https://portugues.medscape.com/verartigo/6503389
Batya Swift Yasgur,
28 de março de 2019
O açafrão (Crocus sativus L), uma especiaria conhecida e cara, é tão efetivo quanto o estimulante metilfenidato (MPH) no tratamento dos sintomas do transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) em jovens, sugere uma nova pesquisa.
Em um ensaio randomizado de seis semanas, uma equipe de pesquisadores da Tehran University of Medical Sciences, no Irã, constatou que não houve diferenças significativas na eficácia ou em eventos adversos no grupo açafrão comparado com o MPH.
“A partir deste estudo preliminar, o principal é que podemos considerar o açafrão como uma alternativa aos estimulantes em pacientes com TDAH”, disse ao Medscape o autor sênior, Dr. Shahin Akhondzadeh, Ph.D., farmacêutico e professor de psicofarmacologia clínica, Roozbeh Psychiatric Hospital, Tehran University of Medical Sciences, no Irã.
“No curto prazo, o açafrão demonstrou a mesma eficácia do metilfenidato, embora estudos maiores e controlados com períodos de tratamento mais longos sejam necessários para confirmar esses achados”, disse o Dr. Shahin.
O estudo foi publicado on-line em 11 de fevereiro no periódico Journal of Child and Adolescent Psychopharmacology.
“Vazio a ser preenchido”
O MPH, que costuma ser usado para tratar o TDAH, tem muitos efeitos colaterais, incluindo perda de apetite, distúrbios do sono e náuseas, explicaram os autores.
Além disso, aproximadamente 30% das crianças não respondem ao MPH, por isso a busca por estratégias de tratamento sem estes estimulantes.
“Muitos antidepressivos têm sido usados como tratamentos alternativos aos estimulantes em pacientes com TDAH que não toleram a ritalina ou não respondem a ela”, disse o Dr. Shahin.
No entanto, os antidepressivos também estão associados a eventos adversos e com resultados “frequentemente insatisfatórios”, segundo os autores.
Isso deixa um “vazio a ser preenchido por medicamentos alternativos, em especial os fitoterápicos”.
O açafrão tem sido usado tradicionalmente para uma variedade de fins medicinais, por causa de seus efeitos antiespasmódico, antisséptico, anticancerígeno e anticonvulsivante.
O açafrão e seus componentes ativos parecem aumentar a inibição da recaptação de dopamina e norepinefrina e são antagonistas do receptor do ácido N-metil D-aspártico (NMDA) e agonistas de GABA-α.
“Como você deve saber, meu país é o principal produtor de açafrão, cerca de 90% do açafrão é do Irã – de fato, o açafrão é uma erva persa, com uma história que remonta ao Império Persa”, disse o Dr. Shahin.
“Existem documentos importantes na medicina tradicional persa sobre os efeitos psicotrópicos do açafrão, mas também precisamos da medicina baseada em evidências na medicina tradicional.”
“Meu grupo de pesquisa no Roozbeh Psychiatry Hospital estudou os efeitos psicotrópicos do açafrão desde o início de 2000, e documentamos seus efeitos antidepressivos”, acrescentou.
Para responder a esta pergunta, os pesquisadores realizaram um estudo piloto randomizado, duplo-cego para comparar a eficácia e segurança de cápsulas de açafrão com MPH em um grupo de crianças em tratamento ambulatorial (de 6 a 17 anos).
Os pacientes precisavam ter pontuações totais e/ou na subescala da Attention-Deficit/Hyperactivity Disorder Rating Scale-IV (ADHD-RS-IV) de ≥ 1,5 com desvio-padrão (DP) acima do esperado para a idade e o sexo do paciente.
A ADHD-RS-IV para pais e professores foi administrado no início do estudo, e depois nas semanas 3 e 6.
Os pacientes (N = 54) foram randomizados para dois grupos paralelos (N = 27 por grupo). Destes, 25 pacientes em cada grupo completaram o estudo.
Um grupo recebeu MPH em dose inicial de 0,3 mg a 1 mg/kg/dia, que foi ajustada durante o ensaio.
O segundo grupo recebeu cápsulas de açafrão na dose de 20 mg a 30 mg/dia, dependendo do peso da criança.
Não houve diferenças significativas nas características básicas (por exemplo, idade e sexo) entre os dois grupos.
O custo é uma preocupação
Não foi observada diferença significativa nas pontuações da ADHD-RS-IV para pais no início do estudo entre os grupos açafrão e MPH (34,20 ± 4,69 vs.33,56 ± 6,48, respectivamente; diferença média, DM, de 0,64; intervalo de confiança, IC, de 95%, de – 2,58 a 3,86; t = – 0,400; gl = 48; P = 0,691).
Além disso, as medidas do modelo linear geral repetidas também não mostraram efeito significativo para o tratamento (fator entre indivíduos; F = 0,672; df = 1; P = 0,416).
Um cálculo de tempo x tratamento mostrou uma tendência semelhante dos dois grupos de tratamento ao longo do tempo, tanto na hiperatividade como na atenção.
Além disso, foi demonstrado um efeito significativo de ambos os tratamentos na melhora das pontuações da ADHD-RS-IV para os pais (P < 0,001).
Comparações post hoc da ADHD-RS-IV para os pais mostraram uma redução significativa já na semana 3 (P < 0,001) em ambos os grupos, e não houve diferença significativa entre os grupos de tratamento no desfecho (P = 0,975).
Achados semelhantes foram obtidos nas pontuações da ADHD-RS-IV para professores, sem diferença significativa nos escores totais no início do estudo entre os grupos açafrão e MPH (24,16 ± 8,32 vs. 23,64 ± 8,16, respectivamente; DM, 0,52; IC 95%, de – 4,16 a 5,20; t = -0,223; df = 48; P = 0,824), tempo para melhora e redução dos sintomas no desfecho.
Nenhum evento adverso grave foi registrado em nenhum dos pacientes, e eventos menos graves (por exemplo, cefaleia, boca seca, insônia, diminuição do apetite) foram semelhantes entre os dois grupos.
“Este estudo fornece evidências de desfechos satisfatórios com açafrão no tratamento do TDAH”, segundo os autores.
No entanto, o Dr. Shahin reconheceu que o custo do açafrão é uma preocupação.
“Embora o açafrão seja o tempero mais caro, a dose diária que usamos neste estudo é igual a 60 mg de açafrão puro”, explicou.
“Portanto, qualquer produto do Irã é mais barato do que os estimulantes comuns. Na Europa, o custo seria de cerca de um euro (R$ 4,42) para cada cápsula.”
Baseado em seus estudos anteriores, ele destacou que existem alguns produtos antidepressivos à base de açafrão disponíveis no Irã e na Europa.
Embora o açafrão esteja disponível como tempero nos Estados Unidos, “não há garantia de que ele terá o mesmo efeito medicinal se usado em uma refeição, já que o principal componente do nosso extrato é a crocina”, acrescentou.
Preliminar, mas promissor
Em comentários sobre o estudo para o Medscape, a Dra. Patricia L. Gerbarg, médica e professora assistente em psiquiatria clínica, New York Medical College, Valhalla, e o Dr. Richard P. Brown, médico e professor associado em psiquiatria clínica na Columbia University College of Medicine, Nova York, consideraram o estudo “confiável”, e disseram que se trata de um “ensaio clínico randomizado e bem-feito”.
Os autores “apropriadamente reconhecem que essa é uma evidência preliminar positiva, e que são necessários estudos adicionais para replicar essas descobertas iniciais muito positivas”, disseram ao Medscape,por e-mail, a Dra. Patricia e o Dr. Richard, que não participaram do estudo.
O estudo foi feito no Irã, “onde as populações étnicas podem ter variantes genéticas que lhes permitam responder de forma mais positiva ou mais robusta ao açafrão do que outras populações”, o que já foi “observado com outras ervas”.
Portanto, é “de especial importância replicar este estudo em uma população que não seja iraniana, para verificar a eficácia em outros países”, disseram o Dr. Richard e a Dra. Patricia, coeditores do livro Complementary and Integrative Treatments in Psychiatric Practice (Washington, DC: American Psychiatric Association Publishing; 2017), que tem um capítulo sobre o açafrão.
“Cada médico deve decidir se acha que essa evidência é promissora o suficiente para justificar um ensaio clínico com açafrão otimizado caso a caso, que leve em conta o fato de que há poucos efeitos colaterais do açafrão, então os riscos são mínimos”, disseram.
Além disso, “se o açafrão é benéfico, pode ser possível reduzir a dose ou interromper o uso de um estimulante prescrito, o que poderia poupar o paciente de efeitos colaterais”, acrescentaram.
Eles alertaram que os profissionais “devem conhecer como selecionar as marcas de açafrão de mais alta qualidade dentre as disponíveis”.
Os pesquisadores reconhecem que mais pesquisas são necessárias, incluindo estudos maiores controlados por placebo com períodos de tratamento mais longos em um “espectro mais amplo de pacientes com TDAH, incluindo aqueles com comorbidades, como transtornos de humor e ansiedade, problemas de sono e pacientes com TDAH do tipo desatento”.
O estudo recebeu subvenções da Tehran University of Medical Sciences. Dra. Patricia L. Gerbarg, Dr. Richard Brown e Dr. Shahin Akhondzadeh e os coautores informaram não ter conflitos de interesses relevantes.
J Child Adolesc Psychopharmacol. Publicado on-line em 11 de fevereiro de 2019. Texto completo