
Yane Akay segura sua filha, Rany Ketlen, dentro de sua cabana durante uma missão de pesquisadores da Fiocruz, o instituto brasileiro de saúde pública, para investigar distúrbios de saúde entre indígenas Munduruku, potencialmente ligados à contaminação por mercúrio causada pela mineração ilegal de ouro, na aldeia Sai Cinza, município de Jacareacanga, estado do Pará, Brasil, em 19 de fevereiro de 2025. REUTERS/Adriano Machado
Ricardo Brito , Manuela Andreoni e Adriano Machado
01 nov 2025
[Nota do Website: Depois da tragédia japonesa de Minamata, nada mais há o que questionar de que o mercúrio utilizado, inconsequente e irresponsavelmente, no garimpo ilegal da Amazônia, seja o causador primeiro dessa atual tragédia amazônica. E como se sabe o mineral ficará, não sabe exatamente, por tempos imemoriais no ambiente. Será que uma alternativa é sabermos como vive a comunidade da baía de Minamata depois de tantas décadas da tragédia que abriu o conhecimento sobre a questão do mercúrio?].
Pesquisadores brasileiros da área da saúde pública encontraram evidências crescentes, no estado que sedia a COP30, de que o envenenamento por mercúrio proveniente da mineração ilegal de ouro tem causado problemas neurológicos e deficiências generalizadas em crianças indígenas.
No coração da Amazônia, mulheres indígenas dizem ter medo de engravidar.
Rios que antes eram a fonte de vida de seu povo agora carregam mercúrio proveniente da mineração ilegal de ouro, ameaçando a saúde de seus filhos ainda não nascidos.
“O leite materno já não é confiável”, disse Alessandra Korap, uma líder do povo Munduruku.
Em Sai Cinza, uma comunidade Munduruku cercada por minas ilegais, a família de Rany Ketlen, de três anos, luta para entender por que ela nunca conseguiu levantar a cabeça e sofre de espasmos musculares.
Os cientistas podem em breve ter uma resposta. Rany é uma das pelo menos 36 pessoas na região, a maioria crianças, com distúrbios neurológicos não explicados por testes genéticos, de acordo com dados preliminares de um estudo inovador sobre os impactos da contaminação por mercúrio.
Embora os cientistas tenham alertado sobre os riscos que o mercúrio pode representar para as crianças indígenas na Amazônia, nenhum estabeleceu uma relação causal com deficiências nessas comunidades, como este estudo poderá fazer em breve.

Coma o peixe envenenado por mercúrio ou passe fome.
O pai de Rany, Rosielton Saw, trabalha como mineiro perto da aldeia deles há anos, seguindo os passos de seu pai, Rosenildo.
Sentado na casa de madeira de um quarto da família, o homem mais velho disse que sabia que o mercúrio que eles usavam era perigoso.
Mas extrair cerca de 30 gramas de ouro por semana proporciona apenas “o suficiente para nos sustentarmos”, disse Rosenildo Saw.

A família come regularmente surubim, um peixe carnívoro que acumula mercúrio no bioma do rio. Rany Ketlen, que tem sérios problemas de deglutição, bebe o caldo do peixe.
Nos últimos anos, autoridades de saúde do governo relataram dezenas de outros pacientes na região mais ampla sofrendo de distúrbios semelhantes. Mas a falta de testes e o acesso limitado a cuidados médicos dificultam a obtenção de um panorama completo do problema ou o estabelecimento das causas exatas.
Agora, pesquisadores estão coletando dados sobre problemas neurológicos conhecidos por estarem associados ao envenenamento por mercúrio, que variam de malformações cerebrais agudas a problemas de memória, em um estudo de vários anos que será concluído até o final de 2026.
Os cientistas envolvidos na mais recente pesquisa ainda não publicada, apoiada pelo principal instituto de saúde pública do Brasil, afirmaram que o principal suspeito é o mercúrio que se infiltra nos cursos d’água depois que os garimpeiros o utilizam para aglutinar minúsculas partículas de ouro extraídas das margens dos rios – um comércio em grande parte ilegal, impulsionado pelos preços recordes do metal precioso.
Se obedecermos às regras deles, passaremos fome.
O mercúrio contaminou peixes de rio, que são um alimento básico para as comunidades indígenas, e se acumulou nas placentas das mulheres, no leite materno e nos filhos em níveis alarmantemente altos, muitas vezes duas ou três vezes acima do limite de risco para gestantes.
O chefe Zildomar Munduruku, que também é enfermeiro, disse que não pode dizer ao seu povo para parar de comer peixe, apesar das orientações das autoridades de saúde.“Se obedecermos às regras deles, passaremos fome”, disse ele.
Mesmo que a mineração pare, o mercúrio permanecerá.
Bem a jusante de Sai Cinza, diplomatas e líderes mundiais se reunirão no próximo mês na Amazônia para a cúpula climática das Nações Unidas, conhecida como COP30. Os organizadores brasileiros a denominaram “COP da Floresta”, chamando a atenção global para as ameaças às florestas tropicais e seus habitantes, como a mineração ilegal em toda a região.
Desde que retornou ao poder em 2023, o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva expulsou milhares de garimpeiros de terras indígenas. No entanto, o mercúrio deixado para trás não se decompõe, pois continua circulando pelo ar, água e solo, alimentando uma crise de saúde pública persistente.
O governo brasileiro intensificou o monitoramento dos níveis de mercúrio no Território Indígena Munduruku, capacitou agentes de saúde pública para identificar sinais precoces de intoxicação por mercúrio e investiu em fontes de água potável para comunidades remotas, informou o Ministério da Saúde em comunicado.
Mesmo que “a mineração de ouro na Amazônia parasse completamente, o mercúrio depositado… permaneceria por muitas décadas”, disse Paulo Basta, pesquisador do instituto de saúde pública Fiocruz, que estuda a contaminação por mercúrio em povos indígenas há mais de três décadas.
Documentos, entrevistas e novos dados analisados pela Reuters sugerem que a crise humanitária desencadeada pela mineração ilegal terá consequências permanentes para as gerações atuais e futuras das comunidades indígenas na Amazônia.



Um estudo de 2021 realizado por Basta e seus colegas constatou que 10 das 15 mães testadas em três aldeias Munduruku apresentavam níveis elevados de mercúrio. Um estudo anterior revelou que 12 das 13 pessoas em uma aldeia Yanomami, onde a mineração era desenfreada, tinham níveis perigosos de mercúrio na corrente sanguínea. Quase todos os 546 casos registrados nos bancos de dados do governo até março de 2025 foram coletados por Basta e sua equipe.
“Isso é apenas a ponta do iceberg”, disse Basta. Os territórios Munduruku, Yanomami e Kayapó têm populações de dezenas de milhares de pessoas que podem estar potencialmente contaminadas por mercúrio.

Provar causalidade não é fácil.
No estudo em andamento, a equipe de Basta pretende fornecer uma peça fundamental que faltava no quebra-cabeça: a prova de que o mercúrio está causando deficiências. Para isso, eles estão acompanhando 176 mulheres grávidas para examinar os bebês durante os primeiros anos de vida.
Em Sai Cinza, onde Rany Ketlen e sua família moram, os dados preliminares dos pesquisadores mostraram que, em média, as mães participantes do estudo apresentavam níveis de mercúrio cinco vezes maiores do que o considerado seguro pelo Ministério da Saúde brasileiro, e seus bebês, três vezes maiores. A irmã de Rany Ketlen, Raylene, de um ano, é uma delas, embora ainda não tenha apresentado nenhum sintoma.“Essa doença causada pelo mercúrio, se você não procurar, não vai encontrar”, disse Cleidiane Carvalho, uma enfermeira que, anos atrás, se dedicou a conectar pesquisadores com as crianças indígenas doentes que encontrava. Sem os estudos deles, ela temia, a crise “será silenciada, negligenciada para sempre”.
Mas comprovar uma relação causal com a contaminação por mercúrio tem sido um desafio.
Pesquisadores da Fiocruz descobriram que as comunidades indígenas frequentemente carecem de serviços básicos de saúde e são vulneráveis a diversas doenças infecciosas, todas causas potenciais de problemas neurológicos. O casamento entre primos próximos, que pode causar distúrbios genéticos, também é mais comum em pequenas comunidades indígenas.
É provável que o mercúrio esteja entre as causas das condições dos 36 pacientes que não tinham uma doença genética hereditária, mas isso não exclui outros fatores, disse Fernando Kok, geneticista da Universidade de São Paulo que trabalha no estudo da Fiocruz.
Exames que detectam mercúrio no organismo são como instantâneos da dieta recente do paciente, portanto, por si só, não podem comprovar que uma contaminação prévia seja a causa de problemas neurológicos.
“É o crime perfeito, porque não deixa rastros”, disse Kok.

Uma mulher indígena segura seu bebê na aldeia de Sai Cinza. A alta dos preços do ouro impulsionou a mineração ilegal, mas mesmo que a atividade fosse interrompida imediatamente, especialistas afirmam que o mercúrio permaneceria no meio ambiente por décadas.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, novembro de 2025