
https://www.thelancet.com/journals/lancet/article/PIIS0140-6736(25)01099-2/fulltext
Alice Streeta ∙ Anne Kveim Lieb ∙ Bruno J Strasserc ∙ Jeremy A Greened
a. School of Social and Political Science, University of Edinburgh, Edinburgh EH9 8LD, UK
b. Institute for Health and Society, University of Oslo, Oslo, Norway
c. University of Geneva, Geneva, Switzerland
d. Department of the History of Medicine, Johns Hopkins University School of Medicine, Baltimore, MD, USA
27 jun 2025
[Nota do Website: Sem dúvida que a pretensa comodidade do descartável em todas as áreas, destacando a da saúde, como frisado no texto, não pode mais justificar que justamente nesse setor haja o emprego de materiais tão ‘insalubres’ e agressores daquilo que pretensamente tentam evitar. Opções existem, o que deve ser alterado é a visão de mundo desta praticidade cruel que verdadeiramente o ‘descartável’ é].
Em todo o mundo, cerca de 16 bilhões de seringas de plástico e 15 bilhões de máscaras faciais são descartadas a cada ano.1,2 Desconhecido na primeira metade do século XX, a produção, a circulação e o descarte globais de plásticos médicos de uso único são hoje tidos como uma característica da medicina moderna. Mas as virtudes dos plásticos médicos têm um lado obscuro: para onde vão todos os itens descartados?3
Plásticos médicos de uso único emitem dioxinas e furanos (nt.: nunca esquecer que estas duas moléculas são as que geraram tragédias como a que até hoje vive o Sudoeste Asiático, em função da bomba química, sendo a mais notória conhecida como Agente Laranja) nocivos quando queimados (nt.: ousamos ampliar afirmando que não só quando queimados, mas a ciência e o mundo fático mostram que a sua simples presença já causa todos os efeitos dramáticos que se vê o povo vietnamita vivendo até os dias de hoje. Só que aqui é pela presença de produtos feitos com PVC), liberam substâncias químicas tóxicas em fontes de água e poluem os oceanos.4–6 Sua fabricação, transporte e incineração contribuem para as emissões de dióxido de carbono. Alguns dos materiais usados em plásticos para dispositivos médicos, como o di(2-etilhexil)ftalato (DEHP), foram classificados por agências reguladoras como um risco à reprodução e como possivelmente cancerígenos.7–9 O aumento do uso de plásticos de uso único contribuiu para a formação de microplásticos e nanoplásticos, que foram documentados em placentas, pulmões, leite materno e sangue.10 Além disso, os impactos ecológicos e de saúde da poluição por plásticos recaem desproporcionalmente sobre os locais de produção e descarte médico de plástico, afetando países e comunidades de baixa renda e acompanhando gradientes de raça, etnia, status de imigração e classe socioeconômica.
Nossos três ensaios sobre a arte da medicina, publicados na revista The Lancet 12–14, contribuem para o crescente reconhecimento internacional da necessidade de repensar a transição de dispositivos médicos reutilizáveis para dispositivos de uso único na área da saúde. Cada ensaio aborda um objeto descartável que se tornou indispensável na área da saúde moderna — o teste diagnóstico de uso único, a máscara descartável e a seringa de plástico — e questiona o que seria necessário para redesenhar esses dispositivos a fim de reduzir, reutilizar ou reciclar, rumo a uma economia mais sustentável para equipamentos e dispositivos médicos. Cada um desses ensaios é escrito por um historiador ou antropólogo em parceria com um químico ou engenheiro. Em conjunto, esses ensaios nos ajudam a vislumbrar uma infraestrutura biomédica menos prejudicial, com base em três insights cruciais.Em primeiro lugar, os cuidados de saúde atuais baseados em plástico são o resultado de decisões humanas, não um fato da natureza. Metodologias antropológicas e históricas revelam que valores como segurança, eficácia, conveniência e acessibilidade nunca são fixos, mas sempre contestados, negociados e em transformação. Profissionais da saúde, cientistas, fabricantes de dispositivos médicos, formuladores de políticas, organizações comunitárias e organizações não governamentais internacionais também estão começando a questionar as normas e o valor dos cuidados de saúde descartáveis e defendem mais pesquisa e investimento em produtos mais sustentáveis.15–17 Incorporando esse conhecimento, podemos começar a explorar a possibilidade de formas alternativas de ser no futuro.
O segundo ponto é que a matéria importa. A capacidade de reduzir, reutilizar ou reciclar um determinado dispositivo médico depende, em igual medida, dos valores, relações e pragmática que moldam o design, a implantação e a prática, por um lado, e das propriedades do material que afetam como um determinado polímero plástico pode ser reutilizável ou degradável, por outro. A capacidade de mover plásticos médicos para cima na hierarquia de resíduos, do aterro e da incineração, passando pela reciclagem e reutilização, até a redução do uso, é determinada por restrições sociais, econômicas, de infraestrutura e materiais.
Em terceiro lugar, precisamos construir mais coletivos interdisciplinares que combinem essas formas de questionamento do status quo com a concepção de futuros possíveis. Químicos e engenheiros estão desenvolvendo novos materiais e dispositivos reutilizáveis que se prestam à reutilização, à biodegradabilidade e à reciclagem.18 Mas, para serem bem-sucedidos e evitarem a repetição de erros do passado, esses desenvolvimentos criativos podem se beneficiar dos insights críticos oferecidos pelas ciências humanas e sociais, que podem revelar contingências onde outros veem inevitabilidade, políticas onde outros veem natureza e condições sociais estruturais onde outros veem oportunidade ou fracasso tecnológico.
Em três ensaios, focamos em diagnósticos, máscaras e seringas como produtos icônicos de uso único. Esses objetos foram centrais na resposta à pandemia de COVID-19 e são usados em esforços contínuos para controlar outros surtos de doenças. Eles também fazem parte da infraestrutura cotidiana da assistência médica em tempos mais cotidianos. Cada dispositivo oferece uma oportunidade distinta para explorar como as possibilidades sociais e materiais de materiais específicos limitam ou se prestam a tipos específicos de soluções. Coletivamente, nossos ensaios exploram como as possibilidades sociais e materiais de reduzir, reutilizar e reciclar plásticos médicos podem se manifestar de forma diferente em diferentes objetos cuja descartabilidade passamos a considerar garantida.
Referências
Lyu, L ∙ Bagchi, M ∙ Markoglou, N ∙ et al.
Towards environmentally sustainable management: a review on the generation, degradation, and recycling of polypropylene face mask waste
J Hazard Mater. 2024; 461, 132566 Crossref Scopus (56) PubMed Google Scholar 2.
WHO
Health-care waste
Date: Oct 24, 2024
Date accessed: May 19, 2025 Google Scholar
3. Borowy, I
Medical waste: the dark side of healthcare
Hist Cienc Saude Manguinhos. 2020; 27:231-251 Crossref Scopus (16) PubMed Google Scholar
4. WHO
Safe management of wastes from health-care activities, 2nd edn
Date: 2014
Date accessed: May 21, 2025 Google Scholar
5. Cook, E ∙ Woolridge, A ∙ Stapp, P ∙ et al.
Medical and healthcare waste generation, storage, treatment and disposal: a systematic scoping review of risks to occupational and public health
Critical Rev Environ Sci Technol. 2023; 53:1452-1477 Crossref Scopus (0) Google Scholar
6. Janik-Karpinska, E ∙ Brancaleoni, R ∙ Niemcewicz, M ∙ et al.
Healthcare waste— a serious problem for global health
Healthcare (Basel). 2023; 11:242 Crossref Scopus (0) PubMed Google Scholar
7. Gamba, A ∙ Napierska, D ∙ Zotinca, A
Measuring and reducing plastics in the health sector
Health Care Without Harm, 2021 ttps://europe.noharm.org/sites/default/files/public%3A//documents-files/6886/2021-09-23_Measuring-and-reducing-plastics-in-the-healthcare-sector.pdf
Date accessed: May 21, 2025 Google Scholar
8. Den Braver-Sewradj, SP ∙ Piersma, A ∙ Hessel, EVS
An update on the hazard of and exposure to diethyl hexyl phthalate (DEHP) alternatives used in medical devices
Crit Rev Toxicol. 2020; 50:650-672 Crossref Scopus (39) PubMed Google Scholar
9. Grosse, Y ∙ Baan, R ∙ Secretan-Lauby, B ∙ et al.
Carcinogenicity of chemicals in industrial and consumer products, food contaminants and flavourings, and water chlorination byproducts
Lancet Oncol. 2011; 12:328-329 Full Text Full Text (PDF) PubMed Google Scholar
10. Vethaak, AD ∙ Legler, J
Microplastics and human health
Science. 2021; 371:672-674 Crossref Scopus (624) PubMed Google Scholar
11. Fabricant, N
Fighting to breathe: race, toxicity, and the rise of youth activism in Baltimore
University of California Press, 2022 Google Scholar
12. Street, A ∙ Kersaudy-Kerhoas, M
Can plastic waste from point-of-care diagnostics be reduced?
Lancet. 2025; published online June 27. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(25)01334-0
13. Strasser, BJ ∙ Bucknall, D
Do medical masks have to be disposable?
Lancet. 2025; published online June 27. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(25)01332-7
14. Greene, JA ∙ Stringer, R
Why are plastic syringes not being recycled?
Lancet. 2025; published online June 27. https://doi.org/10.1016/S0140-6736(25)01333-9
15. Rizan, C ∙ Mortimer, F ∙ Stancliffe, R ∙ et al.
Plastics in healthcare: time for a re-evaluation
J R Soc Med. 2020; 113:49-53 Crossref Scopus (56) PubMed Google Scholar
16. Ongaro, AE ∙ Ndlovu, Z ∙ Sollier, E ∙ et al.
Engineering a sustainable future for point-of-care diagnostics and single-use microfluidic devices
Lab Chi. 2022; 22:3122-3137 Crossref PubMed Google Scholar
17. WHO
Global analysis of healthcare waste in the context of COVID-19: status, impacts and recommendations
World Health Organization, 2022 Google Scholar
18. Moshkbid, E ∙ Cree, DE ∙ Bradford, L ∙ et al.
Biodegradable alternatives to plastic in medical equipment: current state, challenges, and the future
J Composites Sci. 2024; 8:342 Crossref Scopus (11) Google Scholar
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, julho de 2025