Saúde: Ultraprocessados afetam coração e esperma mesmo sem excesso de calorias, diz estudo

Um jantar feito com alimentos ultraprocessados ​​servido aos participantes do estudo: macarrão cremoso com pedaços de bacon, fatias de frango e uma bebida de flor de sabugueiro, em 3 de março de 2022, na Faculdade de Medicina de Copenhague. 
UNIVERSIDADE DE COPENHAGUE

https://www.lemonde.fr/en/science/article/2025/08/30/ultra-processed-foods-cause-negative-health-effects-within-weeks-study-finds_6744861_10.html

Stéphane Foucart

30 ago 2025

[Nota do Website: Essa matéria sintetiza, ampliando os efeitos obre nossa saúde que os alimentos ultraprocessados, conhecidos também como junk food em inglês, causam. Parece que chegamos num ponto onde temos que definitivamente rejeitar, pessoal e coletivamente, essa opção que é muito mais de interesse das corporações do que de nossa saúde individual e de todos. Já que será difícil as autoridades que deveriam cuidar da saúde da população tomarem atitudes pelo banimento destes alimentos, façamos nós, então! Em caso triste se deu ainda neste ano ou na metade do ano passado, quando o congresso não permitiu que se desse um basta a esse crime, principalmente em relação às nossas crianças que são enfeitiçadas por esse simulacro de alimento].

Em um ensaio clínico semelhante aos usados ​​para testar medicamentos, cientistas estudaram os impactos na saúde de uma dieta rica em alimentos ultraprocessados. Os resultados mostram que diversos processos biológicos são afetados.

Os seres humanos não são adequados para alimentos industriais e ultraprocessados. Essa é a principal conclusão de um ensaio clínico publicado na quinta-feira, 28 de agosto, por uma equipe internacional de pesquisa no periódico norte americano Cell Metabolism. Liderado pelo biólogo Romain Barrès, pesquisador do Instituto de Farmacologia Molecular e Celular de Sophia Antipolis, o estudo confirmou muitas observações epidemiológicas recentes. Mais importante ainda, o estudo forneceu evidências substanciais de que alimentos ultraprocessados ​​(AUPs) são prejudiciais, independentemente da ingestão calórica. De acordo com essa pesquisa, que foi sem precedentes em sua metodologia meticulosa, os AUPs parecem ter um impacto profundo em muitos processos biológicos, incluindo ganho de peso rápido e significativo, saúde cardiometabólica deteriorada (funções cardíacas e metabólicas), equilíbrio hormonal interrompido e fertilidade masculina prejudicada.

“O consumo de alimentos ultraprocessados ​​aumentou significativamente em todo o mundo“, escrevem os pesquisadores. “Agora, representa mais de 50% da ingestão calórica no Reino Unido, Austrália, Canadá e Estados Unidos.” Dados da coorte epidemiológica Nutrinet mostram que cerca de 35% da ingestão calórica média francesa provém de AUTs — estes representam cerca de 80% do estoque de alimentos nos supermercados.

Os AUTs são obtidos por meio de processos industriais projetados para modificar sua textura, sabor ou prazo de validade, e contêm aditivos (emulsificantes, adoçantes, intensificadores de sabor, conservantes e sais de nitrito, açúcar invertido, etc.) que os indivíduos não podem obter comercialmente. Cereais matinais, nuggets e carnes processadas, macarrão instantâneo, sopas desidratadas, molhos, pães e biscoitos industriais, bebidas açucaradas ou sobremesas lácteas: o banco de dados Open Food Facts ajuda os consumidores a se orientarem, atribuindo a cada produto sua pontuação de processamento, de acordo com a escala NOVA, cujo quarto e último nível é o dos AUTs.

Resultados “interessantes e encorajadores”

A maioria dos estudos que estimam o impacto desses alimentos na saúde provém de estudos epidemiológicos que comparam o estado de saúde de populações que consomem muitos desses alimentos industrializados e de indivíduos que comem pouco ou nenhum. “A maioria desses estudos indica que as pessoas que consomem mais alimentos ultraprocessados ​​têm um risco aumentado de certos tipos de câncer, doenças cardiovasculares ou metabólicas, como diabetes ou obesidade, e até mesmo transtornos mentais“, explica Romain Barrès. “Mas esses estudos nem sempre permitem saber se é o próprio ultraprocessamento que representa um risco ou se são as quantidades excessivas consumidas a causa: sabemos que os efeitos desses alimentos na saciedade, por exemplo, induzem o consumo excessivo em comparação com produtos não processados. É essa pergunta, entre outras, que buscamos responder.”

Para sustentar a relação causal entre AUTs e doenças, os pesquisadores conduziram um ensaio clínico, semelhante aos realizados com medicamentos, no qual recrutaram cerca de quarenta pessoas. Inicialmente, as dietas dos participantes foram monitoradas por três semanas: alguns consumiram refeições com mais de 75% de ultraprocessados, enquanto outros receberam refeições compostas por alimentos não processados ​​ou minimamente processados, representando exatamente a mesma ingestão calórica. Após um intervalo de três meses, os participantes iniciaram a segunda fase do ensaio. Por mais três semanas, os papéis foram invertidos: aqueles que haviam recebido uma dieta ultraprocessada receberam uma dieta minimamente processada ou não processada, e vice-versa.

Este novo trabalho é considerado “interessante e encorajador” por Mathilde Touvier, pesquisadora da equipe de epidemiologia nutricional (INRAE, INSERM, CNAM, Universidade Sorbonne-Paris Nord), autora de inúmeros trabalhos sobre o tema e que não participou do estudo. “O número de ensaios clínicos randomizados que testam expressamente o impacto de uma dieta ultraprocessada em parâmetros de saúde, controlando o papel da ingestão calórica, é muito limitado no momento”, afirma a epidemiologista francesa, pesquisadora principal da coorte Nutrinet, cujos dados já sugerem que “os AUTs parecem ter um efeito além do seu perfil nutricional“.

Com grande parte dos vieses experimentais removidos, os pesquisadores avaliaram, desta vez, o efeito de três semanas de uma dieta ultraprocessada, com ingestão calórica constante. “Os resultados nos surpreenderam“, diz Barrès. “Não esperávamos efeitos dessa magnitude.” Primeira observação: em apenas 21 dias, a dieta ultraprocessada aumentou o ganho de peso em quase 1,5 quilo, principalmente em massa gorda, em comparação com uma dieta não processada ou apenas levemente processada. E isso, sem calorias adicionais. “De fato, as pessoas inscritas no estudo já tinham uma dieta altamente ultraprocessada em suas vidas diárias“, explica o pesquisador. “A diferença no ganho de peso entre os grupos é, na verdade, explicada pela perda de peso entre os indivíduos que foram levados em nosso experimento a reduzir o nível de processamento em sua dieta.”

A biologia dos indivíduos foi interrompida

Essa parte “visível” do efeito dos AUTs está associada a mudanças na biologia dos indivíduos. Os níveis de colesterol, por exemplo, são afetados, ligados a uma diminuição na concentração de hormônios envolvidos no metabolismo energético – ou seja, na capacidade do corpo de “queimar” gorduras e açúcares. Os autores também mediram uma tendência à diminuição dos hormônios envolvidos na espermatogênese e à redução da motilidade espermática – quando a dieta ultraprocessada é combinada com um excesso de calorias.

Uma das vias explicativas abertas pelo ensaio é o aumento do teor de certos contaminantes em alimentos ultraprocessados. Os pesquisadores mediram, assim, uma tendência de aumento na concentração sanguínea de um plastificante – um ftalato (cx-MINP) conhecido por ser um disruptor endócrino – no final da transição para uma dieta dominada por AUTs. “Essa contaminação pode vir tanto das embalagens plásticas em contato com os alimentos quanto dos numerosos processos de transformação que aumentam o risco de contaminação dos produtos acabados por poluentes industriais ”, explica Romain Barrès. Por outro lado, os autores mediram uma concentração maior de “químicos eternos/forever chemicals” (PFAS, para “substâncias perfluoroalquílicas e polifluoroalquílicas”) nos participantes, no final da dieta minimamente processada – uma medição que os pesquisadores não conseguem explicar, “talvez ligada ao método de preparação de refeições não processadas pela empresa com a qual trabalhamos”, sugere o Sr. Barrès.

Mais surpreendentemente, uma queda na concentração de lítio também é induzida pela dieta ultraprocessada. “No entanto, o lítio é um regulador do humor “, lembra Romain Barrès. ” É possível que isso desempenhe um papel nos transtornos depressivos associados ao consumo de alimentos ultraprocessados.” Em 2024, no British Medical Journal, uma equipe internacional sintetizou os estudos observacionais disponíveis, observando não apenas associações entre o consumo de AUT e doenças cardiovasculares, distúrbios metabólicos, cânceres, mortalidade por todas as causas, etc., mas também uma ligação com síndromes depressivas.

Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, setembro de 2025