Tradições: “Dinheiro a gente não come”: ciência indígena e memória guiam ativismo de Taily Terena

Taily Terena: para jovem ativista, financiamento climático é meio, não objetivo. — Foto: Vanessa Oliveira/Um Só Planeta

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Vanessa Oliveira, do Um Só Planeta

26 ago 2025

[Nota do Website: Que maravilha termos entre nós, no Brasil, uma jovem com esta percepção sobre a Vida. Seria riquíssimo se nossos jovens, ainda tão influenciados pelas doutrinas da colonialidade e do supremacismo branco eurocêntrico, pudessem não só conhecer, mas ouvir e meditar sobre o que ela vive, sente e transmite].

Filha de Marcos Terena, liderança que levou o movimento indígena à ECO92, Taily critica financeirização da natureza às vésperas da COP30, alertando sobre “nova roupagem da colonização”.

Taily Terena ainda não havia nascido quando a ECO92 reuniu líderes de todo o mundo em busca de acordos globais sobre meio ambiente no Rio de Janeiro, em 1992. Hoje, aos 32 anos, a jovem ativista climática é uma das lideranças do Instituto Memória e Ciência Indígena, criado para resgatar a ciência e a memória tradicional dos povos indígenas e promover sua participação nas políticas ambientais. Ela dá prosseguimento à luta do pai, Marcos Terena, um dos primeiros indígenas a ocupar a plenária oficial da ECO92 e entregar a declaração dos povos indígenas às Nações Unidas, ressaltando que os conhecimentos tradicionais são fundamentais para enfrentar a crise climática.

“Dinheiro, a gente sabe que a gente não come. A proteção da Mãe Terra não pode ser reduzida a um preço”, afirmou Taily, durante abertura da Rio Climate Action Week na segunda-feira (24), onde participou de um debate sobre juventude e clima. Em entrevista ao Um Só Planeta, a ativista alerta para os riscos de tratar a natureza apenas como mercadoria e destaca que a ciência indígena é baseada em memória, observação da vida e conexão com a terra.

“Muitas vezes tentam diminuir nossa sabedoria por ser diferente da ciência ocidental. Mas a nossa ciência é viva, conecta espiritualidade, terra e vida. E ela pode evitar a catástrofe climática que estamos vivendo”, disse Taily.

O Instituto Memória e Ciência Indígena surgiu para dar mais visibilidade a esse saber, promovendo o intercâmbio de conhecimentos e valorizando tradições. Ela lembra que a Carta da Terra, um dos maiores legados da ação índigena na ECO92, é considerada um documento fundacional para orientar políticas e proteger a relação entre pessoas e natureza.

“Poucos conhecem a Carta da Terra, mas ela ainda deveria orientar nossas políticas. Precisamos reviver esses princípios”. O documento é uma declaração internacional que propõe princípios éticos para sociedades mais justas, sustentáveis e pacíficas. Seus eixos centrais incluem respeito à vida, integridade ecológica, justiça social e compromisso com a democracia e a paz.

Financeirização da natureza

Na conversa, Taily criticou a lógica de mercado aplicada à proteção ambiental, alertando que a Amazônia só se torna relevante quando envolve recursos financeiros, e não pelo reconhecimento de sua importância vital. Ela lembra, porém, que o financiamento climático é uma ferramenta necessária, desde que não se torne objetivo final.

“Vejo uma nova roupagem de colonização. A Amazônia só está se tornando interessante porque estão colocando dinheiro envolvido, não porque entendem que nossa vida não tem preço. Como se quantifica os seres espirituais da floresta, os animais, as plantas? Quem coloca valor nisso?”

“Sim, os fundos são importantes para conseguirmos fazer essa transição. Mas eles não podem ser o nosso objetivo principal. O financiamento é apenas um meio para implementar as ações que já temos. A proteção da Mãe Terra é feita por nossas práticas e pelo nosso modo de viver.”

Taily destaca ainda a importância do diálogo entre gerações. Segundo ela, a juventude precisa ouvir os mais velhos, mas também provocar inquietações e questionar estruturas estabelecidas. À frente do coletivo Inamatí Xâne Terenoe, no Pantanal, formado por jovens Terena, resgata memória, cultura e práticas tradicionais de cultivo, conectando conhecimento ancestral e soluções ambientais contemporâneas.

“Uma juventude sem orientação dos mais velhos perde energia. Mas também precisamos ter coragem de discordar, de provocar inquietações. O papel da juventude é desafiar as estruturas já postas.”

No discurso de abertura da Rio Climate Action Week, Taily emocionou ao relatar os impactos da mudança climática no Pantanal, terra de seu povo Terena. “Lagoas em que eu nadava na infância hoje mal chegam ao tornozelo. Em agosto, na seca, vemos peixes boiando mortos pelo calor”, contou, criticando os efeitos da exploração agropecuária do bioma e defendendo outras formas de cultivar a terra.

“O que vocês chamam de agroecologia, para nós é a nossa roça. Ela garante soberania alimentar, protege a biodiversidade e nos reconecta à Terra.”

De olho na COP30

A COP30, marcada para Belém, representa para Taily uma oportunidade de fortalecer o protagonismo indígena e de evidenciar a centralidade da Amazônia para o equilíbrio climático global. Ao lado de outros jovens do Instituto Memória e Ciência Indígena, ela tem participado de encontros preparatórios e articulações com coletivos indígenas para garantir que as vozes dos povos estejam representadas não apenas na abertura, mas também nos espaços de decisão da conferência.

“Não dá para falar em proteger a Amazônia enquanto liberamos exploração de petróleo e aprovamos projetos como o PL da Devastação. Precisamos de coerência”, afirma, lembrando que políticas contraditórias enfraquecem o papel do Brasil no debate climático.

Para Taily, a crise climática não se restringe ao campo ambiental, mas também é espiritual e reflete a desconexão do ser humano com a Terra. “Países desenvolvidos são os que mais sofrem com suicídio, depressão, ansiedade. Isso porque nos desconectamos da nossa mãe. Precisamos retomar essa relação para viver bem.”

Além de fortalecer o debate internacional, a ativista vê a COP30 como um momento de mobilização local. Ela tem percorrido territórios e dialogado com comunidades do Pantanal e da Amazônia para construir propostas conjuntas, levando práticas como a agroecologia indígena e os sistemas de manejo tradicionais para a mesa de negociação.

“Quando não estamos à mesa, nossos direitos viram parte do cardápio. E não dá mais para aceitar isso”, ressalta.

Mais do que denunciar ausências, Taily reforça que a sociedade civil precisa cobrar a implementação das políticas existentes, valorizar a diversidade de saberes e reconhecer que as soluções para a crise climática não podem ignorar o conhecimento dos povos indígenas.

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