https://apnews.com/article/ultraprocessed-foods-healthy-diet-0501eb985016149541e6cc727e55dfea.
26 de agosto de 2024
[NOTA DO WEBSITE: Depois da importante entrevista da professora brasileira da UFRGS, Raquel Canuto, esta matéria da AP, nos mostra como ainda há uma pressão ‘invisível’ das transnacionais dos chamados ‘ultraprocessados’ sobre muitos dos técnicos que lidam nesta área. Mas, mesmo assim ainda se ouve vozes que trazem alguma lucidez, como a professora gaúcha, sobre esta avassaladora e violenta propaganda que envolve estes alimentos em nossa realidade. E a tal ponto que escolas em seus ‘barzinhos’ oferecem aos estudantes, somente produtos desta tipo. Sem falar nas mães e pais, desavisadas e desavisados, que mandam seus filhos e filhas com ‘merenda’ somente de ultraprocessados. ‘Ah! É mais fácil e não tenho tempo’. É o que se ouve comumente como argumento nestes tempos de ‘urgências’ desnecessárias].
Quer saibam ou não, a maioria dos americanos não passa um dia — ou muitas vezes uma única refeição — sem comer alimentos ultraprocessados.
De cereais açucarados no café da manhã a pizzas congeladas no jantar, além de lanches intermediários de batata frita, refrigerantes e sorvete, alimentos ultraprocessados compõem cerca de 60% da dieta dos EUA. Para crianças e adolescentes, é ainda maior — cerca de dois terços do que comem.
Isso é preocupante porque alimentos ultraprocessados têm sido associados a uma série de efeitos negativos à saúde, desde obesidade e diabetes até doenças cardíacas, depressão, demência e muito mais. Um estudo recente sugeriu que comer esses alimentos pode aumentar o risco de morte precoce.
A ciência da nutrição é complicada, no entanto, e a maioria das pesquisas até agora encontrou conexões, não provas, sobre as consequências desses alimentos para a saúde.
Os fabricantes de alimentos argumentam que o processamento aumenta a segurança e o fornecimento de alimentos e oferece uma maneira barata e conveniente de fornecer uma dieta diversificada e nutritiva.
Mesmo que a ciência fosse clara, é difícil saber que conselho prático dar quando os alimentos ultraprocessados representam o que um estudo estima ser 73% do suprimento de alimentos dos EUA.
A Associated Press perguntou a vários especialistas em nutrição e aqui está o que eles disseram:
O que são alimentos ultraprocessados?
A maioria dos alimentos é processada, seja por congelamento, moagem, fermentação, pasteurização ou outros meios. Em 2009, o epidemiologista brasileiro Carlos Monteiro e colegas propuseram pela primeira vez um sistema que classifica os alimentos de acordo com a quantidade de processamento a que são submetidos, não pelo conteúdo de nutrientes.
No topo da escala de quatro níveis estão os alimentos criados por meio de processos industriais e com ingredientes como aditivos, corantes e conservantes que não seriam possíveis de serem reproduzidos em uma cozinha doméstica, disse Kevin Hall, pesquisador especializado em metabolismo e dieta no Instituto Nacional de Saúde.
“Esses são a maioria, mas não todos, dos alimentos embalados que você vê”, disse Hall.
Esses alimentos geralmente são feitos para serem baratos e irresistivelmente deliciosos, disse a Dra. Neena Prasad, diretora do Programa de Política Alimentar da Bloomberg Philanthropies.
“Eles têm a combinação certa de açúcar, sal e gordura e você simplesmente não consegue parar de comê-los”, disse Prasad. (nt.: aqui vale a pena sempre lembrar como as transnacionais chegaram a este tipo de construto industrial. Se ainda não leu, leia: ‘A Extraordinária Ciência de Viciar em Junk Food‘)
No entanto, o nível de processamento por si só não determina se um alimento é prejudicial à saúde ou não, observou Hall. Pão integral, iogurte, tofu e fórmula infantil são todos altamente processados, por exemplo, mas também são nutritivos.
Alimentos ultraprocessados são prejudiciais?
Aqui está a parte complicada. Muitos estudos sugerem que dietas ricas em tais alimentos estão ligadas a resultados negativos para a saúde. Mas esses tipos de estudos não podem dizer se os alimentos são a causa dos efeitos negativos — ou se há algo mais sobre as pessoas que comem esses alimentos que pode ser responsável.
Ao mesmo tempo, alimentos ultraprocessados, como um grupo, tendem a ter maiores quantidades de sódio, gordura saturada e açúcar, e tendem a ter menos fibras e proteínas. Não está claro se são apenas esses nutrientes que estão causando os efeitos.
Hall e seus colegas foram os primeiros a conduzir um experimento pequeno, mas influente, que comparou diretamente os resultados de dietas semelhantes feitas de alimentos ultraprocessados e não processados.
Publicada em 2019, a pesquisa incluiu 20 adultos que foram morar em um centro do NIH por um mês. Eles receberam dietas de alimentos ultraprocessados e não processados, com calorias, açúcar, gordura, fibras e macronutrientes correspondentes por duas semanas cada, e foram instruídos a comer o quanto quisessem.
Quando os participantes comeram a dieta de alimentos ultraprocessados, eles consumiram cerca de 500 calorias por dia a mais do que quando comeram alimentos não processados, descobriram os pesquisadores — e ganharam uma média de cerca de 2 libras (1 quilo) durante o período do estudo. Quando comeram apenas alimentos não processados pelo mesmo período de tempo, perderam cerca de 2 libras (1 quilo).
Hall está conduzindo um estudo mais detalhado agora, mas o processo é lento e custoso e os resultados não são esperados antes do final do ano que vem. Ele e outros argumentam que tal pesquisa definitiva é necessária para determinar exatamente como os alimentos ultraprocessados afetam o consumo.
“É melhor entender os mecanismos pelos quais eles causam as consequências deletérias à saúde, se é que eles as causam”, disse ele.
Alimentos ultraprocessados devem ser regulamentados?
Alguns defensores, como Prasad, argumentam que o grande corpo de pesquisas que ligam alimentos ultraprocessados à saúde precária deve ser mais do que suficiente para estimular o governo e a indústria a mudar as políticas. Ela pede ações como aumento de impostos sobre bebidas açucaradas, restrições mais rigorosas de sódio para fabricantes e repressão ao marketing desses alimentos para crianças, da mesma forma que o marketing do tabaco é restringido.
“Queremos arriscar que nossas crianças fiquem mais doentes enquanto esperamos que essa evidência perfeita surja?”, disse Prasad. No início deste ano, o comissário da FDA/ US Food and Drugs Administration, Robert Califf, abordou o assunto, dizendo em uma conferência de especialistas em política alimentar que alimentos ultraprocessados são “uma das coisas mais complexas com as quais já lidei”.
Mas, ele concluiu, “precisamos ter a base científica e então seguir em frente”.
Como os consumidores devem administrar alimentos ultraprocessados em casa?
Em países como os EUA, é difícil evitar alimentos altamente processados — e não está claro quais devem ser alvos, disse Aviva Musicus, diretora científica do Centro de Ciência no Interesse Público, que defende políticas alimentares.
“A variedade de alimentos ultraprocessados é muito ampla”, disse ela.
Em vez disso, é melhor estar atento aos ingredientes dos alimentos. Verifique os rótulos e faça escolhas que estejam alinhadas com as Diretrizes Dietéticas atuais dos EUA, ela sugeriu.
“Temos evidências realmente boas de que o açúcar adicionado não é bom para nós. Temos evidências de que alimentos ricos em sódio não são bons para nós”, ela disse. “Temos grandes evidências de que frutas e vegetais minimamente processados são realmente bons para nós.”
É importante não difamar certos alimentos, ela acrescentou. Muitos consumidores não têm tempo ou dinheiro para cozinhar a maioria das refeições do zero (nt.: lastimamos, mas esta não pode ser uma justificativa para continuarmos ‘envenenando’ nossas crianças).
“Acho que as comidas devem ser alegres e deliciosas e não devem envolver julgamento moral”, disse Musicus (nt.: esse fato não é um ‘julgamento moral’ sobre os alimentos, mas sim, conforme o texto em destaque acima: “A Extraordinária Ciência …”, uma ‘percepção ética’ quanto às transnacionais que lidam com nossos alimentos!).
Tradução livre, parcial, de Luiz Jacques Saldanha, agosto de 2024