Toxicologista é impedida de afirmar que substância sintética causa doenças em humanos.

Linda Birnbaum, diretora do National Institutes of Environmental Health Sciences e do National Toxicology Program, durante a audiência pública na Comissão do Meio Ambiente e Serviços Públicos do Senado dos EUA, sobre cromo-6 e perclorato além de outros químicos que vêm sendo detectados nos suprimentos de água tratada nos EUA. Photo: Scott J. Ferrell/Congressional Quarterly/Getty Images

https://theintercept.com/2019/10/24/PFAS-toxicologist/

Sharon Lerner
October 24 2019

A família dos contaminantes ambientais, disperso em todo o Planeta, conhecidos como PFASs causa múltiplos problemas de saúde à população humana, de acordo com a destacada toxicologista dos EUA, Linda Birnbaum.

Ainda neste mês de outubro, aposenta-se como diretora do National Institute of Environmental Health Sciences e do National Toxicology Program (nt.: ambos órgãos federais dos EUA que lidam com saúde, meio ambiente e toxicologia).

A declaração pode gerar certa surpresa aos que seguem a literatura médica sobre os produtos químicos industriais (industrial chemicals) que foram usados para fazer revestimentos antiaderentes (nt.: tipo Teflon), espuma de combate a incêndios (nt.: chamados comumente de retardadores de chama) e muitos outros produtos de uso cotiano (nonstick coatingsfirefighting foam). Milhares de artigos científicos da academia vincularam os produtos químicos a pelo menos 800 efeitos à saúde. Alguns dos problemas de saúde encontrados nos seres humanos — incluindo níveis elevados de colesterol, disfunção hepática, ganho de peso, problemas reprodutivos e câncer renal — demonstraram aumentar juntamente com os níveis deste tipo de produtos químicos presentes no sangue. Pesquisas extensivas também mostram que crianças com níveis mais altos de PFASs (nt.: observem este link que é de uma empresa transnacional que agora começa a reconhecer que estas substâncias são disruptores endócrinos ou ‘desreguladores endócrinos’, mas somente porque tem processos analíticos para detectar sua ‘contaminação ambiental’) têm respostas imunológicas enfraquecidas.

No entanto, enquanto a toxicologista liderava o organismo público norte americano NIEHS, uma divisão do setor de , National Institutes of Health, cuja missão é “descobrir como o ambiente afeta as pessoas, a fim de promover vidas mais saudáveis”, não teve permissão para empregar a palavra correta — “causa” — ao se referir aos efeitos tanto dos PFASs como de outros produtos químicos, na saúde humana.

“Fui proibida de fazer isso”, disse Linda Birnbaum. “Eu tive que usar a expressão — ‘associação’ — o tempo todo. Se eu estivesse falando sobre dados humanos ou impactos sobre as pessoas, sempre deveria dizer que havia uma — ‘associação’ — como se fosse uma lista qualquer, mas estávamos tratando de efeitos sobre a saúde”. Ela disse ainda que esta restrição “vinha do escritório do diretor adjunto. O trabalho deste executivo dependia de me controlar.” Afirmou também que o governo Trump começou, recentemente, a coordenar diretrizes sobre esta família de químicos sintéticos: os PFASs.

As expressões: associação e causa, são completamente diferentes. A primeira, demonstra ser uma coincidência de uma exposição química e uma doença. Já quando se trata como sendo ‘causa’, mostra de que o problema de saúde acontece como resultado da exposição química. Em função de estarem em jogo muitos fatores, incluindo o acaso, a genética e a exposição a outras substâncias, podendo influenciar o desenvolvimento de uma doença, o termo “causa” é usado raramente e com cautela, no campo da saúde ambiental.

Mas Birnbaum, que estuda compostos PFASs há décadas, acreditando que os contaminantes globais eliminaram esta imensa barreira. “Na minha opinião, as substâncias conhecidas como PFASs causam efeitos sobre a saúde porque vemos o mesmo tipo de efeito, sendo relatado em vários estudos de uma série de populações”, disse ela em entrevista por telefone. Ela aponta ainda, particularmente, estudos longitudinais, que seguem tanto as exposições como a saúde das populações, ao longo do tempo. “Temos estudos longitudinais mostrando os mesmos efeitos em várias populações, realizados por vários investigadores, além de modelos com animais demonstrando o mesmo impacto”, disse ela. Além disso, destaca estudos que mostram o mecanismo pelo qual os produtos químicos PFASs causam danos às pessoas.

“Esta é uma evidência bastante significativa de que a família dos PFASs, ou certos PFASs, podem causar efeitos na saúde de pessoas. Não é tão forte para todos os efeitos, mas há vários efeitos em que eles são fortes o suficiente para se dizer que são ‘causadores’ destes resultados”, complementa a cientista. Apontou em particular a relação entre estes químicos e a resposta imunológica, o câncer de rim e o colesterol em humanos, dizendo: “Esses dados são muito claros.”

Linda Birnbaum tornou-se um alvo da indústria química e de políticos, que agiram desta forma em várias ocasiões durante seus quase 40 anos de carreira como cientista em áreas federais, incluindo os 19 anos em que atuou na Environmental Protection Agency/EPA (nt.: Agência de Proteção Ambiental dos EUA). Em 2012, os republicanos da Câmara de Deputados da Comissão de Ciências procuraram a cientista por ter escrito (writing) de que substâncias químicas, disruptores endócrinos, no ambiente são responsáveis por “um aumento impressionante em várias doenças.”

Ela também enfrentou reações depois que o National Toxicology Program (nt.: Programa Nacional de Toxicologia) analisou formulações de agrotóxicos que continham glifosato, o principal princípio ativo do popular herbicida ‘mata-mato’ Roundup (Roundup) da Monsanto. “Houve enormes ataques ao instituto e a mim pessoalmente, relacionados ao glifosato”, disse Birnbaum, cujo escritório foi inundado com pedidos da Freedom of Information Act/FOIA (nt.: Lei da Liberdade de Informação) que ela disse serem originários de escritórios de advocacia. “Eu tive que contratar de quatro a seis pessoas para trabalharem na questão desta lei. Estávamos com cerca de 140 a 150 pedidos FOIA em atraso. Não se podia lidar com eles com rapidez suficiente.”

Seu embate com os republicanos no Comissão de Ciências da Câmara no ano passado poderia ter tido consequências mais graves. Os representantes republicanos, Andy Biggs e Lamar Smith, acusaram Birnbaum de fazer lobby (accused Birnbaum of lobbying) com base em um editorial (editorial) da revista PLOS Biology. Nele, Birnbaum escreveu que “a política dos EUA não considerou as evidências de que produtos químicos, com uso generalizado, podem causar câncer e outras doenças crônicas, danificar sistemas reprodutivos e prejudicar o desenvolvimento cerebral mesmo em baixos níveis de exposição, outrora considerados como inofensivos”. Invocou por mais pesquisas quanto aos riscos trazidos pelas substâncias químicas e observou que “fechar esta lacuna existente entre as evidências e as políticas públicas exigirá que cidadãos engajados — tanto cientistas como não cientistas — trabalhem para assegurarem que nossos funcionários públicos passem a estar conectados com políticas de proteção à saúde, baseadas nas melhores evidências científicas”.

Depois disso, “tudo o que eu fiz, passou a ser vigiado. Qualquer ação que fosse tomar, era-me exigida uma autorização. Inclusive no meu laboratório”, disse ela. “De repente, tudo deveria subir pelo menos para o prédio nº 1”, disse ela, referindo-se ao prédio Bethesda, que serve como centro administrativo dos National Institutes of Health (nt.: órgão federal de saúde dos EUA – Institutos Nacionais de Saúde). Após o incidente, também teve um aumento salarial negado (denied a salary increase), percebendo que seu emprego estava na corda bamba. “Disseram-me que eles estavam tentando me dispensar.”

Ao mesmo tempo, os compostos PFASs tornavam-se o foco de intensas descobertas tanto pelas agências reguladoras estaduais como pelo Congresso. À medida que a contaminação provocada por estes produtos químicos vinha sendo desvelada em todo o país, ficava claro que tanto as empresas que fabricaram e usaram os compostos PFASs quanto as forças armadas e daí os militares, que usavam espuma de combate a incêndios que continha estas substâncias, poderiam enfrentar bilhões de dólares por serem responsáveis pelo seu emprego.

Provar uma conexão causal entre os produtos químicos e uma doença será fundamental para responsabilizá-los. Em litígios sobre a contaminação por PFOA (nt.: substância que faz parte da ampla família dos PFAS) na Virgínia Ocidental (litigation over PFOA contamination in West Virginia), os advogados da DuPont foram proibidos de questionar a relação causal entre a exposição à substância química e seis doenças diferentes, incluindo câncer de testículo e câncer de rim. A empresa pagou mais de US $ 1 bilhão de dólares neste caso e posteriormente desmembrou sua divisão que produz compostos PFAS para uma nova empresa, a Chemours.

Apesar das pesquisas volumosas sobre os efeitos dos produtos químicos na saúde, a 3M (3M), empresa que desenvolveu tanto os membros da família, PFOA como o PFOS, além de ter vendido o PFOA à DuPont por muitos anos, ainda argumenta de que os compostos não causam problemas de saúde. Em seu testemunho (testimony) perante o Comissão Legislativa de Supervisão e Reforma em setembro último, Denise Rutherford, vice-presidente sênior de assuntos corporativos da 3M, disse que “o peso das evidências científicas não estabeleceu de que o PFOS, o PFOA ou outros PFASs causem efeitos adversos à saúde humana”. A empresa também solicitou que The Intercept removesse a palavra “causa” em um artigo (article), de agosto passado, sobre os PFASs. Esse pedido foi negado.

Embora a cientista soubesse que estava sendo observada de perto, sentiu ser importante continuar a tornarem públicas as conclusões científicas de seu instituto. Em uma reunião no meio deste ano em curso, relatou os resultados de estudos com ratos, realizados pelo National Toxicology Program (nt.: Programa Nacional de Toxicologia) que relacionavam exposição a doses muito baixas de PFOA, ao câncer de pâncreas. Ela disse que, com base nestes dados, uma dose segura do produto químico seria cerca de 0,1 partes por trilhão/ppt, ou seja, 700 vezes menor (700 times lower) que o limiar de segurança estabelecido pela EPA, como o The Intercept relatou no artigo citado acima.

O abismo entre o limiar sugerido pelos novos dados sobre o câncer e o número real publicado pela agência norte americana, instituição que deveria estar atenta às questões de contaminação, a Environmental Protection Agency/EPA, demonstra de que há um fissura com a postura das agências federais — revelando a inadequação da resposta do governo às ameaças colocadas pelos produtos químicos. Juntamente com isso há um atraso na liberação de um relatório (report) sobre os PFASs a ser feito pelas Agencies for Toxic Substances and Disease Reistry (nt.: Agências de Registros de Doenças e Substâncias Tóxicas), que por sua vez também propôs limiares de segurança mais baixos do que os estabelecidos pela EPA. O questionamento público feito pela cientista sobre os resultados alarmantes mostrado pelo estudo sobre ratos, pode estar sendo parte da razão pela qual o Office of Management and Budget (nt.: Escritório de Administração e Orçamento) da Casa Branca tenha começado, nos últimos meses , a realizar reuniões regulares das agências federais que trabalham com estas substâncias da família dos PFASs. Segundo ela, dois grupos de cientistas federais vêm se reunindo para coordenarem a ciência, a política e as orientações geradas pelo governo em torno dos PFASs. O escritório da Casa Branca não respondeu às nossas perguntas sobre este grupo.

Por sua parte, Birnbaum está agora em paz por poder falar sobre ciência, livre dos constrangimentos que acompanhavam sua atividade, e que se deterioraram nos últimos anos. No final, “eu nem podia dar as boas-vindas às pessoas em uma reunião se não houvesse uma aprovação prévia”, disse ela. Perguntada se poderia ter feito de outra maneira, se não estivesse sob pressão tão intensa, Birnbaum respondeu que “eu teria usado a palavra ‘causa’ para relacionar com seus efeitos sobre a saúde das pessoas”.

Tradução livre de Luiz Jacques Saldanha, dezembro de 2019.