‘Tenho dois carrinhos de supermercado de provas’, rebate Alexandre Saraiva sobre liminar do TRF1

Maior apreensão da história de madeiras nobres de origem extremamente duvidosa.

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AGÊNCIA CENARIUM – Fundação Anchieta do Estado de São Paulo, Priscilla Peixoto

20/01/2022

MANAUS — “Dizer que o laudo é contraditório é até uma ofensa ao trabalho dos peritos da Polícia Federal. Duvido muito disso, apresentem então esses laudos, eu aposto meu salário. Se essas apreensões são indevidas por que não me processam? Ora, pratiquei abuso de autoridade? Deveriam me processar e sabe por que não fazem isso? Porque eles têm medo e sabem que estou no meu direito de defesa, eu vou esfregar esse laudo na cara dessas pessoas”, a declaração é do delegado da Polícia Federal e ex-superintendente da instituição no Amazonas Alexandre Saraiva, em entrevista exclusiva à CENARIUM, um dia após a decisão do desembargador do Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF1) Ney Bello vir à tona na mídia nacional.

Delegado Alexandre Saraiva.

O assunto que praticamente virou uma ‘queda de braço judicial’ volta a ganhar repercussão após uma matéria publicada no jornal Folha de São Paulo, nessa quarta-feira, 19. Em resumo, a liminar concedida pelo desembargador, no mês de dezembro de 2021, libera parte da madeira apreendida no Pará no final do ano de 2020, durante a Operação ‘Handroanthus’, da Polícia Federal (PF), suspeita de ter origem em desmatamento ilegal.

A decisão atende um pedido do advogado de Bolsonaro Frederick Wasse. De acordo com Folha de S.Paulo, Wassef representa a MDP Transporte e, mesmo que de caráter provisório, a liminar permite restituir o material ilegal recolhido pela operação policial. No mês de outubro do ano passado, o magistrado autorizou a devolução de madeiras apreendidas para outras seis empresas, representadas por outros advogados.

“É preciso perceber que há diferença entre madeira apreendida de origem clandestina ou
produto do crime, e madeira de origem legal. Tal o contexto, com os pressupostos necessários preenchidos, defiro, em parte, o pedido liminar, para determinar a imediata restituição das madeiras/toras que estejam
devidamente etiquetadas e legalizadas, oriundas de atividade legalmente exercida”, consta um trecho do documento.

Atentado contra o povo

Para Alexandre, a situação ocorrida é um “atentado” contra o Estado do Pará, o ex-superintendente questiona se o desembargador Ney Bello, de fato, não se atentou em saber para a grilagem de terra feita na região e as ilegalidades que envolvem o assunto. Para Saraiva, não é um crime somente contra a natureza, mas contra o patrimônio público.

“Eu creio que o direito não tem palavras e nem termos técnicos para definir o tamanho da desfaçatez do crime naquela região. É um atentado contra o povo do Pará, até porque os beneficiários desta terra não são pessoas de lá, não. São gente lá do Sul do País que nunca pisaram no Estado do Pará e não sabem nem o que é a Amazônia, a única coisa que eles recebem da Amazônia é dinheiro ilícito da madeira.”, destaca Saraiva que completa.

“Então eu desafio a qualquer um me processar, porque eu tenho dois carrinhos de supermercado de provas. Estudei profundamente esse inquérito e não é o primeiro trabalho investigativo que faço, estou há 18 anos na Polícia Federal e sou muito minucioso no que eu faço. Essa decisão, em tese, deveria colocar qual parte do laudo está se referindo para justificar, até porque não estamos falando de qualquer apreensão, mas da maior apreensão de madeira da história. Não se pode ser leviano, irresponsável em três linhas decidir isso. Que conversa é essa?”, questiona.

Alvo e favorecimento

Além de parte da madeira, Ney Bello liberou documentos, caminhões, balsas e outros bens móveis da MDP que também foram apreendidos. Vale lembrar que Bello é um dos nomes cotados para ocupar a vaga aberta no Supremo Tribunal de Justiça (STJ). A escolha fica por conta do presidente Jair Bolsonaro, em fevereiro, a partir de uma lista feita pelos ministros do tribunal.

“Chegou uma liminar para mim de R$200 mil por dia para eu devolver o maquinário e a madeira. Chegou tanto para mim e quanto para os três agentes que estavam lá no local e não entreguei, porque era um juiz do Pará que estava de férias dando uma liminar. Acho que esse pessoal não entendeu que sou um funcionário público honesto. Duzentos mil reais na minha conta? Não vai acontecer. Então não foi, não é a primeira vez. Esse juiz foi até agora afastado pelo CNJ”, conta o delegado ao se referir ao afastamento do juiz federal Antônio Carlos Campelo.

Ano difícil para a Amazônia

Saraiva também comenta que 2022 não será um ano fácil para a Amazônia ao longo da gestão Bolsonaro, ele menciona o desmonte de alguns órgãos como o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBIO), importantes ferramentas de fiscalização.

“O Ibama que eu sempre ressalto é o órgão mais importante para defesa da Amazônia. Foi completamente desarticulado. Este ano é um ano eleitoral. A gente sabe como funciona a política na Amazônia, é legal nessa relação de compra de votos, né? Isso existe no Brasil inteiro, mas na Amazônia tem uma outra dinâmica em razão da geografia, isso tem que ser problemático e a perspectiva de ser o último nome desse governo pode fazer com que esses criminosos tentem o máximo de caixa possível e vão agir como se fosse o último ano”, avalia.

Perspectivas ambientais

O ex-superintendente da Polícia Federal avalia essa política ambiental para os próximos quatro anos. Na leitura de Alexandre Saraiva, para o próximo governo é essencial a fiscalização ativa do desmatamento emitida pelos Estados. Segundo Saraiva, o controle mais rígido do documento de origem florestal já traria resultados positivos.

“Com isso, a gente resolve 80% do problema. O que toda madeira precisa é do DOF [Documento de Origem Florestal]. Senão, não tem como movimentar. Eu já contei essa história. Imagina uma empresa que vende carro furtado, roubado, ela só consegue vender se ela tiver um esquema lá que consiga no Detran um ‘verdinho’ para colocar ali. Na madeira, a mesma coisa, não adianta ele tirar a madeira se ele não te der o DOF. Então se a gente controlar o DOF, a gente controla a madeira, fiscalização, rodovias, mortos e nós resolvemos 90% do problema”, explica.

Embora tenham sido anos difíceis, Alexandre demostra ter esperança em dias melhores para a região. “Nós temos tecnologia de monitoramento por satélite para fiscalizar, então nós temos todo o aparato tecnológico para resolver o problema, é possível dar governança à Amazônia. O que nos falta é a vontade política. Eu acho que o próximo governo, se Deus quiser, vai entender essa mensagem e nós teremos um futuro melhor para Amazônia”, finaliza.

Parte da floresta amazônica desmatada (Reprodução: Carlos Fabal / AFP)

Operação ‘Handroanthus’

A Operação ‘Handroanthus’ foi realizada em dezembro de 2020 pela Polícia Federal em conjunto com o Ministério Público Federal, na divisa dos Estados do Pará e do Amazonas. Vale ressaltar que mais de 200 mil metros cúbicos no valor de R$ 130 milhões de madeira foram apreendidos durante a operação realizada no Pará.

Na ocasião, Alexandre Saraiva apontou o então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de interferir no caso e obstruir a investigação. Saraiva apresentou uma queixa-crime contra Salles e o senador Telmário Mota (Pros-RR), no dia 14 de abril, ao Supremo Tribunal Federal (STF), um dia depois do ministro se reunir com madeireiros do Pará em prol da liberação das madeiras apreendidas.

Seis dias após a apresentação da queixa contra Salles, o governo federal trocou a Superintendência da Polícia Federal no Amazonas, na ocasião, o delegado Leandro Almada da Costa substituiu Saraiva. Enquanto o ex-ministro pediu a exoneração do cargo, em junho de 2021, após rumores de que seria preso em Brasília.

Leia a decisão na íntegra.

*Colaborou Gabriel Abreu