
Um almoço escolar servido em uma escola primária no Colorado. (Crédito da foto: Amy Mund/USDA)
23 de abril de 2025
[NOTA DO WEBSITE: Uma situação que mostra como os alimentos ultraprocessados ou ‘junk food’, tomaram conta da alimentação global. E vai desde a mais tenra idade. Ou seja, no tempo mais importante para que as nossas crianças tenham um desenvolvimento integral saudável para uma melhor nação. Isso que é demonstrado aqui, nos EUA, é muito mais desleixado e incompreendido entre nós, no Brasil. A proposta que correu no Congresso Nacional para frear e mesmo barrar os ultraprocessados teve o lobby das mesmas corporações que atuam lá nos EUA e com isso, o apoio de vários congressistas, principalmente os ligados à bancada BBB (bíblia, boi e bala), conforme saiu na imprensa. Se lá é triste, aqui é dramático!].
‘A proibição de UPF/Ultraprocessed Food pode ajudar os alunos a se alimentarem melhor, mas somente se as escolas e os funcionários da cozinha escolar obtiverem o apoio necessário para ter sucesso com as mudanças.’
o mês passado, a Califórnia decidiu proibir alimentos ultraprocessados (UPF/ultraprocessed food) “particularmente nocivos” nas refeições escolares. Essa iniciativa é um tema polêmico em vários estados dos EUA e também tem boas chances de se consolidar em nível federal, visto que o Secretário do Departamento de Saúde e Serviços Humanos (HHS/Human Health Service), Robert F. Kennedy Jr., é claramente contra os UPF — e acaba de tomar medidas para eliminar gradualmente certos corantes alimentares, comumente usados em UPF.
Quero começar dizendo que sou totalmente a favor. Dirijo uma empresa de chefs que tenta ajudar programas de alimentação escolar em todo o país a abandonarem alimentos ultraprocessados e cozinharem mais do zero. Esta é a minha vida. Acredito sinceramente que devemos fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para garantirmos que as refeições que servimos aos alunos sejam preparadas com o máximo de cuidado possível, deliciosas e nutritivas.
Dito isso, o que parece uma mudança positiva é, na verdade, bastante complexo. Já existem muitas regras em vigor em relação à alimentação escolar — e essas regras, mesmo quando elaboradas com as melhores intenções, nem sempre levaram aos resultados mais positivos. A proibição de UPF pode ajudar os alunos a se alimentarem melhor, mas somente se as escolas e os funcionários da cozinha escolar obtiverem o apoio necessário para o sucesso das mudanças.
“A lista de UPFs proibidos se tornará tão exaustiva que os programas de alimentação escolar, que já lidam com diretrizes nutricionais, ficarão completamente incapazes de preparar refeições que os alunos queiram comer todos os dias?”
Deixe-me dar um exemplo de como é difícil para as escolas lidarem com mudanças nas diretrizes e explicarem por que eliminar os UPFs pode não ser tão simples quanto parece.
Quando as Diretrizes do Programa Nacional de Merenda Escolar entraram em vigor há cerca de uma década, elas exigiram muitas mudanças que, no papel, pareciam muito melhores para as crianças: mais frutas e vegetais, mais grãos integrais, menos sódio e gordura saturada.
Embora alguns estudos afirmem que a alimentação escolar melhorou, a maioria das pessoas que vivenciaram a mudança argumentaria que as refeições também se tornaram menos apetitosas, já que os programas escolares tiveram dificuldades para atender às diretrizes nutricionais dentro de seus orçamentos. Trabalhadores da cozinha viram muitas refeições indo para o lixo (embora o maior estudo do USDA sobre as mudanças tenha constatado que, embora as crianças jogassem fora mais vegetais do que qualquer outro alimento, o nível de desperdício permaneceu geralmente inalterado após a implementação dos padrões).
Além disso, cozinhar do zero tornou-se mais difícil, pois ficou muito complicado para as escolas cumprirem as novas regras. Antes das diretrizes, muitos funcionários da cozinha escolar costumavam assar e cozinhar proteínas eles mesmos. Agora, eles tinham que seguir diretrizes intimidadoras, monitorando o conteúdo nutricional de cada prato e avaliando os níveis de sódio, gorduras saturadas, calorias, tipos de vegetais e muito mais. Depois, as escolas tinham que garantir que as regras estivessem sendo seguidas, criando uma carga administrativa extra.
A maioria das escolas já oferecia alguns alimentos ultraprocessados pré-embalados — uma mudança que vinha acontecendo há décadas —, mas agora muitas mudaram seus modelos operacionais para oferecerem uma quantidade significativamente maior desses itens. Foi mais fácil para os grandes fabricantes de alimentos se adaptarem às novas diretrizes nutricionais do que para os programas de alimentação escolar, que contavam com poucos recursos.
Algumas escolas usaram as diretrizes como plataforma de lançamento para avançarem em direção a uma cozinha mais artesanal, mas muitas abandonaram essa prática, vendendo seus equipamentos de cozinha. Quando novas escolas foram construídas, suas cozinhas foram projetadas para aquecer alimentos pré-embalados, em vez de cozinhar refeições. Lentamente, mas com segurança, a infraestrutura de cozinhas em todo o país começou a desaparecer. Menos funcionários de cozinha eram necessários, e agora é comum ver modelos de trabalho em cozinhas escolares que incluem apenas um ou dois cargos em tempo integral, com o restante sendo funcionários em tempo parcial que trabalham apenas durante as refeições, para servirem comida.
Eliminar os UPFs da alimentação escolar exigiria um grande ajuste nos programas, à medida que eles descobrissem como reconfigurar os cardápios, as cozinhas e também a equipe.
O outro problema com os UPFs é que eles não são claramente definidos. Geralmente, são entendidos como alimentos (e ingredientes) criados com processos industriais não encontrados em uma cozinha doméstica, mas as interpretações variam. O projeto de lei proposto exige que os cientistas identifiquem os UFPs “particularmente prejudiciais” com base na inclusão ou não de aditivos proibidos ou restritos; se o alimento ou seus ingredientes estão associados a danos à saúde, como câncer, obesidade e diabetes, ou contribuem para o “vício alimentar”; e se o alimento é rico em gordura, açúcar ou sal.
A lista de UPFs proibidos se tornará tão exaustiva que os programas de alimentação escolar, que já lidam com diretrizes nutricionais, ficarão completamente incapazes de preparar refeições que os alunos queiram comer todos os dias?
“Será que realmente podemos ter mais escolas cozinhando do zero? Cozinhando refeições nutritivas e deliciosas? Refeições que as crianças gostem? Com certeza!”
O que aconteceria com o café da manhã escolar, por exemplo? Pão industrializado, assados e barras pré-fabricados, carnes pré-cozidas como linguiça e bacon, cereais matinais e muitos iogurtes saborizados poderiam ser considerados alimentos UPs. Mesmo os programas de alimentação escolar que preparam bastante do zero para o almoço ainda dependem desses itens em seus cardápios de café da manhã, porque normalmente toda a escola precisa ser alimentada em um intervalo de 20 a 30 minutos, e os itens preparados cabem no orçamento do café da manhã, que é aproximadamente metade do que as escolas recebem para o almoço. Sem mencionar que os cereais matinais costumam ser os únicos alimentos que muitos alunos comem pela manhã, mesmo que haja uma opção feita do zero disponível.
Meu palpite é que a definição de “UPF nocivo” provavelmente significará a eliminação de muitos dos itens pré-embalados e embalados individualmente, dos quais muitos programas de alimentação escolar dependem para elaborar seus cardápios. Os programas de alimentação escolar teriam que começar a depender da culinária propriamente dita.
Supondo que a proibição dos UPFs seja aprovada na Califórnia e comece a se consolidar em outros estados, será que realmente conseguiremos que mais escolas cozinhem do zero? Preparando refeições nutritivas e deliciosas? Refeições que as crianças apreciem? Com certeza!
Muitos distritos escolares já estão fazendo isso ou começaram a se esforçar para chegar lá. Só a Brigaid está trabalhando com 40 distritos escolares, representando mais de 850 escolas, para aumentar sua capacidade de cozinhar mais refeições do zero. Nosso trabalho está espalhado por oito estados, com a maior parte acontecendo na Califórnia, e cada distrito escolar está em um estágio diferente do processo — desde começar a deixar de servir principalmente alimentos pré-embalados (UPs) até já cozinhar uma boa parte de suas refeições do zero.
Com base em nossa experiência, o trabalho necessário para apoiar esse tipo de transição é relativamente simples, mas levará tempo e custará dinheiro. Muito tempo e muito dinheiro.
A infraestrutura (e os equipamentos) das cozinhas existentes nos distritos escolares precisariam ser avaliados para determinar suas capacidades atuais e como melhorá-las, tanto a curto quanto a longo prazo, para torná-las adequadas para o preparo de alimentos no local. Quaisquer novas cozinhas precisariam ser construídas com essa visão em mente.
Os funcionários do serviço de alimentação escolar precisariam ser treinados para que tivessem a habilidade e a confiança necessárias para prepararem uma variedade de alimentos. Esse treinamento deve ser realizado de forma consistente ao longo do tempo e sempre que novos sistemas operacionais forem implementados ou novas receitas forem introduzidas. Além do treinamento, à medida que mais pessoas cozinham, a carga horária diária também deve aumentar.
E, finalmente, os funcionários da alimentação escolar devem receber um salário por hora de acordo com a importância do seu trabalho; atualmente, muitos recebem menos do que os trabalhadores de fast-food — por prepararem comida que nutre as crianças todos os dias.
A maioria dos programas de alimentação escolar não tem condições de gastar mais do que o necessário para manter a operação diária. As escolas precisariam de financiamento adicional para implementarem essas mudanças, e por um período prolongado.
Embora o USDA/United States Department of Agriculture financie programas escolares, as agências estaduais distribuem esses fundos e podem complementá-los de diferentes maneiras. Alguns estados, como Nova York e Michigan, incentivaram programas de alimentação escolar a adquirir alimentos locais, aumentando o reembolso por refeição recebido. Incentivos semelhantes também poderiam funcionar para a redução de UPF: programas de alimentação escolar que se comprometessem a remover UPF de seus cardápios poderiam receber um reembolso maior por refeição.
Além disso, as escolas poderiam receber um montante fixo inicial para infraestrutura e treinamento, como tem acontecido na Califórnia nos últimos anos. O estado concedeu a cada escola participante do Programa Nacional de Merenda Escolar (National School Lunch Program) várias rodadas de verbas para Cozinha, Infraestrutura e Treinamento (KIT) , com base no tamanho do distrito, na necessidade e no número de refeições servidas. As escolas também podem optar por um montante fixo final se concordarem em preparar 40% de suas refeições de acordo com as diretrizes de “preparação na hora”, que enfatizam ingredientes integrais e minimamente processados.
Ao longo dos anos, em um esforço para tornar as refeições escolares mais saudáveis, dificultamos cada vez mais a alimentação adequada dos alunos pelos programas de alimentação escolar. Na verdade, dificultamos tanto que, em muitos casos, demos vantagem aos gigantes da indústria alimentícia, o que levou a um aumento no uso de UPF nas refeições escolares.
A proibição de alimentos ultraprocessados na merenda escolar teoricamente reduziria a presença dessas empresas no mercado de alimentação escolar, mas não conto com isso. As crianças precisam comer. Ou os distritos escolares vão cozinhar por conta própria, com mais ajuda, ou os grandes fabricantes vão descobrir como se adaptar às novas regulamentações e continuar vendendo alimentos processados para as escolas. Se não apoiarmos os programas de alimentação escolar, meu dinheiro estará nas grandes empresas alimentícias.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, abril de 2025