Interlaken, Suíça, 24/9/2013 – Os direitos de populações de terras comunitárias no mundo e suas competências sobre os recursos naturais mereceram a atenção inesperada de um grupo de atores tão heterogêneo que combinou duas transnacionais da mineração e da agroindústria, povos indígenas, governos, sociedade civil, ecologistas e estudiosos do meio ambiente. O objetivo declarado pelas autoridades suíças, que patrocinaram a reunião, foi elevar o perfil dos direitos territoriais das comunidades e precisar suas atribuições sobre recursos que são riquezas nessas comarcas, todas em países em desenvolvimento.
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por Gustavo Capdevila, da IPS
Algumas das principais transnacionais extrativistas e processadoras de mineração e agroindústria, que poderiam se beneficiar com delimitações mais definidas da posse da terra e da propriedade dos recursos nas áreas que concentram essas riquezas, têm sua base jurídica na Suíça, segundo participantes da reunião.
O debate de dois dias terminou no dia 20 em Interlaken, centro turístico alpino, sem conclusões de impacto, mas com cautelosa satisfação das organizações não governamentais internacionais que convocaram o encontro: Oxfam Internacional, Iniciativa para os Direitos e Recursos, Helvetas Swiss Intercooperation, Land International Coalition, União Internacional para a Conservação da Natureza (UICN), com apoio da Agência Suíça para a Cooperação e o Desenvolvimento.
A principal conclusão é “que hoje desafiamos o impossível, que é trabalhar pelos direitos territoriais das comunidades e aumentar as aspirações”, disse à IPS o assessor de política de terras para a Oxfam Internacional, Duncan Pruett. E, finalmente, “chegamos a um acordo sobre o desafio”. Do clima de concordância observado ao fim das deliberações de 180 especialistas e ativistas de 40 países também surge a indicação de que haverá um fortalecimento das comunidades, com ajudas para que confeccionem os mapas de seus territórios e com muita colaboração técnica, acrescentou.
A filipina Victoria Tauli-Corpuz, diretora-executiva da Tebtebba, uma organização de redes indígenas, opinou que a reunião “foi um bom começo”. É a primeira vez que grupos tão diferentes e os povos indígenas são capazes de se aproximar, afirmou, lamentando que a brevidade do encontro tenha impedido um aprofundamento sobre o tipo de esforços que serão necessários.
A reunião contou com escassa participação do setor privado. As duas presenças de destaque foram os representantes da Rio Tinto, a gigante mineradora de origem australiana com interesses em todo o mundo, e a agroindústria suíça Nestlé, a maior do setor.
Chris Anderson, diretor de comunidades e gestão social da Rio Tinto para as Américas, garantiu que há avanços no setor da mineração e deu como exemplo sua empresa, que incorpora o direito tradicional e a legislação ocidental e procura operar segundo o princípio do consentimento prévio e informado. Afirmou também que há dificuldades em aplicar esse princípio. “Ninguém sabe como fazê-lo”, ressaltou.
O empresário mencionou outros dois problemas: a tendência de tratar as comunidades como um todo homogêneo, e o fato de o movimento ecologista definir a natureza como separada dos seres humanos, o que entra em contradição com a necessidade de estabelecer direitos sobre a terra. Por outro lado, estavam presentes inúmeros especialistas em conservação ambiental e delegados de instituições independentes de cooperação com países em desenvolvimento.
Vários participantes destacaram a ausência de enviados do governo e da sociedade civil do Brasil, país estratégico nestes intercâmbios devido à magnitude de sua diversidade biológica. O mesmo ocorreu com representantes do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, de reconhecida luta no campo da reforma agrária.
Houve reclamações pela falta de uma definição precisa do conceito de comunidades. Segundo Liz Alden Wily, especialista internacional em temas da terra, residente no Quênia e com atuação especialmente na África, há cerca de dois bilhões de pessoas em terras rurais em todo o mundo. Dessas, entre 300 milhões e 500 milhões são povos indígenas. Assim, são um setor importante, mas não a totalidade do grupo, acrescentou Wily.
Para a especialista, “o que acontece é que os povos indígenas desenvolveram um lobby muito forte e se fazem ouvir com uma voz poderosa, com uma tendência a cooptar os temas como se fossem questões que só interessam a eles”. Wily acrescentou que “há milhões de membros de comunidades que não se identificam como povos indígenas. Na África, estes são uma minoria, embora importante, deve-se dizer”.
Tauli-Corpuz indicou à IPS que não há uma definição clara do termo “comunidade”, afirmando que o Convênio sobre a Diversidade Biológica, vigente desde 1993, as denomina comunidades locais e especifica que dependem dos recursos naturais. Os povos indígenas querem que se esclareça quais são as circunscrições que verdadeiramente têm comunidades e territórios. “Existem outras variedades, como os moradores que dependem das florestas, os camponeses, os trabalhadores rurais e os agricultores de pequenas áreas e que é necessária uma definição muito clara”, destacou.
O subdiretor geral da UICN, Poul Engberg-Pedersen, argumentou que, para garantir no longo prazo os direitos das comunidades sobre a terra, é preciso que os governos adotem marcos políticos, mas também que as autoridades mantenham um diálogo com essas populações. “Na maioria das vezes esse contato deverá ser estabelecido com os governos locais para se sentar e conversar e detalhar quais são os temas”, afirmou. Quanto aos doadores, o dirigente da UICN espera que facilitem essas ações sem interferir. “Este é o tipo de questão que deve ser resolvida em cada país e em cada localidade, nos próprios termos”, sugeriu.
Engberg-Pedersen descartou que seja necessário adotar novas normas ou tratados, pois já existe um princípio estabelecido de que toda decisão sobre um novo investimento ou obra de infraestrutura deverá ser consultada previamente com as comunidades. Sobre os resultados da reunião, Pruett disse estar surpreso pelo grau de cooperação dos participantes. Contudo, admitiu que será preciso esperar pelos próximos meses para determinar quais ações concretas poderão ser executadas.
Para Tauli-Corpuz a conferência deixou experiências proveitosas, pois houve intercâmbios sobre as diferentes comunidades. “Tive uma ideia do que pensa o setor privado, que, às vezes, creio, é um risco, mas é um risco que devemos encarar”, explicou. Wily disse não estar convencida de “termos conseguido mais avanços além dos que já temos em nosso trabalho. Trazer pessoas para se reunir é muito custoso em tempo e especialmente dinheiro, e poderia ter sido melhor”.