‘To Dye For’: a evolução tóxica do fast fashion por Alden Wicker

Capa do livro de Alden Wicker.

https://www.ecowatch.com/to-dye-for-alden-wicker-ecowatch-interview.html

Cristen Hemingway Jaynes

06 de setembro de 2023

[NOTA DO WEBSITE: Mais uma denúncia que se junta a tantas e tantas outras onde se percebe como o empreendedorismo, tão decantado pela meritocracia, na verdade deveria ser chamado de vigarice e crime corporativo. Essa dissimulação para prejudicar a população é algo que vai além da ética mais básica].

Alguns livros levam você a jornadas emocionais épicas, enquanto outros fornecem conhecimento e insights sobre um novo assunto. To Dye For, é um livro que faz um relato da evolução tóxica do fast fashion. Escrito pela jornalista e escritora Alden Wicker – e desde o início do livro mostra o processo da moda indo de tons de malveína e arsênico até a aquisição de substâncias per e polifluoroalquil ( PFAS ) – e fazendo as duas coisas. É uma leitura essencial para aqueles que já tiveram sensibilidade  na pele, erupções cutâneas ou algo pior devido a roupas carregadas de produtos químicos nocivos. E para qualquer pessoa interessada no verdadeiro custo do fast fashion moderno que está poluindo o mundo com toxinas e roupas baratas descartadas.

Tive o prazer de conversar recentemente com Wicker sobre o livro, que investiga a toxicidade do fast fashion contemporâneo, bem como suas origens na era vitoriana.

Perguntei como ela começou a se interessar em aprender mais sobre a perigosa verdade por trás do fast fashion.

“Levei um tempo surpreendentemente longo para ouvir sobre algo quanto à toxicidade da moda, especialmente porque quando ouvi falar sobre isso pela primeira vez em 2019, eu escrevia sobre moda sustentável há quase uma década. E não tinha ouvido nada sobre produtos químicos em roupas que pudessem prejudicar consumidores”, disse Wicker ao EcoWatch por telefone. “Um programa de rádio entrou em contato comigo e queria saber se eu poderia comentar sobre esse processo movido pelos atendentes da Delta Airlines contra Lands’ End, que confeccionavam seus uniformes, e algumas das reações que eles tiveram foram simplesmente horríveis, muito além de tudo que eu já tinha ouvido de antes.”

“Eles tinham erupções cutâneas hemorrágicas e problemas respiratórios, confusão mental, fadiga extrema que era tão forte que eles ficaram um tanto incapacitados quando entraram no avião com seus colegas, cabelos caindo… isso realmente abrangeu uma gama de todos os tipos de reações diferentes, e eles estavam tão ruins que você não poderia dispensá-los como as companhias aéreas e os fabricantes de uniformes queriam fazer.”

Perguntei a Wicker se as pessoas que originalmente inventaram esses produtos químicos estavam cientes de seus danos potenciais.

“Essa é uma questão interessante porque a indústria química está constantemente criando novos produtos químicos, mas o primeiro produto químico inventado comercialmente foi o corante malveína em meados do século XIX. E esse cara sabia que pelo menos a produção era perigosa. Houve explosões, ele teria que sair do laboratório para recuperar o fôlego e quase imediatamente as pessoas começaram a ter reações a esses novos corantes à base de combustíveis fósseis. As pessoas apresentavam erupções cutâneas listradas nos tornozelos por causa das meias e reações a camisas tingidas sinteticamente. E então, com o negro de nitrobenzeno, que é usado para engraxar sapatos, algumas pessoas realmente morreram.”

Quando o dinheiro começou a entrar, a segurança ficou em segundo plano em relação aos lucros.

“A questão é que as pessoas lucraram tanto com a fabricação de corantes para têxteis que o cara que realmente inventou a malveína acabou saindo do mercado porque se sentiu muito desconfortável com isso”, disse Wicker. “E temos visto ao longo da história, não apenas na história da fabricação de corantes e da moda, mas em outros tipos de manufatura… as pessoas farão qualquer coisa, as empresas farão qualquer coisa para reprimir qualquer evidência de que isso esteja causando danos, mesmo quando está bem na cara deles.”

“Os fabricantes de corantes na Alemanha e na Suíça, e depois nos Estados Unidos, fariam a mesma coisa repetidamente, descobririam que havia câncer da bexiga nos seus funcionários, pediriam a alguém de boa reputação para estudar, depois iriam pegar essas descobertas e iriam escondê-las, e continuaram fazendo o que estavam manufaturando por mais uma década.”

Por que não foram implementadas regulamentações para impedir o uso de produtos químicos como o arsênico em roupas?

“[No] início de 1800, o arsênico foi usado para criar um dos primeiros corantes sintéticos, que era o verde arsênico. E mesmo depois que o verde arsênico caiu em desuso porque houve o pânico da Era Vitoriana por causa dele, ainda foi utilisado para iluminar a cor de outros corantes azossintéticos”, disse Wicker ao EcoWatch.

“Enquanto as pessoas estiverem lucrando com alguma coisa, elas não vão interromper voluntariamente sua produção, e acho que a razão pela qual nenhuma dessas coisas foi realmente proibida é porque a indústria faz uma coisa do tipo: ‘Você não tem necessidade de nos regulamentar, vamos eliminá-los voluntariamente.’ [Mas] mesmo que eles tenham eliminado voluntariamente, isso deixa a porta aberta para que ele volte, especialmente quando se trata de países onde não há regulamentação efetiva. Onde se trata de tornar as coisas o mais baratas possível.”

Qual é a extensão da moda tóxica? A maioria das roupas é tóxica em algum nível, a menos que seja feita de material natural e orgânico?

“Não posso dizer qual a percentagem de roupas que contém substâncias perigosas porque, em primeiro lugar, não temos listas de ingredientes. A maioria das marcas de moda não sabe o que há em suas roupas e testar roupas custa dezenas de milhares de dólares. O que posso dizer é que este não é um problema limitado às marcas de moda ultrarrápida”, disse Wicker. “Foram encontradas substâncias perigosas em grandes quantidades em marcas de moda do mercado de massa, em roupas infantis. Eles são usados ​​por marcas que se autodenominam ecologicamente corretas.  Existem marcas de luxo que não fizeram nada em prol de uma química segura. Então, eu diria que, embora não possa dizer qual a porcentagem de roupas que são perigosas, posso dizer que é um problema generalizado.”

As marcas de roupas estão pedindo a adição de produtos químicos em seus produtos ou são os fabricantes que fazem isso?

“Depende. Uma marca de moda nunca diria: ‘Você pode adicionar PFAS (nt.: químicos eternos/forever chemicals) aos meus produtos?’ O que a marca de moda diria é: ‘Precisamos de repelência a manchas, precisamos de repelência à água’. E o fabricante dirá: ‘Ok’. E o fabricante comprará seus produtos químicos talvez de um fornecedor certificado, talvez do cara da rua, e dará à marca de moda o que deseja pelo preço mais barato possível”, disse Wicker ao EcoWatch. “Portanto, esta pressão descendente dos preços, juntamente com o fato das marcas de moda não saberem o que há nas misturas e produtos químicos de marca, e de raramente terem uma relação com fornecedores de produtos químicos, ou mesmo com a tinturaria, por vezes, significa que há muita coisa acontecendo em sua cadeia de suprimentos que eles não conhecem.”

Quais são os produtos químicos mais perigosos encontrados nas roupas atualmente?

“Existem tantos… PFAS, que repelem manchas e água – conhecidos como ‘químicos eternos’ porque nunca se decompõem – estão ligados a doenças da tireoide, vários tipos de câncer, defeitos congênitos, obesidade, supressão do sistema imunológico. Eles estão em um monte de coisas que nem precisam disso – eles são simplesmente jogados lá – então eles estão em muito mais coisas do que você imagina”, explicou Wicker. “Outras coisas que aparecem muito [são] os ftalatos , que são produtos químicos disruptores endócrinos; eles estão em muitas resinas plásticas e outros sintéticos. O Bisfenol A/BPA foi encontrado em sutiãs esportivos, camisetas e meias, poliéster-spandex (nt.: conhecido entre nós como elastano), todos eles, de algumas das maiores empresas, dezenas de empresas, até mesmo aquelas que possuem programas robustos de gerenciamento de produtos químicos… e isso era muito mais onipresente, eu penso, do que qualquer um de nós possa pensar.”

Então, se você comprar algo que é de poliéster, você está garantindo que terá algum tipo de produto químico desagradável ali?

“É realmente difícil saber, mas eram misturas de poliéster e spandex/elastano que continham BPA, então acho que é arriscado comprar isso se você está tentando evitar produtos químicos disruptores endócrinos. Penso que é isso que todos deveriam fazer”, disse Wicker. “O poliéster também é tingido com corantes dispersos, que são conhecidos como sensibilizadores da pele, podendo causar reações dérmicas e, potencialmente, outros tipos de alergias.”

Perguntei a Wicker se lavar algo algumas vezes poderia torná-lo mais seguro.

“Lavar suas roupas novas ao comprá-las pode ajudar com alguns tipos de produtos químicos contaminantes que não deveriam ser usados. Você não sabe onde está sua moda, basta uma boa higiene lavá-la. Poderia ter sido contaminado com agrotóxicos, com fungicidas. Pode haver alguma sobra do processo de fabricação que deveria ser retirada. Definitivamente, é uma boa ideia lavá-lo, mas isso não vai eliminar aqueles acabamentos de desempenho aplicados propositalmente, como PFAS, como nanoprata, como corantes, por exemplo. Então ajuda, mas não é a solução perfeita.”

Qual é a melhor maneira de as pessoas se protegerem de roupas e têxteis tóxicos? É mais seguro comprar roupas velhas, gastas e lavadas muitas vezes, como em brechós?

“A primeira coisa que eu diria às pessoas é que façam primeiro o teste de cheirar. Se você pegar e cheirar mal, é uma boa indicação de que você não deve comprá-lo, ou se você abrir a embalagem e cheirar mal. Algumas pessoas me disseram que os pacotes cheiram a gasolina – péssima ideia”, aconselhou Wicker. “Isso também pode ajudar se você estiver comprando roupas de segunda mão, porque a roupa perfumada os produtos podem causar reações em muitas pessoas e contêm substâncias perigosas conhecidas. Então, definitivamente, compre roupas de segunda mão, elas são uma ótima maneira de obter moda de fibra natural mais sustentável por um preço mais acessível, mas basta fazer um teste de cheiro antes de levar para casa, com certeza. E procure fibras naturais sempre que possível – elas não serão perfeitas, não são garantidas, mas tendem a ser menos arriscadas que as sintéticas. Evite marcas de moda ultrarrápida/fast fashion ou qualquer… marca de moda das quais você nunca ouviu falar antes, que anunciam para você nas redes sociais ou que você encontra em mercados como Alibaba e Amazon. Procure… rótulos… como Oeko-Tex, Bluesign e GOTS Organic.”

Em To Dye For, Wicker fala sobre um comissário de bordo que ficou tão doente por causa do uniforme emitido pela companhia aérea que se impôs uma escolha entre se proteger ou manter o emprego.

“É uma história tão triste. Ele adoeceu imediatamente, na primeira vez que vestiu o novo uniforme da Alaska Airlines em 2011, e adoeceu todas as vezes depois disso. Ele foi retirado do avião e levado para o hospital. Eles finalmente trocaram seus uniformes, mas naquela época ele estava permanentemente incapacitado. Ele tinha problemas de pele terríveis o tempo todo, tinha problemas respiratórios terríveis e, mesmo estando perto dos uniformes, já entrava em choque anafilático. E ele continuou trabalhando porque esse era o seu trabalho, ele o amava e era a única coisa que ele conhecia. Ele estava velho demais para mudar completamente de carreira. Ele faleceu aos 65 anos de asma e seu companheiro sobrevivente acredita que isso se deveu aos problemas de saúde desencadeados pelos uniformes.”

Muitos outros tiveram reações aos mesmos uniformes, disse Wicker.

“Acho que até 24% dos atendentes da Alaska Airlines relataram reações, e esses são apenas aqueles que se sentiram seguros o suficiente e tiveram reações fortes o suficiente para relatarem isso ao sindicato.”

Qual foi a principal causa das reações aos uniformes da Alaska Airlines?

“Não sabemos exatamente porque tinham muitas coisas diferentes agregadas encontradas nesses uniformes. Havia tipos restritos de corantes azo, havia tributil fosfato e ainda teflon, que é um PFAS (nt.: ‘forever chemicals’). Tinha tantas coisas diferentes, e foi por isso que foi tão difícil responsabilizar essas marcas de moda e fabricantes de uniformes, porque eles diziam: ‘Diga-nos qual é o produto químico que está fazendo tudo isso’, e poderia ter sido um monte de coisas diferentes atuando nas mesmas partes do corpo, ou em sinergia entre si para causarem essas reações”.

Perguntei a Wicker como ela acha que será o futuro do fast fashion.

“Definitivamente precisamos de regulamentação, mas toda essa coisa de educação do consumidor não está funcionando. Não podemos ir às compras ignorando esses problemas. E não iremos sair desse impasse através do capitalismo consciente”, disse Wicker. “Não sabemos se pagamos cinco dólares a mais por uma camisa, se esse dinheiro irá para um trabalhador do setor têxtil, para um agricultor ou para retirar uma certa quantidade de dióxido de carbono da atmosfera. Mas este é um problema muito tangível, está acontecendo nos locais em que se faz a nossa moda, e depois estaremos somente reimportando toda essa poluição tóxica … Eu esperava que ao fazer essa ligação entre esses fatos, pudéssemos galvanizar um movimento para resolvermos este problema e mostrarmos que não existe esse ‘estar lá’. Na verdade, não existe nem mesmo essa ideia de ‘estar fora da minha vida’”.

Você acha que é uma boa ideia reciclar e consertar roupas em vez de continuar produzindo mais?

“Eu definitivamente acho que sim… Uma das coisas que pode atrapalhar a reciclagem de roupas é que sao se ter uma vestimenta tóxica e reciclá-la em um novo modelo, ela mesmo assim ainda será tóxica… então isso é algo que precisamos resolver no início do processo téxtil”, enfatizou Wicker.

“Acho que todos deveriam ter o direito de saber o que se coloca sobre em seus corpos. E neste momento não vivemos essa realidade. Mas poderíamos, sem dúvida, se tivermos vontade política suficiente para exigirmos essas mudanças.”

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, outubro de 2023.