Se você tem dificuldade de imaginar como uma flutuação climática pode destruir uma civilização, imagine o que aconteceria em São Paulo se uma seca violenta fizesse com que os reservatórios de água que abastecem a cidade ficassem incapazes de enviar sequer uma gota para a cidade durante um ano. A população teria de ser realocada e provavelmente viveríamos uma crise política e econômica.
http://www.ecodebate.com.br/2013/02/08/seca-e-fim-da-civilizacao-maia-artigo-de-fernando-reinach/
Há anos historiadores suspeitam que uma seca extremamente violenta foi uma das causas da extinção da civilização maia. Agora, os cientistas conseguiram mapear as variações climáticas que ocorreram durante quase 2.050 anos – começando 40 antes do nascimento de Cristo e terminando em 2006 – e puderam correlacionar essas mudanças climáticas ao surgimento, apogeu e o desaparecimento da civilização maia.
A caverna de Yok Balum fica em Belize a 1,5 quilômetro de Uxbenká, uma cidade maia. Nas suas imediações, submetidos aos mesmo regime de chuvas, estão outros grandes centros da cultura maia. Essa caverna, localizada 366 metros acima do nível do mar, é rica em estalagmites.
As estalagmites surgem no solo das cavernas quando gotas de água caem do teto regularmente, exatamente no mesmo no mesmo local, durante milhares de anos. Cada gota contém minerais dissolvidos na água. Quando a água da gota evapora, os minerais se depositam no topo da estalagmite.
Imagine que a cada hora uma gota de água caia no topo da estalagmite e evapore, adicionando uma nova camada de minerais. Imagine agora que esse processo ocorra ininterruptamente durante milhares de anos. O resultado é a formação de uma estrutura na forma de dedo (algumas têm metros de altura) onde cada camada contém os minerais presentes na gota d’água que caiu naquela hora, daquele dia, daquele ano. Por esse motivo, as estalagmites são um registro temporal extremamente confiável do clima de uma região.
Em 2006, cientistas coletaram uma estalagmite de 56 centímetros de comprimento na caverna de Yok Balum. Os 45 centímetros do topo da estalagmite foram fatiados como se fosse um salame. Cada fatia tinha 0,1 milímetro de espessura. Usando um método que mede a quantidade de urânio e tório, os cientistas puderam determinar a idade de cada uma dessas fatias. As mais de cima se formaram em 2006, antes da estalagmite ser coletada, mas as mais de baixo haviam sido formadas 40 anos antes de Cristo nascer.
Durante 2.050 anos, gota a gota, a composição da água que pinga nessa caverna estava registrada nesses 45 centímetros de estalagmite. De posse da idade de cada fatia, outra amostra de cada fatia foi utilizada para determinar a presença do isótopo 18 do oxigênio. Uma maior quantidade desse isótopo está relacionada a uma maior quantidade de chuva na época em que a fatia foi formada; uma quantidade menor do isótopo indica menos chuva.
Correlacionando os dados de idade e de quantidade de chuva em mais de 4,2 mil fatias, foi possível fazer um gráfico que indica quanto choveu, a cada semestre, naquela região desde 40 anos antes do nascimento de Cristo até o presente. As duas maiores secas que ocorreram na região após a chegada dos europeus (em 1535 e em cinco anos entre 1765 e 1800) aparecem claramente no gráfico.
O passo seguinte foi colocar no mesmo gráfico os diversos eventos da civilização maia. Lembre que os maias possuíam um sistema de calendário extremamente sofisticado, onde registravam os eventos políticos e a construção de pirâmides e outras obras.
O período áureo da civilização maia surgiu por volta dos anos 300, mas os centros urbanos e a construção dos monumentos se iniciou por volta do ano 400, após uma grande seca que ocorreu entre 400 e 425. Após essa seca, o número de cidades cresceu muito, atingindo o máximo por volta do ano 780.
Durante esses 360 anos, não houve secas na região. A primeira seca importante, que durou 15 anos, ocorreu em 820 e coincide com a não construção de novas cidades. Após essa seca, as chuvas voltaram em intensidade menor até o ano 910 e novas cidades apareceram nesse século. Uma seca forte que durou dez anos, iniciada em 910, marcou o fim das grandes construções.
A civilização maia ainda viveu na região até o ano 1000, quando veio o pior período de seca, que durou quase cem anos. Durante essa seca prolongada, o período clássico da civilização maia acabou e logo depois a cultura maia desapareceu.
Essa descoberta corrobora a suspeita levantada por historiadores que a falta de água foi um dos fatores que explicam o fim da civilização maia. Além de demonstrar que secas fortes e raras podem dizimar civilizações, esse trabalho é um bom exemplo de como estudos climáticos estão aos poucos sendo incorporados à história das civilizações.
No banho, enquanto ensaboa o cabelo com a torneira aberta, lembre que os maias, que reinaram por mais de 800 anos na região do México, tiveram as chuvas a seu favor durante 400 anos, mas bastou uma seca rara e forte para eles desaparecerem. A civilização ocidental descobriu a América e se instalou por aqui faz aproximadamente 500 anos – e, por enquanto, teve o clima a seu favor.
* Fernando Reinach é biólogo. E-mail: [email protected].
Artigo originalmente publicado em O Estado de S.Paulo.