Saúde: Ondas de calor e secas são uma bonança para empresas de ‘junk food’

Healthy And Junk Food

https://www.nytimes.com/2024/08/08/opinion/climate-change-junk-food.html

Lindsey Smith Taillie, professora associada de nutrição na Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill.

08 de agosto de 2024

[NOTA DO WEBSITE: Matéria que nos mostra a monstruosidade do mundo corporativo que domina a alimentação dos ultraprocessados, tem feito com a humanidade. E isso já vem de longa data. Quem quiser e não conhece, acesse o texto deste mesmo periódico New York Times, “A Extraordinária Ciência de Viciar em Junk Jood” para saber quem são estas empresas. Apropriando-se destas informações entenderá o que a professora e articulista deste clamor, está nos relatando. É algo dramático como a ideologia do capitalismo indigno e cruel tomou conta dos corações e mentes dos CEOs, acionistas, cientistas corporativos e mesmo dos políticos e administradores públicos que são coniventes com estes ‘empreendedores’ da doença e da dor da sociedade planetária, indefesa e ignorante de sua própria vida].

Este ensaio faz parte de What to Eat on a Burning Planet, uma série que explora ideias ousadas para garantir nosso suprimento de alimentos. Leia mais sobre este projeto em uma nota de Eliza Barclay, editora de clima da Opinion.

É difícil encontrar água potável em La Guajira, uma península árida no norte da Colômbia, onde a seca e o uso excessivo estão sugando poços e pequenos reservatórios.

Quando não há água, as pessoas recorrem aos refrigerantes.

Nas últimas duas décadas, conforme as mudanças climáticas pioraram, as vendas dispararam na Colômbia, com empresas de junk food (nt.: tratado entre nós de ultraprocessados) promovendo  fortemente seus produtos para crianças. Em 2017, o maior fabricante de refrigerantes do país deu bebidas de frutas açucaradas gratuitas para milhares de jovens em La Guajira sob o pretexto de acabar com a desnutrição. Em 2020, as crianças ainda tinham uma taxa de mortalidade por desnutrição seis vezes maior que a média nacional.

Como pesquisadora global de nutrição, ouço frequentemente sobre empresas alimentícias impulsionando suas campanhas de marketing para bebidas açucaradas e alimentos ultraprocessados, como biscoitos e bolachas pré-embalados, à medida que as mudanças climáticas interrompem o fornecimento de alimentos e água. O que está claro é que as empresas estão tirando vantagem da piora das condições ambientais para aumentar seus lucros. Para evitar uma grande crise de saúde pública, os governos terão que dobrar seus esforços para garantirem que todos tenham acesso a alimentos saudáveis ​​e água limpa.

É fácil entender porque comunidades pobres podem vir a depender de alimentos ultraprocessados. Em Sundarbans, uma grande floresta de manguezal na Índia e Bangladesh, geógrafos documentaram como o aumento do nível do mar, mudanças nas chuvas e ciclones mais intensos devastaram a pesca e a agricultura tradicional. Pais que são forçados a sair para encontrar trabalho então enviam dinheiro para seus filhos comprarem comida, que eles frequentemente usam para comprar lanches e bebidas embalados, uma das poucas fontes de conforto ou prazer que eles podem pagar.

Graças às mudanças climáticas, alimentos frescos são frequentemente difíceis de encontrar, e mesmo quando você consegue encontrá-los, sem água, é difícil cozinhá-los, tornando os alimentos embalados e rápidos, mais atraentes. Temperaturas mais altas também fazem com que os alimentos frescos estraguem mais rápido.

Misturas em pó para sucos e refrescos, sopas enlatadas ou barras de granola podem parecer a solução ideal: elas contêm conservantes para evitar a deterioração e, diferentemente dos alimentos produzidos localmente, são feitas por grandes empresas multinacionais que podem obter ingredientes do mundo todo. No Sudeste Asiático, as pessoas me disseram que acham que alimentos embalados são saudáveis ​​precisamente porque são menos propensos a estragar. Isso pode criar uma forte afinidade que é difícil de quebrar (nt.: poucas vezes nos damos conta de que aquilo que não ‘estraga’, deve estar impregnado de conservantes que nada mais são do que venenos que impedem que a vida se manifeste. Ou seja, se ‘mata’ a vida que poderia digerir o ‘alimento’, provavelmente também irá ‘matar’ a nossa flora intestinal que deveria digerir o que se come. Não parece lógico?).

A indústria alimentícia correu para capitalizar as oportunidades oferecidas pelas mudanças climáticas. Durante as ondas de calor, as empresas frequentemente liberam uma enxurrada implacável de anúncios na televisão, outdoors e online, muitos deles para bebidas açucaradas e junk food (nt.: ou seja, ultraprocessados). Na Holanda, o McDonald’s criou um outdoor sensível ao calor que distribuía vouchers gratuitos do McFlurry quando o calor ultrapassava 101,48 graus Fahrenheit, ou 38,6 Celsius. Na Índia, durante a onda de calor extremo no início deste ano, as empresas de sorvete criaram novos sabores e começaram a vendê-los online para impulsionar as vendas. Em Bangladesh, os anúncios mostravam pessoas cercadas por chamas laranja, suando. “Não importa o quão quente esteja”, dizia um slogan, ” apenas fique fresco com Sprite!” Em outros países, como Austrália e México, a pesquisa encontrou uma ligação entre o calor e a ingestão de refrigerantes e álcool.

Quando um desastre natural acontece, muitas dessas empresas alimentícias estão à disposição para entregar ajuda alimentar de emergência. Após as recentes enchentes no Rio Grande do Sul, Brasil, alguns moradores relataram ter recebido grandes quantidades de biscoitos e salgadinhos do governo. Na África do Sul, a Coca-Cola e a Tiger Brands, a maior fabricante de alimentos do país, entregam produtos embalados gratuitamente a dezenas de milhares de pessoas que precisam de assistência alimentar.

As empresas alimentícias frequentemente alegam estar combatendo os efeitos das mudanças climáticas. Durante anos, a Coca-Cola realizou campanhas promovendo seus esforços na proteção da água. Mas isso é principalmente marketing: desde pelo menos o início dos anos 2000, da Índia ao México e à África do Sul, a Coca-Cola tem sido acusada de extrair água de áreas propensas à seca. A empresa alega que devolve 94% da água que usa para a natureza, mas o processo ainda é incrivelmente intensivo em água: um artigo de 2010 estimou que são necessários centenas de litros de água para produzir apenas um litro de uma bebida gasosa/carbonatada e açucarada padrão.

Os governos começaram a reagir. No início deste ano, na Austrália Ocidental, após protestos públicos sobre o uso de água pela Coca-Cola durante uma seca, o ministro local da água anunciou que a empresa suspenderia temporariamente a extração de água subterrânea.

Ações como essas são importantes, mas também mostram que simplesmente pedir às empresas que mudem, não é suficiente. Os governos devem fazer mais para garantirem que os alimentos ultraprocessados/junk food ​​não sejam a única opção em um mundo em aquecimento. Primeiro, os países podem garantir o direito à água limpa e à alimentação saudável, o que cria uma base legal para regulamentações futuras. Políticas como impostos, rótulos de advertência e restrições de marketing também ajudariam a reduzir o consumo de alimentos ultraprocessados ​​e impediriam que as empresas empurrassem esses produtos para crianças.

Para garantirem acesso a alimentos saudáveis ​​e água, as escolas são um ótimo ponto de partida. O programa de alimentação escolar do Brasil, que fornece refeições para 40 milhões de crianças todos os anos, exige que 75% dos alimentos sejam frescos ou minimamente processados; pelo menos 30% têm que vir de pequenas fazendas familiares, disse-me um pesquisador. Investimentos em água, saneamento e higiene também deram às crianças acesso à água potável nas escolas. Em La Guajira, o governo colombiano está trabalhando com organizações sem fins lucrativos para reconstruir a infraestrutura hídrica para fornecer água limpa às pessoas que vivem lá.

À medida que o clima extremo continua a prejudicar os suprimentos de alimentos e água, a indústria alimentícia provavelmente continuará bombardeando comunidades vulneráveis ​​com suas mensagens e produtos. Não há melhor momento para conter as vendas desses alimentos — o futuro mais quente só nos tornará ainda mais dependentes deles.

Tradução livre, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2024