode resistir a mais uns cinco ou dez anos. E nestes cinco ou dez anos isso tudo apenas sobreviverá em razão do estabelecimento de regras totalitárias. Totalitarismo sobre nossos agricultores, onde eles não podem plantar aquilo que querem e pelo caminho que almejam. Estão aprisionados dentro de uma escravidão das sementes. Pablo tem aqueles slides sobre escravidão e alguém perguntou: ‘estás sugerindo algum paralelo?’. Eu estou sugerindo um paralelo. Quando começou a luta pela liberdade das sementes, foi que vi o paralelo. Houve um tempo que existiram pessoas negras que foram capturados na África e levadas a trabalhar em campos de algodão e cana de açúcar da América. Hoje, tudo da vida está escravizado. Toda a vida. Todas as espécies. Nós nunca tivemos imperialismo sobre todo o planeta. Nunca. E é claro, os agricultores cometendo suicídio estão se sentindo escravizados e trapaceados, achando o suicídio como o único meio de se livrar disso. Este é um sistema totalitário porque o caminho do conhecimento está manipulado. A ciência vem sendo substituída pela propaganda. Qual espaço em jornais se pode comprar? É isso que dará a condição de decidir o que será considerado como ciência. Não o quanto de conhecimento está se gerando. E há uma estrutura totalitária mesmo no nível de segurança. Acho isso muito estranho de que o pepino com sua própria personalidade é visto como uma ameaça à saúde e que medidas fitossanitárias signifiquem pepinos retos, tomates com um determinado tamanho da mesma forma como também as maçãs. As medidas sanitárias e fitossanitárias são na verdade medidas pseudo-higiênicas para destruírem os sistemas locais de alimentos. Eu chamo de pseudo-higiênicas. E eu na verdade estou me dirigindo em direção à verdade quando eles tentam banir nosso óleo de mostarda. Dizem que o óleo é perigoso porque é feito com um moinho de óleo virgem, mas, para eles, o óleo de soja transgênico é maravilhoso para nós. Eles tentaram mudar a lei da Índia. As mulheres das favelas me chamaram e disseram: ‘traz nossa mostarda de volta’. E eu disse: ‘eu trago’. Fizemos uma campanha de não cooperação contra as leis que iriam banir nossos óleos de mostarda e outros comestíveis feitos de maneira artesanal. Hoje nós ainda temos a mostarda e esta lei ainda está no papel. Exato como a lei das sementes que foi tentada na Índia em 2004. Uma lei de sementes como a europeia trouxe o registro compulsório. Isso é como eles fazem. Se tivermos um carro, temos que registrá-lo. Isso faz sentido. Mas se temos uma semente que foi de minha bisavó, tenho que ir à Bruxelas para pergunta: ‘por favor, posso plantá-la?’ Este registro compulsório é um instrumento totalitário. E como uma família que faz queijo desde sempre e subitamente ‘não, seu aço inoxidável não é correto’. Acabo de ver os mais lindos barris de carvalho, numa vinícola em Florença, sendo colocados de lado em desuso por que: ‘não se pode usar carvalho nunca mais, deve se usar aço inoxidável’. Estes são mecanismos industriais para impor produção industrial. Querem isso também na fazenda para produção e processamento de alimentos. O que estamos vendo é uma grande e profunda integração vertical dos sistemas de alimentos. Cinco corporações controlam o comércio de grãos, cinco processadoras, cinco varejistas. É sobre este patamar que estamos falando: 20 corporações. Tudo integrado, uma à outra. E se observamos na Califórnia onde o povo está querendo ter uma lei sobre rótulos e embalagens, não é só a Monsanto que resiste. A Coca-Cola e a Pepsi-cola colocam dinheiro nisso aí. Simplesmente porque usam o xarope de milho de alto teor de frutose (nt.: ‘high fructose corn syrup’) feito de milho transgênico. E assim eles ganham. E eles ganham em termos de uma péssima alimentação forçada para a população. Conhecemos os danos que a chamada ‘junk food’ (nt.: ver nos links no final do texto o que é este alimento para a indústria) traz para todos. Sabemos os prejuízos que a ‘junk food’ tem criado como a obesidade que citei anteriormente. E das análises que tenho feito em todos estes anos, este sistema de integração vertical com a combinação da Pepsi, Walmart, Cargill e Monsanto, restando 1% para o agricultor. Um por cento do consumo em euro, dólar ou rúpias. Em função de só chegar a 1% para o produtor, há o êxodo rural. Isso torna a agricultura inviável em razão desta injustiça. E assim, somente 1% da população está na terra, 1% é o retorno. Já o restante está indo em termos de lucros para as corporações do agronegócio. Não há porque se espantar da razão para elas querem estar no negócio do alimento. O que queremos é o modelo ‘50%’. Cinquenta por cento deve voltar para o agricultor e para a economia local, 50%. E fazemos isso em Navdayana. Isso não é impossível. E se 50% do retorno volta ao campo, 50% da população ficará na terra. Em qualquer caso, 50% estão no sistema de alimentos, exceto os que são partes na necro-economia. Esta expressão é a economia da morte. Daí terem feito os agrotóxicos, aspergirem os venenos, estarem dirigindo os caminhões, estarem emitindo o gás CO2. Toda esta cadeia de atividades está matando o planeta. Se acrescentarmos isso, ainda é 50%. Podemos ter 50% em trabalho criativo. Trabalho criativo com o solo, com o alimento. Sei quão animados ficam os jovens quando eles se relacionam diretamente com o alimento. Ontem fui servida com um jantar sensacional antes de vir para cá por uma jovem mulher que desistiu de um trabalho na área de marketing e administração e agora está fazendo alimentos crus. Delicioso! Somente se nós liberarmos a energia para os jovens. Para cuidar do solo e das sementes, para cuidar dos trabalhos de nosso alimento e criando trabalho para isso. De qualquer forma, estamos vendo um fim ao trabalho. 50% dos jovens do sul da Europa estão desempregados hoje em dia, na Grécia, em Roma e na Espanha. Trabalho com eles e trabalho com os governos. Em Roma, o governo esta entregando terras para criar emprego e alimento básico. Tenho visto pessoas abandonando companhias de software do estrangeiro para agora plantar tomates orgânicos. E estão felizes!  E estão dizendo: ‘não estamos faturando aquele dinheiro como era por lá, mas pelo menos estamos felizes’. E é isso porque em Navdayana eu estou começando a ‘Earth University’. É para ser basicamente um lugar onde todo o sistema de alimento possa ser ensinado através da mente, mas também [através] da natureza e dos agricultores como professores, bem como nosso próprio aprendizado como mestre. E agora temos a cada setembro, em razão da demanda de jovens de todo o mundo, o início de cursos de A a Z sobre sistemas em agroecologia e alimento orgânico. Espero que alguns de vocês possam ir. Mas se forem ou não, o alimento é o lugar, a semente é o lugar onde nós temos para reivindicarmos nossa democracia e resgatar o totalitarismo para coloca-lo em seu devido lugar. Isso acontecerá passo a passo. E antes de nós sabermos disso, nós não estávamos aptos para fazermos mudanças. Temos uma pequena brecha de tempo para exigirmos tanto nosso pão como nossa liberdade. De outra forma não teremos nem pão nem liberdade.   (*Nt.: link que mostra como a indústria criou o vício em  ‘junk food’: https://nossofuturoroubado.com.br/corporacoes/a-extraordinaria-ciencia-de-viciar-em-junk-food e https://nossofuturoroubado.com.br/corporacoes/acucar-sal-e-gordura-as-engrenagens-da-junk-food).

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2014.