
Jennifer NR Smith
Martin Picard, professor associado de medicina comportamental nos departamentos de psiquiatria e neurologia da Universidade Columbia
20 mai 2025
[Nota do Website: Um texto muito importante para pessoas que estão vivas e querem permanecer não só vivas, mas também saudáveis. Principalmente porque agora, depois de sua leitura, temos um pouco mais de conhecimento de nossas estruturas mais internas e absolutamente fundamentais. Como o autor, desde que soubemos da perspectiva levantada pela cientista Lynn Margulis, de serem as mitocôndrias organismos que se recolheram na anaerobiose das células dos seres aeróbicos quando a atmosfera terrestre de plena de carbono passa a ser de oxigênio, como algo fantástico que também nos assombrou. Grato aos dois cientistas por esses conhecimentos compartilhados].
Quando essas organelas fornecedoras de energia prosperam, nós também prosperamos.
Eu sempre quis entender a vida. O que nos move? O que nos permite curar e prosperar? E o que dá errado quando ficamos doentes ou quando eventualmente paramos de respirar e morremos? Minha busca por respostas para essas perguntas estupendamente ambiciosas me levou, agora parece inexoravelmente, às mitocôndrias.
Nas aulas de biologia, do ensino médio à universidade, aprendi que as mitocôndrias são pequenos objetos que residem dentro de cada célula e servem como “usinas de energia“, combinando oxigênio e alimento para produzirem energia para o corpo. Essa ideia de mitocôndrias serem pequenas baterias com um carregador embutido, tão interessante quanto a do meu telefone, me deixou despreparado para a realidade vital dessas organelas quando as vi pela primeira vez sob um microscópio em 2011. Elas eram luminosas por causa de um corante brilhante que eu havia colocado nelas, e eram dinâmicas — constantemente se movendo, esticando, se transformando, se tocando. Elas eram lindas. Naquela noite, um estudante de pós-graduação sozinho em um laboratório escuro em Newcastle upon Tyne, na Inglaterra, me tornei um mitocondríaco: viciado em mitocôndrias.
Uma profunda percepção da bióloga Lynn Margulis (nt.: cientista norte americana que, em conjunto com o cientista inglês, James Lovelock, construíram a Teoria de Gaia, onde o Planeta Terra é que deu condições para que a vida se instalasse na Terra) me ajudou a dar algum sentido ao que eu estava vendo. Ela postulou em 1967 que as mitocôndrias descendem de uma bactéria que foi engolfada por uma célula ancestral maior há cerca de 1,5 bilhão de anos. Em vez de consumir esse pedaço, a célula maior permitiu que ela continuasse vivendo dentro dela. Margulis chamou esse evento de endossimbiose, que significa, aproximadamente, “viver ou trabalhar junto de dentro para fora”. A célula hospedeira não tinha fonte de energia que usasse oxigênio — que, graças às plantas, já era abundante na atmosfera; as mitocôndrias preencheram essa lacuna. A união improvável permitiu que as células se comunicassem e cooperassem e deixassem sua consciência se expandir além de seus próprios limites, possibilitando um futuro mais complexo na forma de animais multicelulares. As mitocôndrias tornaram as células sociais, unindo-as em um contrato pelo qual a sobrevivência de cada célula depende de todas as outras, e assim nos tornaram possíveis.
Surpreendentemente, meus colegas de trabalho e eu descobrimos que as mitocôndrias são, elas próprias, seres sociais. Pelo menos, elas prenunciam a sociabilidade. Como a bactéria da qual descendem, elas têm um ciclo de vida: as antigas morrem e as novas nascem das existentes. Comunidades dessas organelas vivem dentro de cada célula, geralmente agrupadas ao redor do núcleo. As mitocôndrias se comunicam, tanto dentro de suas próprias células quanto entre outras células, estendendo a mão para apoiar umas às outras em momentos de necessidade e, geralmente, ajudando a comunidade a florescer. Elas produzem o calor que mantém nossos corpos aquecidos. Elas recebem sinais sobre aspectos do ambiente em que vivemos, como níveis de poluição do ar e gatilhos de estresse, e então integram essas informações e emitem sinais como moléculas que regulam processos dentro da célula e, de fato, por todo o corpo.
Quando nossas mitocôndrias prosperam, nós também prosperamos. Quando elas funcionam mal — quando, por exemplo, sua capacidade de transformar energia em formas necessárias para reações bioquímicas é prejudicada — podemos experimentar condições tão diversas quanto diabetes, câncer, autismo e doenças neurodegenerativas. E, à medida que as mitocôndrias acumulam defeitos ao longo de uma vida de estresse e outras agressões, elas contribuem para o envelhecimento e, por fim, para a morte. Para entender esses processos — para ver como manter a saúde física e mental —, é útil entender como a energia se move por nossos corpos e mentes. Isso requer uma análise mais aprofundada das mitocôndrias e de suas vidas sociais.
Muito antes de ter meu primeiro vislumbre das mitocôndrias, eu já havia me aprofundado nos conceitos básicos de sua estrutura e biologia. Herdamos nossas mitocôndrias de nossa mãe — do óvulo, para ser mais preciso. As mitocôndrias têm seu próprio DNA, que consiste em apenas 37 genes, em comparação com os milhares de genes nos cromossomos espiralados dentro do núcleo da célula. Esse anel de DNA mitocondrial, ou mtDNA, é abrigado por duas membranas. A camada externa, em forma de pele de salsicha, envolve a mitocôndria e permite seletivamente a entrada ou saída de moléculas. A membrana interna é composta de proteínas densamente compactadas e possui muitas dobras, chamadas cristas, que servem como local para reações químicas, de forma semelhante às placas suspensas dentro de uma bateria.
Em vez de serem como carregadores de bateria, as mitocôndrias são mais como a placa-mãe da célula.
Na década de 1960, os bioquímicos britânicos Peter Mitchell e Jennifer Moyle descobriram como elétrons derivados do carbono presente nos alimentos se combinam com o oxigênio nas cristas, liberando uma centelha de energia que é capturada como um gradiente de voltagem elétrica através da membrana. Essa voltagem fornece a força motriz para todos os processos no corpo e no cérebro, desde o aquecimento até a fabricação de moléculas e o pensamento. As mitocôndrias também produzem uma molécula chamada trifosfato de adenosina, que serve como uma unidade portátil de energia que impulsiona centenas de reações bioquímicas dentro de cada célula.
Retornando do Reino Unido, iniciei uma bolsa de pós-doutorado com o geneticista e biólogo evolucionista Douglas Wallace no Centro de Medicina Mitocondrial e Epigenômica do Hospital Infantil da Filadélfia. Em 1988, Wallace descobriu a primeira ligação entre uma mutação no mtDNA e uma doença humana. Ele mapeou algumas das conexões fundamentais da biologia mitocondrial com diversas doenças e o processo de envelhecimento, lançando as bases do campo da medicina mitocondrial. Na Filadélfia, comecei a trabalhar com uma colega de pós-doutorado, Meagan McManus, que queria entender como mitocôndrias defeituosas poderiam causar doenças cardiovasculares e neurológicas. McManus me pediu para fotografar com um microscópio eletrônico as mitocôndrias nos corações de camundongos com uma mutação específica do mtDNA que levava à insuficiência cardíaca.
Nossa equipe também estava experimentando imagens tridimensionais usando tomografia eletrônica, a mesma tecnologia que permite ao radiologista ver os órgãos internos de um paciente em 3D. Semanas depois, o diretor do projeto, Dewight Williams, da Universidade da Pensilvânia, me levou a uma sala onde o microscópio tomográfico, que custava um milhão de dólares, estava instalado, tão alto quanto o teto, para me mostrar filmes reconstruídos de mitocôndrias.
A tomografia nos deu uma visão tridimensional das cristas. Algumas mitocôndrias nos corações dos camundongos doentes apresentavam cristas serrilhadas e altamente irregulares — a aparência doentia que eu vinha observando nas imagens bidimensionais. Mas uma coisa apareceu em três dimensões que nunca tínhamos visto nas imagens planas: mesmo quando as mitocôndrias pareciam doentias, suas cristas pareciam saudáveis nos pontos em que se tocavam. Elas interagiam, ajudando na organização interna uma da outra. Essas junções mito-mito também tinham mais cristas do que qualquer outra parte da mesma mitocôndria. “A Meagan precisa ver isso!”, pensei, correndo para o laboratório do outro lado do campus.
Ao reiniciar o filme para McManus, narrei o que tinha visto alguns minutos antes: “As mitocôndrias estão se influenciando!” Assistimos ao vídeo em loop algumas vezes. Então McManus disse, com a voz aguda de entusiasmo: “E as cristas se alinham! As cristas se alinham entre as mitocôndrias!” Ela traçou uma linha com o dedo estendido sobre uma junção entre as mitocôndrias.

Eu havia me debruçado sobre milhares de imagens de microscopia eletrônica dos melhores microscopistas. Nunca tinha ouvido falar de cristas em uma mitocôndria se alinhando com as cristas de outra mitocôndria. Em Newcastle, vi um artigo de 1983 dos cientistas russos Lora E. Bakeeva e Vladimir P. Skulachev descrevendo “contatos intermitocondriais” e demonstrei que esses contatos aumentavam após o exercício — talvez aumentando a eficiência energética. Como havíamos perdido o alinhamento? No entanto, em vez de ficarem ali como placas paralelas, como os livros didáticos frequentemente as retratavam, as cristas formavam fitas paralelas ondulando através das mitocôndrias. Quase parecia que as cristas estavam ajudando suas vizinhas a se organizarem para atingirem o arranjo típico, saudável e regular.
Na reunião seguinte do laboratório, sugeri que esses padrões pareciam limalhas de ferro alinhadas em torno de um ímã. As cristas são repletas de aglomerados de ferro-enxofre que podem ser paramagnéticos. Se forem, talvez houvesse campos eletromagnéticos induzidos pelo fluxo de carga elétrica através das cristas? Poderiam induzir o alinhamento das cristas? Até agora, essa hipótese parece ser a melhor para explicar como as cristas se alinham através das mitocôndrias. Para mim, também abriu caminho para pensar em como as forças da física podem ter contribuído para a evolução da vida multicelular — até chegarmos a nós.
Essa descoberta e os pensamentos que ela suscitou mudaram minha visão sobre as mitocôndrias para sempre. Centenas de horas no calabouço escuro onde estudei mitocôndrias e inúmeras colaborações depois, aprendi uma lição importante: as mitocôndrias trocam informações. A impressão digital dessa troca estava bem ali nos padrões de suas cristas. Estudos posteriores na Universidade de Tsukuba, no Japão, e em outros lugares, usando células com níveis variados de disfunção mitocondrial causada por mutações no mtDNA, mostraram que mitocôndrias saudáveis podem doar mtDNA intacto para mitocôndrias mutantes. Em condições de escasso suprimento de energia, as mitocôndrias se fundem umas com as outras em longas cadeias para compartilharem mtDNA. Mitocôndrias isoladas sem mtDNA ou com mtDNA mutado podem, da mesma forma, fundir-se com mitocôndrias saudáveis, restaurando sua função normal.

A fusão aumenta a resiliência não apenas das mitocôndrias, mas também das células; interferir nessas interações leva ao isolamento de mitocôndrias que acumulam defeitos no mtDNA e, por fim, morrem, juntamente com as células em que vivem. Em humanos, níveis reduzidos de mitofusina 2, uma proteína localizada na membrana mitocondrial externa que auxilia na fusão, estão correlacionados à neurodegeneração. E camundongos com mitocôndrias que foram modificadas para impedir a fusão no núcleo accumbens, uma região do cérebro envolvida na regulação da recompensa, são mais ansiosos.
Poderiam existir outras maneiras pelas quais as mitocôndrias se comunicam? Poderiam agir como seus ancestrais bacterianos, que constroem biofilmes e usam saliências de membrana, campos elétricos e moléculas secretadas para cooperarem e conquistarem o mundo vivo com seus versáteis comportamentos coletivos? Poderia a comunicação mitocondrial revelar um universo interno mais amplo de troca de energia e informação? Poderiam as junções mitocondriais e as cristas alinhadas operar como sinapses neuronais , com o coletivo mitocondrial resultante se comportando essencialmente como um cérebro intracelular?
Em 2016, logo após abrir meu próprio laboratório na Universidade de Columbia, voltei a Newcastle para uma visita ao Centro Wellcome de Pesquisa Mitocondrial de Doug Turnbull. Eu estava novamente sentado diante do microscópio eletrônico, desta vez com uma brilhante estudante de pós-graduação britânica, Amy Vincent. Estávamos obtendo imagens do músculo da panturrilha de uma mulher com uma mutação no mtDNA que causava uma doença mitocondrial rara. Por coincidência, a mutação dela era semelhante à que os camundongos de McManus tinham.
O que Vincent e eu descobrimos naquela tarde abriu outra via de investigação. Diante de nossos olhos, havia nanotúneis mitocondriais : finas protrusões de membrana — o mesmo tipo que as bactérias usam para compartilhar seu DNA circular! Pela primeira vez em humanos, Vincent e eu vimos que as mitocôndrias enviam finas estruturas tubulares umas em direção às outras, como antenas que algumas células solitárias usam para procurar um ambiente mais hospitaleiro ou uma célula companheira saudável. Ao visualizar dezenas de outras amostras de músculos, descobrimos que pessoas cujas mitocôndrias não funcionam bem têm mais nanotúneis. Era como se mitocôndrias doentes com mutações no DNA mitocondrial estivessem pedindo ajuda.

Talvez o aspecto mais notável do coletivo mitocondrial, no entanto, seja que mitocôndrias de diferentes partes do corpo se comunicam entre si, usando hormônios como linguagem. As mitocôndrias produzem os hormônios esteroides que usamos para sustentar e reproduzir a vida. O cortisol, o hormônio que aumenta os níveis de glicose no sangue para alimentar a resposta ao estresse, é produzido nas mitocôndrias das glândulas suprarrenais, localizadas acima dos rins. Testosterona, estrogênio e progesterona são sintetizados principalmente pelas mitocôndrias nos órgãos reprodutivos. Curiosamente, as mitocôndrias cerebrais possuem receptores para detectar o estresse e os hormônios sexuais. Portanto, temos uma população de mitocôndrias nas glândulas suprarrenais que enviam sinais diretamente, via sangue, para as mitocôndrias no cérebro.
Além disso, as mitocôndrias não são todas criadas iguais. Da mesma forma que os humanos desenvolvem especialidades em diferentes papéis sociais e econômicos e os órgãos se especializam na execução de funções complementares (o fígado alimenta outros órgãos, o coração bombeia, o cérebro integra informações e emite diretivas), as mitocôndrias também se especializam. Entre órgãos e tipos de células, as mitocôndrias têm aparência diferente. Seus conteúdos proteicos são diferentes. Elas se movem de forma diferente. E sua capacidade de sentir, integrar e sinalizar informações específicas varia de acordo com a célula em que habitam. A especialização mitocondrial provavelmente proporciona ganhos de eficiência, permitindo que um organismo sobreviva com um menor custo energético geral.
Meus colegas de trabalho e eu recentemente construímos o primeiro mapa de mitocôndrias no cérebro humano. Mesmo dentro deste único órgão, existem diferentes tipos de mitocôndrias em diferentes partes do córtex e em regiões cerebrais subcorticais mais profundas. O cérebro usa 20% da energia do corpo, apesar de constituir apenas 2% da massa corporal, portanto, uma fonte eficiente de energia é fundamental para seu funcionamento. Meus colegas, notavelmente Michel Thiebaut de Schotten, do Centro Nacional Francês de Pesquisa Científica, e Eugene V. Mosharov, da Colômbia, e eu descobrimos que as áreas cerebrais mais recentemente evoluídas, que têm o maior gasto energético, têm mitocôndrias mais fortemente especializadas para a transformação de energia.
As mitocôndrias dentro de uma célula também podem parecer muito diferentes umas das outras. Por exemplo, nos neurônios, as mitocôndrias “dendríticas” são encontradas nas fibras, ou dendritos, através das quais os neurônios recebem sinais de outras células. Essas mitocôndrias são filamentos estáveis que se estendem por 10 a 30 mícrons — uma distância estupendamente longa para esse tipo de estrutura — e têm várias cópias de mtDNA. As mitocôndrias “axonais” se movem ao longo dos axônios lineares, que conduzem sinais para outros neurônios, como se fossem rodovias celulares. Elas são geralmente curtas e atarracadas (até um mícron de comprimento) e muitas não têm mtDNA. As mitocôndrias “citoplasmáticas” se agrupam ao redor do núcleo e parecem algo entre os tipos dendrítico e axonal. Agrupamento e especialização semelhantes de mitocôndrias existem em células musculares e de gordura.
Essas descobertas, em conjunto, levaram a neurocientista comportamental Carmen Sandi, do Instituto Federal Suíço de Tecnologia, e eu a propor, em 2021, que as mitocôndrias são organelas sociais. Se você é como eu e fica surpreso ao ouvir o termo “social” aplicado a uma organela subcelular, você está tendo um reflexo normal. No entanto, Sandi e eu argumentamos que as mitocôndrias apresentam todas as características dos seres sociais — um ambiente compartilhado dentro da célula ou do corpo, comunicação, formação de grupos ou tipos, sincronização de comportamento, interdependência e especialização nas tarefas que realizam.
Em um artigo subsequente, que exigiu uma revisão dolorosamente longa de mais de 400 estudos, Orian S. Shirihai, da Universidade da Califórnia, em Los Angeles, e eu estabelecemos que o coletivo mitocondrial opera como um sistema de processamento de informações mitocondriais, ou MIPS. Assim como os animais em que vivem e que sustentam, que precisam responder de forma flexível ao ambiente, as mitocôndrias captam sinais, integram essas informações no potencial de membrana de suas cristas e produzem sinais que regulam os genes da célula e moldam o comportamento celular.
Seus olhos transformam a luz em impulsos elétricos que se fundem em uma imagem em seu campo visual, e seus ouvidos transformam ondas de pressão atmosférica em pulsos elétricos que você eventualmente percebe como sons. Da mesma forma, as mitocôndrias transformam dezenas de fluxos de informação hormonais, metabólicos, químicos e outros em seu potencial elétrico de membrana. Esse estado “bioenergético” leva à produção de moléculas mensageiras secundárias que são inteligíveis para o núcleo. Assim, da mesma forma que você lê mensagens em seu celular, que recebe sinais, os transforma e projeta informações decifráveis em sua tela, o núcleo de suas células pode “ler” o ambiente por meio do MIPS que o cerca.
Em vez de desempenharem funções suplementares como as de carregadores de bateria, as mitocôndrias funcionam mais como a placa-mãe da célula. Os genes permanecem inertes no núcleo até que a energia e a mensagem certa cheguem para ativar alguns deles e desativar outros. As mitocôndrias transmitem essas mensagens, falando a linguagem do epigenoma — a camada maleável de regulação que se encontra sobre o genoma para regular sua expressão.
Meu colega Timothy Shutt, da Universidade de Calgary, gosta de chamar as mitocôndrias de “CEO da célula”: a organela executiva chefe. Essa metáfora captura como as mitocôndrias não apenas estão envolvidas na integração de informações, mas também dão ordens. Elas ditam se a célula se divide, se diferencia ou morre. De fato, as mitocôndrias têm poder de veto sobre a vida ou a morte celular. Se o MIPS considerar necessário, ele desencadeia a morte celular programada, ou apoptose — uma forma de autossacrifício pelo bem maior do organismo.
As mitocôndrias são tão vitais que, em tempos difíceis, as células podem doar mitocôndrias inteiras para outras células. “Em emergências celulares, mitocôndrias recém-chegadas podem dar início ao reparo de tecidos, ativar o sistema imunológico ou salvar células em dificuldades da morte”, observou a jornalista Gemma Conroy em uma reportagem da Nature em abril passado. Dentro dos tumores, células cancerígenas e células imunológicas parecem competir pelas mitocôndrias, usando-as como uma espécie de arma biológica. Um esforço internacional do qual participei, liderado por Jonathan R. Brestoff, da Faculdade de Medicina da Universidade de Washington em St. Louis, criou recentemente um léxico inteiramente novo para orientar o campo emergente da transferência e transplante de mitocôndrias.
Tudo muito bem, você pode pensar. O que tudo isso significa para a minha saúde ou para a minha expectativa de vida?
A resposta curta é que pode ter tudo a ver com a saúde humana. Diabetes, doenças neurodegenerativas, câncer e até mesmo doenças mentais estão surgindo como distúrbios metabólicos envolvendo mitocôndrias com mau funcionamento. E essas descobertas estão indicando novas vias de intervenção.
As mitocôndrias influenciam a saúde — ou a doença — de várias maneiras. Uma delas decorre de seu papel como processadores de energia. Em um circuito elétrico, se aumentarmos demais a voltagem de entrada, podemos queimá-la. Da mesma forma, se nossas células forem expostas a muita glicose ou gordura — ou, pior, a ambos juntos, causando o que os médicos chamam de glicolipotoxicidade —, as mitocôndrias sofrem fissão e se fragmentam em pequenos pedaços, acumulam defeitos no DNA mitocondrial e produzem sinais que acabam envelhecendo prematuramente ou matando a célula. Experimentos em células e em camundongos mostraram que a prevenção farmacológica ou genética da fissão mitocondrial induzida por excesso de glicose e gordura pode proteger contra a resistência à insulina.
O câncer também pode ser um distúrbio do metabolismo celular. As células cancerosas podem queimar glicose sem oxigênio, o que sugere que há algo errado com suas mitocôndrias ou que elas preferem reservá-las para uso na divisão celular — e na proliferação.
Uma segunda via é a influência das mitocôndrias na expressão gênica. Os sinais mitocondriais alteram a expressão de mais de 66% dos genes nos cromossomos nucleares. Ao alterar quais genes são expressos e em que extensão, as mutações no mtDNA podem alterar completamente a natureza, o comportamento e a resiliência ao estresse das células e, em última análise, de todo o organismo.
As mitocôndrias podem ter uma aparência terrivelmente estranha quando doentes. Em pessoas com defeitos no mtDNA que causam doenças mitocondriais raras, como a pessoa em cujas mitocôndrias vimos os nanotúneis pela primeira vez, as cristas em particular podem ter uma aparência um tanto estranha — como círculos em plantações com ângulos regulares, inclusões paracristalinas e outras formas estranhas.

Notavelmente, a forma e a função mitocondriais anormais estão emergindo como biomarcadores e potenciais causas de distúrbios cognitivos e neurodegenerativos, como Alzheimer, Parkinson e outros. Clinicamente, um subtipo neurobiológico do transtorno do espectro autista envolve defeitos na biologia mitocondrial.
Uma terceira via é a inflamação. Quando as células são lesionadas ou estressadas, elas podem vazar mtDNA para o interior da célula, para o citoplasma ou até mesmo para o sangue. Juntamente com Caroline Trumpff, da Columbia, Anna Marsland e Brett Kaufman, da Universidade de Pittsburgh, e outros colegas de trabalho, descobri que o estresse mental induzido por ter que falar em público por cinco minutos aumentava a quantidade de mtDNA livre no sangue. Pessoas em unidades de terapia intensiva que estão gravemente doentes tendem a ter níveis muito altos de mtDNA no sangue. Como os anéis de mtDNA se assemelham ao DNA bacteriano, as células imunológicas os veem como patógenos e organizam um ataque que pode evoluir para inflamação. E a inflamação, os médicos sabem bem, está ligada ao início e à progressão de uma série de condições crônicas de saúde.
Como mitocôndrias defeituosas levam a doenças no corpo e na mente é uma questão que ainda não foi respondida. Mas existem maneiras simples de garantir que nossas mitocôndrias permaneçam saudáveis. Uma delas é o exercício. Quando você se move vigorosamente, suas células consomem energia rapidamente, energizando o potencial de membrana de suas mitocôndrias. Se o seu exercício deixa você sem fôlego, é um sinal de que suas mitocôndrias estão trabalhando duro. Como a entidade cérebro-corpo é especialista em antecipar e se preparar para o futuro, se você se mover de uma forma que ative suas mitocôndrias, seu corpo pensa: “Da próxima vez que isso acontecer, estarei pronto!” Para se preparar, ele produz mais mitocôndrias e as mantém funcionando da melhor forma possível.
Surpreendentemente, as conexões sociais também podem promover a saúde das mitocôndrias do nosso cérebro. Em um importante estudo liderado por David A. Bennett, do Rush Medical College, em Chicago, pesquisadores pediram a centenas de indivíduos com 65 anos ou mais na região de Chicago que preenchessem pesquisas, realizassem testes cognitivos e doassem sangue todos os anos até a morte. Após a morte, seus cérebros foram coletados para permitir a análise de suas mitocôndrias. Meu colega Trumpff usou esses dados para questionar se estados mentais positivos, como sentir um propósito na vida, otimismo e um senso de conexão — ou, em contraste, estados mentais negativos, como estresse percebido, depressão e isolamento social — poderiam estar relacionados à capacidade das mitocôndrias de transformar energia.
O que Trumpff descobriu foi notável: a quantidade de proteínas transformadoras de energia nas mitocôndrias do córtex pré-frontal estava significativamente correlacionada com o número de experiências positivas e negativas relatadas pelas pessoas no ano anterior à sua morte. Essa descoberta está alinhada a estudos anteriores que relacionam adversidades no início da vida ou marcadores de humor diários, como sentimentos de amor, proximidade ou confiança, às mitocôndrias nas células imunológicas do sangue. Nossos estados mentais podem afetar a biologia de nossas mitocôndrias, modulando a eficiência com que elas transformam energia.
Outra intervenção que pode ser notavelmente eficaz é a dieta. A terapia cetogênica médica ou “cetose nutricional”, que envolve cortar todos os açúcares refinados, limitar a ingestão de carboidratos e compensar a diferença calórica com mais proteínas e gorduras, demonstrou reverter de forma sustentável a resistência à insulina e o diabetes tipo 2. A dieta cetogênica tem sido usada há décadas para evitar convulsões e, assim, “estabilizar” o cérebro em crianças e adultos com epilepsia intratável e incurável . Uma dieta cetogênica pode até mesmo melhorar o estado mental e a função cognitiva de pessoas com Alzheimer. Ela melhora a estabilidade da rede cerebral, um marcador do envelhecimento cerebral — e essa função pode explicar por que algumas pessoas que fazem a dieta dormem melhor.
A dieta cetogênica também pode ter efeitos surpreendentes em outras doenças, como evidenciado pela história de Lauren Kennedy West, uma canadense diagnosticada com esquizofrenia e transtorno bipolar aos 25 anos. Sua vida progressivamente parecia muito difícil de navegar, “como se não houvesse espaço para mim no mundo”, ela explicou em um relato comovente de sua jornada postado no YouTube no ano passado. Em dezembro de 2023, West iniciou a terapia nutricional cetogênica. Algumas semanas depois, ela percebeu que tinha mais energia. Muitos de seus sintomas diminuíram. Após cerca de nove meses, ela estava livre de sintomas, havia reduzido gradualmente sua medicação em colaboração com sua equipe de saúde e continuava a se sentir melhor. No final de 2024, ela tomou sua última dose de medicamento antipsicótico.
A experiência de West assemelha-se aos resultados positivos iniciais de um estudo piloto com 21 pessoas com transtorno bipolar e esquizofrenia. Inúmeros outros ensaios clínicos com a dieta cetogênica para pessoas com doenças mentais graves, como esquizofrenia, depressão, ansiedade e transtorno obsessivo-compulsivo, estão em andamento em todo o mundo. (Muitos desses ensaios são financiados pelo Baszucki Group, uma fundação filantrópica formada depois que Matt Baszucki, filho dos fundadores do grupo, tratou com sucesso sua doença bipolar com a dieta cetogênica. Em 2024, recebi o Prêmio Baszucki em Ciências, que ajuda a financiar meu laboratório em Columbia.)
Um novo estudo com 28.995 pessoas nos EUA, 4.484 das quais apresentavam sintomas significativos de depressão, também corrobora os efeitos protetores de dietas com baixo teor de açúcar na saúde mental. Pessoas cuja dieta era “mais cetogênica” — baixa em carboidratos e açúcares em relação a lipídios e proteínas — tinham menos da metade da probabilidade de desenvolver depressão em comparação com pessoas cuja dieta era bastante rica em açúcares.
Como funciona? De uma perspectiva mitocêntrica, a dieta cetogênica faz três coisas. Primeiro, leva ao fornecimento de uma fonte eficiente de combustível pelo fígado, que alimenta outros órgãos do corpo. Se você jejuar ou seguir uma dieta cetogênica, seu fígado pega a gordura dos seus pneuzinhos ou da sua comida e a quebra em pedaços menores chamados corpos cetônicos. Esse processo ocorre dentro das mitocôndrias do fígado. Segundo, após entrarem na corrente sanguínea, os corpos cetônicos chegam aos órgãos, alguns dos quais, incluindo o cérebro, preferem corpos cetônicos a outros combustíveis, como glicose, proteínas e gorduras. Portanto, na presença de várias fontes de combustível, o cérebro queimará preferencialmente cetonas.
O terceiro fator pode ter a ver com eficiência — e pode explicar por que os corpos cetônicos são o combustível preferido do cérebro. A glicose precisa superar uma série de obstáculos antes de chegar às mitocôndrias dos neurônios — ela passa por astrócitos, atravessa diversas membranas e passa por diversas reações enzimáticas. Em contraste, os corpos cetônicos são absorvidos diretamente pelas mitocôndrias dos neurônios, onde são queimados. É um caminho muito menos complexo.
Portanto, a cetose, ou a queima de corpos cetônicos, pode exercer seus efeitos no cérebro, permitindo que a energia flua diretamente entre as mitocôndrias. As cetonas no sangue abrem um fluxo de comunicação entre as mitocôndrias produtoras e consumidoras, promovendo sua sociabilidade por todo o corpo.
À medida que consideramos as mitocôndrias como processadores dinâmicos de energia e informação , surge uma perspectiva inteiramente nova da vida. Pense em si mesmo como uma cachoeira. A cachoeira só existe na medida em que as moléculas de água continuam fluindo. Você aprende tanto sobre a cachoeira ao coletar algumas moléculas inertes de H₂O quanto aprende sobre a saúde de uma pessoa ao sequenciar seu genoma: quase nada.
A cachoeira não pode ser compreendida a partir de suas partes, apenas a partir de seu movimento. E uma vez que o fluxo cessa, não há mais cachoeira. A cachoeira não é algo que aparece e desaparece. É um processo — um processo que flui e para de fluir. Como uma cachoeira, você não é uma coisa. Você é um processo — um processo energético, para ser mais preciso.
Sua natureza fundamentalmente energética tem duas implicações principais. A primeira é que, como um processo dinâmico, você está fadado a mudar. Seu corpo elimina, mata e produz células continuamente. Sua mente também muda. Algumas partes da sua mente, como sua personalidade, são relativamente estáveis. Mas, por outro lado, isso também pode mudar — quando você está “com fome”, por exemplo, e se torna inferior à sua melhor versão. Isso é um déficit de energia que muda sua mente.
Algumas drogas podem mudar drasticamente sua mente. Psicodélicos, por exemplo, agem no sistema serotoninérgico para dessincronizar o cérebro humano. Eles também dissolvem o senso de si mesmo, ou “ego”. Mudar os padrões de energia cerebral, muda a mente. A mente, então, pode ser essencialmente um padrão de energia. Além disso, a energia fluindo através do seu cérebro de alguma forma parece algo. Como Nirosha Murugan, da Universidade Wilfrid Laurier em Ontário, e eu recentemente postulamos em um artigo, os humanos podem ser programados para experimentar a resistência excessiva ao fluxo de energia como aversiva. Em contraste, a energia fluindo suavemente, como ocorre após uma sessão de exercícios agradável ou quando você está trabalhando em um projeto estimulante, é boa. Quando a energia para de fluir para o seu cérebro — se o seu coração para, por exemplo — sua consciência desaparece rapidamente, e você não existe mais.
Tudo isso diz algo útil sobre minhas perguntas originais? Suspeito que agora temos respostas. A chave para a vida e a saúde pode estar na facilidade com que a energia flui pelas suas mitocôndrias a cada respiração. Portanto, da próxima vez que você pular aquele doce apetitoso, sair para uma caminhada, for à academia ou decidir passar um tempo com alguém de quem gosta, saiba que você está apoiando suas mitocôndrias. Manter a energia fluindo pelo seu coletivo mitocondrial pode ser a chave para uma boa saúde e uma vida significativa.
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, maio de 2025