Saúde: Por que a incidência de câncer entre jovens adultos está aumentando?

https://portugues.medscape.com/viewarticle/incid%C3%AAncia-cncer-entre-jovens-adultos-est%C3%A1-2025a1000vaf

Washington Castilhos

12 nov 2025

[Nota do Website: Notícia por demais triste! Pessoas jovens com vários tipos de câncer! Será que não dá para se supor de que há muito veneno em nossas vidas que estejam realmente envenenando a sociedade? E o mais intrigante é estarem jovens em proporções cada vez maior sendo atingidos por esses males. Novamente não é compreensível de que há muita violência de contaminantes ambientais que vão se somando e minando desde a fase fetal, as novas gerações? Por que estamos tão omissos e irresponsáveis com nossos descendentes ao permitirmos e pior, não fazendo nada coletivamente contra os assassinos das corporações que parecem não ter filhos e netos, como nós, a quem cuidar?].

Quando a chef de sushi Beatriz Suzuki começou a sentir os primeiros sintomas do câncer de intestino, ela não acreditou que pudesse estar com a doença. “Aos 22 anos, jamais imaginava que ia ter qualquer doença do tipo. Como o sangramento [ao evacuar] acontecia só de vez em quando, ignorei”, lembrou ela durante o XXVI Congresso Brasileiro de Oncologia Clínica (SBOC 2025).

Só aos 24 anos ela buscou investigar o problema, depois de começar a sentir fadiga e a perder peso sem motivo. Sem qualquer caso deste tipo de câncer na família, Beatriz foi diagnosticada aos 25, quando estava no último ano da faculdade de direito e tinha acabado de conseguir um estágio em um escritório de advocacia. A partir daí, sua jornada como paciente oncológica teve muitos desafios. 

O caso de Beatriz reflete uma tendência global: dados internacionais indicam um aumento de quase 80% na incidência global de novos casos de câncer entre adolescentes e jovens adultos (de 15 a 39 anos) (nt.: destaque em negrito do website para destacar tanto o percentual como a faixa etária. Dramático e triste) nas últimas três décadas, geralmente sem que tenham história familiar da doença. 

São diversos os fatores de risco relacionados. “Estamos observando um retorno do tabagismo, com a utilização de cigarros eletrônicos e vape pela população jovem, que também está tendo acesso à ingestão alcoólica mais precocemente. Aliam-se a isso fatores como sedentarismo e obesidade, este último diretamente relacionado a 13 tumores, entre eles câncer de mama, de endométrio e de intestino”, afirmou ao Medscape o Dr. Cristiano Resende, um dos diretores da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC).

Comumente, os diagnósticos precoces de câncer em pessoas mais jovens são associados a fatores genéticos, como mutações nos genes BRCA1 e BRCA2, ligadas ao câncer de mama. No entanto, na maioria dos pacientes adolescentes e jovens adultos, os tumores não estão relacionados à predisposição genética. O tema foi destaque no primeiro dia do congresso.

Os chamados casos esporádicos de câncer, como o de Beatriz, ocorrem sem uma causa genética clara ou história familiar documentada da doença. Eles representam a maioria dos diagnósticos de tumores — de 85% a 90% do total.

Os tipos de câncer mais comuns

No Brasil, são quatro os tumores com maior incidência entre adolescentes e jovens adultos: câncer de mama, de colo de útero, de tireoide e colorretal. Dados apresentados no congresso da SBOC pela Dra. Beatriz de Camargo, ex-diretora de oncologia pediátrica do A.C.Camargo Cancer Center e pesquisadora do Instituto Nacional do Câncer (INCA), informam que, na última década, a incidência mediana do câncer nessa população foi de 23,4 por 100 mil habitantes no Brasil. 

Relativamente aos quatro tipos mais comuns nessa faixa etária, estudos populacionais realizados na década de 2010 pelo INCA indicam que a incidência masculino/feminino do câncer colorretal variou de 4,8 a 9 por 1 milhão de habitantes. Em relação ao câncer de mama, a incidência mediana entre pessoas de 15 a 29 anos variou de 1,3 a 2,3 por 100 mil. Quanto ao câncer de colo de útero invasivo, foi de 3,6 por 100 mil em 2016. 

“Os dados sobre o câncer de colo de útero refletem um período importante, que vai desde a implantação da vacinação contra o HPV, em 2014, ainda no modelo de duas doses. Considerando que a primeira dose obteve apenas 50% de cobertura no período, é um número muito baixo”, avaliou a Dra. Beatriz.

De fato, de acordo com a Universidade Aberta do Sistema Único de Saúde (UNA-SUS), até agosto de 2015, cerca de 2,5 milhões de meninas de 9 a 11 anos haviam sido vacinadas contra o HPV, o que representava 50,4% do público-alvo. Desde então, as taxas de cobertura vacinal contra o HPV no Brasil têm apresentado flutuações e algumas quedas significativas, intensificadas durante a pandemia de covid-19. 

Para a Dra. Beatriz, entre os quatro tipos de câncer com maior incidência, o de mama é o mais preocupante. “Ele tem muita importância, porque é o mais agressivo, por isso o rastreamento está se antecipando. Antes [começava a ser] feito aos 50 anos e agora já está nos 40. Sendo um câncer curável, diminui muito o risco de morte se detectado precocemente”, disse a oncologista pediátrica.

A recomendação atual do INCA e do Ministério da Saúde é que o rastreamento com mamografia seja iniciado aos 40 anos , especialmente para mulheres com maior risco. 

Especificidades genéticas dos adultos jovens

Embora geralmente a maior parte dos casos de câncer sejam esporádicos (de 85% a 90%) e apenas 10% sejam mais associados a fatores genéticos, no caso de adolescentes e jovens adultos o fator hereditário pode alcançar um percentual um pouco maior — de até 12%. 

“Para uma paciente jovem com câncer de mama, por exemplo, as chances da hereditariedade são maiores”, afirmou a Dra. Andreza Souto, membro do Comitê de Oncogenética da SBOC. “Esses casos podem ser relacionados a subtipos mais agressivos e, como uma paciente de 28 ou 35 anos tem a vida pela frente, se seu câncer é por mutação genética, as chances de ela ter nas duas mamas são maiores também.”

Normalmente, os tumores hereditários são mais agressivos, com pior prognóstico. Assim, avaliou a Dra. Andreza, quanto mais cedo o médico tiver essa informação, melhor. “Muitos não sabem que [mutação no gene] BRCA está associada a reserva ovariana menor, o que faz com que essa paciente tenha menos óvulos e maior dificuldade de engravidar. Então, talvez seja preciso engravidar mais cedo. Se ela fizer a quimioterapia, terá mais chance de ficar infértil, então precisamos lançar mão de opções reprodutivas, como o congelamento dos óvulos”, explicou.

Assim, a médica ressaltou que toda paciente com diagnóstico da doença até os 35 anos, independentemente da história familiar, deveria fazer o teste genético para saber se é portadora de alguma mutação genética, uma vez que nem sempre é possível identificar essas pessoas pela história familiar. 

“Eu tenho uma paciente com câncer de mama [diagnosticado] aos 28 anos, cuja mãe morreu aos 44 com câncer de mama bilateral. Ela tem oito casos de familiares maternas com a doença. A testagem genética completa não encontrou nenhuma alteração. Posso dizer que este teste dá 100% de certeza? Não, porque pode haver outros fatores hereditários que não descobrimos nos testes habituais. Então o manejo foi feito considerando a história familiar, optamos pela retirada das mamas”, relatou a Dra. Andreza.

A oncologista clínica relatou as principais síndromes hereditárias em adultos jovens e os genes associados a elas. Para o câncer de mama e ovário, além das conhecidas mutações em BRCA1 e BRCA2, outro gene relacionado é o TP53. Enquanto as mutações de BRCA 1 e 2 respondem por 50% dos casos no Brasil, as do TP53 são as mais comuns no país: estão associadas a 11% dos casos. Destes, 70% são relacionados à [mutação] R337H, variante fundadora brasileira encontrada [principalmente] nas regiões Sul e Sudeste. “Nessas regiões, em torno de 1 a cada 30 nascidos vivos vai ter essa mutação. Ela dá muito câncer antes dos 30 anos”, afirmou a médica. 

O câncer colorretal, por sua vez, está relacionado a mutações nos genes MLH1, MSH2, MSH6 e PMS2, que também podem estar por trás dos tumores de endométrio, ovário, estômago e intestino delgado.

Transição

“Para o câncer se desenvolver no adolescente ou no jovem adulto, é preciso que haja um fator de risco na infância que começa a atuar lá atrás. Quando um adolescente tem câncer aos 15 anos, por exemplo, ele traz o sedentarismo e a obesidade dessa infância inteira, porque o câncer não é assim imediato”, ressaltou a Dra. Beatriz.

Um dos problemas então é: na transição entre infância e adolescência, qual especialista procurar se houver suspeita de câncer? 

“Estamos falando hoje de uma nova subespecialidade. Essa já era uma lacuna da oncologia, porque os jovens adultos são pacientes que têm peculiaridades. Do ponto de vista biológico, não é a mesma doença da criança nem do adulto. Então, temos que estar conectados à oncopediatria e à oncologia clínica, para que essa transição seja o mais leve possível para o paciente e que ele não sofra nenhum prejuízo no cuidado”, avaliou a Dra. Viviane Sonaglio, ex-coordenadora de oncologia pediátrica na Rede D’Or de São Paulo. 

Segundo ela, outro desafio é a inclusão desse grupo de pacientes em estudos clínicos. “Hoje, na pediatria, quando o paciente é diagnosticado precocemente e é tratado em um centro de referência para crianças, temos uma chance de 80% de cura. Mas não vemos esse ganho de sobrevida no grupo de adolescentes e adultos jovens. Precisamos de mais estudos para entender as peculiaridades desses pacientes e conseguir oferecer um tratamento otimizado”, afirmou a Dra. Viviane.

Para a médica, é preciso conectar as práticas de diferentes áreas. “A oncopediatria e a oncologia clínica têm modelos diferentes de atendimento, sendo uma centrada na família e outra mais nas demandas do paciente. Então, a conexão [entre elas] será o modelo ideal”, concluiu.

No Brasil, a Autorização de Procedimentos Ambulatoriais de Alta Complexidade (APAC) — documento eletrônico do SUS para registro de tratamentos de alta tecnologia e custo elevado — autoriza a oncopediatria a receber pacientes oncológicos com idade até 19 anos, às vezes podendo se estender mais. A partir daí, os pacientes são geralmente encaminhados para o atendimento oncológico adulto.

Ressignificando a doença 

Assim que soube do câncer de intestino, a primeira coisa que a chef Beatriz fez foi abrir suas redes sociais e procurar alguém com o mesmo diagnóstico. “Não encontrei ninguém, e aí pensei: ‘Cadê esse pessoal para me dar esperança, para me inspirar, para eu tirar uma dúvida sobre o processo do tratamento? Durante todo o tratamento, eu seguia sozinha, com o amparo de pacientes com outros tipos de câncer”, lembra. 

Ela iniciou o tratamento em 2018, no Hospital de Câncer de Barretos (SP). Seu caso foi cirúrgico, mas, após uma complicação, teve de usar uma bolsa de ostomia. “Quando acordei ostomizada, fiquei pensando como seria a minha vida a partir dali, se eu conseguiria voltar a socializar. Depois, como eu não estava respondendo bem à quimioterapia, o médico colocou tudo na balança e achou melhor suspender [o tratamento quimioterápico]. E daí veio a insegurança dessa suspensão, porque eu via histórias de [pacientes em] quimioterapia, pessoas que estavam terminando o tratamento…”

Beatriz lembra que precisou de muito diálogo com os médicos para se sentir segura. Para auxiliar pessoas que enfrentavam uma situação semelhante à sua, começou a compartilhar sua experiência e a se conectar com pacientes com câncer colorretal e seus familiares. Ela criou em uma rede social um grupo de apoio exclusivo para pacientes com câncer de intestino, chamado Papo Reto. “Justamente para eles se sentirem amparados, acolhidos, ouvidos, e para levar informação de qualidade”, diz. 

Em 2019, ela tirou a bolsa de ostomia, fez a reversão e iniciou o processo de acompanhamento. Em 2023, teve alta e atualmente segue em remissão total.

Outro paciente jovem sobrevivente do câncer, o profissional de educação física Isaac Soares do Nascimento, de 36 anos, membro do Comitê de Pacientes do Instituto Oncoguia, foi diagnosticado aos 19 anos com câncer de testículo — tipo raro de tumor —, também sem história familiar da doença. Teve metástase nos dois pulmões e na região do abdome. 

“Estava no auge dos sonhos, no início da faculdade e no serviço militar, já trabalhando em academia. De repente, fui impedido de seguir esses projetos. Naquele momento, fiquei com medo e achei que ia morrer”, lembra. “Perdi massa muscular, tive muita fadiga e, dependendo da alimentação, ficava mais enjoado. A jornada do paciente oncológico envolve muitos sentimentos. Precisamos do apoio familiar, de estratégias nutricionais, apoio psicológico.” 

Após um ano de tratamento, entre a quimioterapia e algumas cirurgias, Isaac voltou para a faculdade, conseguiu se formar e se especializou em oncologia. 

A maior ameaça da doença, lembra ele, era a de interferência na sua capacidade reprodutiva, uma vez que pretendia ser pai. Assim, antes mesmo de começar a quimioterapia, em 2008, decidiu congelar o sêmen. “Durante a quimioterapia, podia acontecer de eu ficar infértil”, diz. “Então, precisamos alertar outros pacientes jovens e mais velhos, que queiram manter esse sonho ativo, que é possível. Basta a orientação médica certa.”

Por meio da fertilização in vitro, Isaac é hoje pai de um menino de três anos. Conhecido nas redes sociais como Isaac Wellness, ele fundou o Clube Oncológico, programa online voltado para a reabilitação de pacientes que estão em tratamento para o câncer.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *